Porque a bolsa que recebe da Capes cobre só a mensalidade do mestrado, a farmacêutica Ana Paula Anzolin, 25 anos, bateu de porta em porta para viabilizar sua pesquisa. Ela soube que pacientes de artrose estavam trazendo do Exterior um óleo ozonizado, com fama de aliviar as dores nas articulações, e propôs desenvolver uma formulação própria e testá-la cientificamente, para responder se a chamada ozonioterapia, que não é autorizada pelo Conselho Federal de Medicina, tem mesmo alguma eficácia.
Para isso, precisava adquirir a máquina que produz ozônio, recrutar pacientes e ter acesso a uma grande quantidade de exames de imagem e laboratoriais. Dinheiro para isso, no mestrado em envelhecimento humano da Faculdade de Fisioterapia da Universidade de Passo Fundo (UPF), não havia. Foi então que Ana Paula decidiu se virar, batendo de porta em porta em nome da ciência.
Foi à emissora de rádio local e conseguiu que um anúncio gratuito fosse veiculado, chamando doentes de artrose com mais de 50 anos a participar do estudo. Em uma semana, conseguiu 100 voluntários. Uma empresa de Caxias do Sul importou e doou a máquina que produz o ozônio a partir de eletrólise. Um laboratório de Passo Fundo concordou em realizar, sem custos, os exames em cada paciente, no início e no fim do tratamento.
Custando aos cofres públicos os menos de R$ 2 mil mensais da mensalidade do mestrado de Ana Paula, o trabalho pode desenvolver uma medicação que pode aliviar o sofrimento de milhares de brasileiros e contribuir para esclarecer se a polêmica ozonioterapia tem alguma base científica.
As pessoas de fora não veem o mestrado como um trabalho, veem como um aluno que está desperdiçando o dinheiro do governo. Elas gostam do produto inovador, mas não gostam da pesquisa e do pesquisador.
ANA PAULA ANZOLIN
Bolsista de mestrado da Capes
– Se comprovar o benefício, vou oferecer uma medicação simples e acessível, porque a usada hoje custa R$ 1 mil a aplicação, por injeção. O óleo vai ser muito mais barato. Apesar disso, as pessoas de fora não veem o mestrado como um trabalho, veem como um aluno que está desperdiçando o dinheiro do governo. Elas gostam do produto inovador, mas não gostam da pesquisa e do pesquisador – diz Ana Paula.
Nascida em Nova Bassano, a jovem fez a graduação graças a uma bolsa do ProUni. Foi então que começou a pesquisar o ozônio, na iniciação científica. Atualmente, para se manter enquanto toca o mestrado, trabalha em uma distribuidora de medicamentos, à qual dedica 40 horas semanais. Somando as horas dedicadas à pesquisa, são 80 horas de trabalho por semana.
– Não sobra tempo para nada. Se eu sobreviver até o final, está ótimo – desabafa.
Ana Paula já desenvolveu o óleo ozonizado e o forneceu aos pacientes, depois de todos eles fazerem um raio-X para confirmar o diagnóstico e de se submeterem a exames de sangue. Metade dos doentes recebeu o óleo com ozônio e a outra metade, um placebo. Devem aplicar essa espécie de pomada duas vezes ao dia. A esperança é que o ozônio seja absorvido e diminua a inflamação. Os pacientes, o profissional que realizará posteriormente a análise estatística e a própria Ana Paula não sabem quem está usando o óleo ozonizado e quem está usando o placebo.
Após dois meses, os participantes vão refazer os exames de sangue, para ver se houve evolução positiva da doença. Também vão repetir um teste que avalia a dor, já realizado no início do estudo, para verificar se ela retrocedeu. Por fim, comparam-se os resultados de quem usou o óleo ozonizado e de quem usou a formulação sem ozônio. Nesse meio tempo, Ana Paula telefona de 10 em 10 dias a cada um dos 100 participantes, para saber como está indo o tratamento.
– Olha, vou te dizer, não está fácil. É uma trabalheira – diz.
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Ao iniciar a graduação em Engenharia da Computação na Pontifícia Universidade Católica (PUCRS), Nathalia Esper, hoje com 26 anos, sonhava em usar os conhecimentos adquiridos na faculdade para ajudar as pessoas, só não sabia como.
Natália Weber, 33 anos, é graduada em engenharia de energia pela Uergs e tem mestrado em planejamento energético pela USP. Se tivesse optado por trabalhar em alguma empresa, com jornada de 40 horas, receberia pelo menos R$ 8,5 mil.
Em Passo Fundo, uma mestranda de 24 anos, Francine de Souza Sossella recebe bolsa de R$ 2,6 mil (que se transformam em R$ 1,5 mil depois de paga a mensalidade) e vislumbra a possibilidade de gerar etanol barato com algas reproduzidas em tanques.
O médico gaúcho Wyllians Vendramini Borelli, 27 anos, doutorando ligado ao Instituto do Cérebro da PUCRS, participa do esforço científico internacional para derrotar o Alzheimer estudando pessoas saudáveis.* Colaborou Valeska Linauer
* Colaborou Valeska Linauer