No fim da tarde da segunda-feira (30), Viviane Silva Machado, 48 anos, fazia compras num supermercado em Porto Alegre, para a festa de Réveillon, quando o telefone tocou. Uma das filhas atendeu o celular e ficou receosa de narrar à mãe a notícia recebida. A auxiliar de serviços gerais insistiu para que ela contasse.
— O vô tomou um tiro — disse a jovem.
Seu Carlinhos, como era conhecido Carlos Alberto Machado, 72 anos, havia sido alvejado durante uma troca de tiros num bar que costumava frequentar no bairro Passo D'Areia, na zona norte da Capital. Na mesma ação, outros dois homens morreram no local. Segundo a polícia, um atirador invadiu o estabelecimento armado e matou Dionas de Andrade Borges. Um policial militar de folga presenciou a ação, reagiu, e matou o executor.
Nesse ínterim, o idoso foi alvejado no abdômen no momento em que tentava deixar o bar. Ele havia ido ao local para almoçar, conforme a família. O gráfico aposentado, que passou a vida na Vila do IAPI, chegou a ser socorrido ao Hospital Cristo Redentor, onde ficou internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI).
Os familiares rumaram para a casa de saúde, onde ainda tiveram tempo de se despedir dele. A morte ocorreu no início da madrugada do dia 31 de dezembro.
— É um sentimento de muita tristeza. Tiraram de nós uma pessoa maravilhosa. Estou sem chão. Imagina a gente esperando teu familiar para passar a virada do ano. E saber que ele não vai voltar mais. Tirou a nossa alegria toda. Tirou a pessoa que a gente mais amava. E que nos amava. Foi muito triste — desabafa a filha.
Os planos de passar a virada de ano numa comemoração em família foram encerrados naquela madrugada. Restaram as memórias da confraternização da semana anterior, no Natal. Carlinhos passou a data com a família. Viúvo, ele deixou a filha, cinco netos e 13 bisnetos.
— Acho que foi o melhor Natal que ele teve. Ele estava muito feliz. Foi como uma despedida. A gente não vai ser mais como antes. Ele fazia festa, ia lá para casa. Estava sempre junto. A gente vai tentar levar a vida sem ele — lamenta Viviane.
— Ele estava alegre, estava muito feliz. Toda hora abraçando, beijando a gente — complementa a neta, Karine Machado Allendorf, 26 anos.
"Ajudava todo mundo"
Numa camiseta criada pela família como forma de homenagem a seu Carlinhos, o idoso aparece sorrindo, no hospital. Foi a data em que ele soube que havia vencido um câncer no rim, há três anos.
— A gente esperava que o Carlinhos fosse morrer de velhice e morreu do jeito mais triste. Infelizmente, ele estava no lugar errado, no dia e na hora errada — diz a filha.
O aposentado, segundo a família, frequentava o bar onde aconteceu o tiroteio, especialmente para almoçar, com regularidade. Havia ido ao local no dia anterior e retornou naquela segunda-feira. Os planos para o dia seguinte era passar o Ano Novo na casa da filha.
No bairro Passo D'Areia, o idoso frequentemente auxiliava os vizinhos e quem mais pedisse ajuda.
— Tinha muitos amigos, vizinhos, que tem dificuldade para caminhar. Marcava a consulta. Pegava a medicação. Se a igreja ajudava ele com rancho, ele ajudava os amigos. Ele dizia "ganhei um rancho e doei". Sempre ajudava todo mundo. Era uma pessoa do bem. Vivia no entorno dos amigos — conta Viviane.
Avô presente
Nas lembranças da neta Karine ficam as memórias de quando corria com os irmãos até a casa do avô, e brincava de tocar as campainhas dos vizinhos. Seu Carlinhos tinha o hábito de acompanhar os netos até as pracinhas e estava sempre presente.
— Ele era maravilhoso como vô. Uma pessoa incrível. Não tenho nem como descrever o que foi para nós. Foi um choque. Ainda mais ele. Meu velhinho, estava sempre com a gente — confidencia a neta.
— Elogiava bastante as netas dele. Era um vozão. E para os bisnetinhos dele também. Agora estava faceiro que vão nascer mais duas. Disse que foi o presente que ele ganhou — complementa a outra neta, Camila Machado Allendorf, 23 anos.
Gremista, o neto Maicon Machado, 25 anos, costumava brincar com o avô que era colorado, numa rivalidade sadia. No Natal, presentou seu Carlinhos com uma camiseta do Internacional.
— Ele não esperava. Ficou muito feliz — recorda o neto.
— Um vô presente, um pai presente. Sempre esteve na vida dos netos, dos bisnetos. Era um vô exemplar. Carinhoso, amado, alegre. Nossa família está destruída — diz Viviane.
Investigação
O caso é investigado pela 2ª Delegacia de Homicídios da Capital. Segundo o delegado Eric Dutra, a suspeita é de que o crime esteja vinculado ao tráfico de drogas. Borges, que foi executado pelo atirador, tinha antecedentes por esse crime, além de porte irregular de arma de fogo.
Uma pistola 9 milímetros — de uso restrito — usada pelo atirador foi apreendida. O soldado da BM, que reagiu e matou o executor, foi ouvido pela investigação. A polícia ainda apura se o disparo que matou o idoso partiu da arma do atirador ou do policial militar.
A suspeita é de que o idoso tenha sido alvejado somente porque estava no local, ainda que não tivesse relação com as desavenças. A polícia apura também se houve participação de mais alguma pessoa no crime.