No último domingo (13), Antônia pegou um beija-flor em suas mãos e levou até sua vizinha Beatriz Silva, a Bia. A menina disse a Bia que agora não estava mais sozinha e que o beija-flor lhe faria companhia já que sua irmãzinha, Manoela, havia morrido. Bia alertou a ela que o passarinho não sobreviveria dentro de casa, em suas mãos. Ela ignorou o conselho e o levou entre os dedos. Naquela noite, ele morreu. Dois dias depois, quem morreu foi Antônia.
As mortes das gêmeas Manoela e Antônia, em um intervalo de oito dias, tiraram a cor do bairro Morada Verde, em Igrejinha, conhecido por suas ruas com nomes de flor. Na Rua Gardênia, que fica no Loteamento Jasmim, onde as meninas moravam, o sentimento dos moradores é de tristeza e revolta.
Avó de oito netos, Bia tem sua casa frequentemente confundida com uma creche. A moradia, sempre cheia de crianças e pássaros, era um dos lugares preferidos das meninas na vizinhança.
Elas tinham algo de diferente, eram carismáticas, comunicativas, dois anjinhos. Elas davam e queriam carinho sempre. Todo mundo era amiguinho e tia para elas.
BEATRIZ SILVA
As meninas estudavam à tarde. Pela manhã, visitavam os amiguinhos. Bia lembra que, algumas vezes, Antônia chegava cedo no seu portão e pedia para que ela chamasse as outras crianças da vizinhança para brincar.
— Eu dizia que os vizinhos iriam me xingar. Mas ela dizia: “Não, a senhora eles não xingam”. Então, eu ia lá e tocava a campainha para fazer a vontade dela. Mas as vizinhas já sabiam e não reclamavam. Agora eu olho para os beija-flores ali na minha janela e penso nelas — lament Bia.
Em frente à casa onde as meninas viviam com os pais, mora a família de Eduarda Fagundes, a primeira a viver no loteamento, construído há oito anos. Ela comenta que a família das meninas se mudou para o bairro há cerca de dois meses.
Eduarda diz que nunca conversou com a mãe, mas eventualmente falava com o pai das gêmeas. Já as meninas, diariamente atravessavam a rua para brincar as crianças da casa.
— Quando a gente fala assim, dá vontade de chorar. Algumas horas antes, a Antônia estava aqui no pátio brincando com a minha irmãzinha. Dá muita saudade. Elas eram muito queridas e amorosas. A gente não quer acreditar — conta a vizinha com lágrimas nos olhos.
Ela lembra que todos os dias via as meninas saindo para a aula de van escolar depois do almoço. Ela diz que achava o pai muito amoroso com as filhas.
Casa vandalizada
Após a notícia da prisão de Gisele Beatriz Dias, 42 anos, mãe das meninas, um grupo de pessoas teria vandalizado a casa da família. Os vizinhos não comentam o caso, mas a informação que se espalhou foi que teria ocorrido durante a madrugada.
A Brigada Militar foi acionada par atender a ocorrência. A caixa de luz, na frente da casa, é o único vestígio que restou da ação.
Na parede frontal da casa, ainda há um quadro branco com preços de bebidas e a indicação de “toque a campainha”. No local, o pai das meninas vendia bebidas e outros produtos. Anteriormente, ele apostou na venda de xis e pizzas.
Mortes na ausência do pai
Segundo o delegado Cléber Lima, diretor do Departamento de Polícia do Interior (DPI), um fato que chama a atenção da polícia é que as duas mortes ocorreram enquanto o pai das crianças não estava em casa.
No dia 7 de outubro, uma segunda-feira, ele estava trabalhando durante a manhã, quando recebeu a notícia da morte da filha Manoela e voltou para casa. Ele pediu ajuda e, ao chegarem no local, os bombeiros encontraram a menina já sem vida. O pai preferiu conduzir a filha até o Hospital Bom Pastor.
Já na última terça-feira (15), ele estava em casa, quando a mulher pediu que ele fosse até o mercado comprar frutas por volta de 10h.
Imagens de câmeras de vizinhos às quais a polícia teve acesso registraram o momento em que ele saiu de moto. Ao retornar, a esposa pediu que ele preparasse a mamadeira para a filha. Quando ele foi entregar à menina, que estava deitada no sofá, ele percebeu que ela estava gelada e roxa.
Conflitos entre o casal
O delegado suspeita que a mãe possa ter matado as filhas para atingir o pai. Conforme o delegado, depoimentos de membros da família reforçam essa hipótese.
Segundo ele, o casal teve conflitos no passado e ela culpava o marido pela morte do filho mais velho, de 22 anos, em Santa Maria, numa disputa do tráfico de drogas.
Acusação de abuso sexual
A apuração da polícia aponta que, no passado, a mulher acusou o marido de ter abusado sexualmente das filhas porque queria se separar dele e ficar com as crianças. Um inquérito policial foi instaurado para investigar o caso, mas terminou sem indiciamento. Na perícia, constatou-se que as crianças eram induzidas a acusar o pai.
No depoimento prestado após sua prisão, a mulher assumiu que mentiu naquela ocasião para atingir ele, reforçando a tese da polícia.
O delegado diz que, embora a mulher tenha dado um depoimento longo, ela teria falado pouco sobre o fato em si e deu declarações “confusas”.
— No depoimento, ela fala sobre o parto das crianças, fala sobre tudo, menos sobre o fato. Disse que quando fez registro de estupro das meninas contra ele, foi para conseguir a guarda das meninas. Então, ela pode ter feito isso (matar as filhas), é uma suposição, para atingir o marido — diz o diretor do DPI.
Segundo o delegado, não há nenhum registro de agressão contra os pais junto ao Conselho Tutelar da cidade.
Filha diz que mãe era "maquiavélica"
A família residia em Santa Maria e, recentemente, havia se mudado para Igrejinha. Além das gêmeas e do filho que morreu há cerca de dois anos, o casal tem mais uma filha, de 19 anos, que segue morando na cidade da Região Central.
Em depoimento, a filha descreveu a mãe como “maquiavélica”. Quando foi questionada se imaginava os pais fazendo algo contra as irmãs, respondeu:
“Olha, meu pai não, porque mesmo sendo uma pessoa ruim, eu creio que ele não faria isso. Já a minha mãe já está acostumada a fazer isso com o meu pai. Colocar medicamentos na comida. Mas eu não sei com que intenção ela iria fazer isso com as minhas irmãs.”
Mesmo médico atendeu mãe e filha
O médico que atendeu Antônia, segunda gêmea morta, também atendeu a mãe quando ela foi encaminhada para a clínica psiquiátrica, em setembro.
O fato foi descoberto enquanto o médico saía da delegacia, após prestar depoimento. Ele reconheceu a mulher e disse à polícia que a atendeu durante um plantão de domingo no hospital.
Ele apontou que ela apresentava ideação suicida e já tinha histórico de intoxicação por ingestão de medicamentos. Ele também se recordou de ter visto as meninas pelos corredores do hospital.
Um prontuário médico obtido pela polícia apontava que a mulher dizia não sentir afeto pelas filhas. Outro prontuário apontava que ela tinha ideação suicida e conduta perversa. Ela também dizia ouvir a voz do filho morto a chamando durante as madrugadas.
Entenda o caso
A Polícia Civil abriu inquérito para investigar a morte das gêmeas Manoela e Antônia, de seis anos, em Igrejinha, no Vale do Paranhana, no intervalo de oito dias.
Manoela morreu no último dia 7, e Antônia, na última terça-feira (15). Elas moravam com os pais no bairro Morada Verde, no loteamento Jasmim.
A mãe das meninas teve a prisão temporária decretada pela Justiça, a pedido da Polícia Civil, na manhã da quarta-feira (16). A suspeita é de que ela tenha matado as filhas com o uso de algum medicamento ou veneno — mas somente o laudo pericial poderá confirmar a causa das mortes.