Convocada em momentos de crise ou tragédia, a Força Nacional está em solo gaúcho há quatro meses. O efetivo desembarcou no Estado em 6 de maio, quando o Rio Grande do Sul vivia os primeiros dias do maior desastre climático já registrado. O reforço buscava, inicialmente, procurar por desaparecidos e auxiliar no resgate e identificação de vítimas da enchente. Agora, a missão humanitária busca coibir a criminalidade a partir do patrulhamento e do policiamento ostensivo. Os agentes, cedidos por 23 Estados, devem ficar no RS pelo menos até 17 de setembro. A permanência pode ser estendida, assim como já foi feito três vezes, caso o governo federal opte por isso.
O efetivo, composto inicialmente por 117 agentes, já contou com quase 500 policiais civis e militares, bombeiros e peritos técnico-científicos ao longo destes quatro meses de ação. Permanecem no Estado, nesta operação humanitária, 135 profissionais, alocados em Porto Alegre, Canoas e São Leopoldo.
As ações da Força Nacional no RS são coordenadas em reuniões periódicas com a Brigada Militar. Para o subcomandante-geral da BM, Douglas Soares, esse auxílio chegou em um momento oportuno. Ele relembra que a entidade estava empregando diariamente 7 mil policiais militares para tentar conter os problemas causados pela cheia no Estado. Todas as folgas e férias dos brigadianos gaúchos foram suspensas para ter o máximo de efetivo para atuar no desastre. Servidores que estavam na reserva também foram reintegrados para ajudar. Além da Força Nacional, cerca de 10 Estados cederam, individualmente, parte de suas tropas de policiais militares para atuar na tragédia.
— Foi de suma importância. O trabalho da Força Nacional contribuiu bastante para manter a ordem, principalmente nos locais mais sensíveis e de acolhimento às pessoas que tinham sofrido com aquela enchente — diz Soares.
A atuação na enchente
Assim como o próprio desastre climático, o perfil dos serviços prestados pela Força Nacional no RS mudou ao longo desse período. No começo, as ações focavam mais no emergencial: salvar a vida das pessoas e dos animais que estavam à deriva da torrente lamacenta.
Ao passo que a água destruía o que estivesse em seu caminho, inclusive cidades praticamente inteiras, surgiu a necessidade de identificar vítimas e localizar desaparecidos. Equipes da Força Nacional, dessa forma, passaram a auxiliar na coleta necropapiloscópicas (que permitem a identificação de mortos) e na procura por desaparecidos.
Em paralelo ao choro daqueles que perderam suas casas e entes queridos, criminosos se aproveitavam do momento de horror vivido no RS para saquear casas e fazer vítimas. Como um reforço às forças de segurança local, a tropa nacional começou a integrar o patrulhamento e policiamento ostensivo terrestre e aquático das cidades atingidas pela cheia, assim como compor algumas investigações.
— Nós realizávamos os salvamentos e também a segurança dos bombeiros e dos resgatados, porque estavam acontecendo muitos casos de tentativas de roubos, furtos, assaltos, mesmo em botes, mesmo no meio da água. Então, a gente ia com fuzis, coibindo essas ações criminosas — conta tenente Mário Gonçalves, 51 anos, do Distrito Federal, que é o único bombeiro da missão que estava no começo das ações e ainda segue em solo gaúcho. Ele participa de ações da Força Nacional desde 2006.
Rodovias, pontes, acessos costumeiramente usados foram destruídos de uma hora para outra quando a enxurrada chegou. A mobilidade do Estado colapsou, assim como tantas outras instâncias do cotidiano gaúcho. As poucas estradas que permitiam o acesso a outras cidades passaram a apresentar longas filas de veículos que buscavam adentrar ou sair de alguma localidade afetada. Muitos procuravam deixar locais impactados, enquanto outros queriam prestar ajuda ou se aventurar em áreas desoladas. Para conter a confusão, barreiras passaram a ser realizadas, com ajuda da Força Nacional, a fim de priorizar o deslocamento de veículos de ajuda humanitária e de segurança.
Depois que o momento mais dramático da emergência no RS foi superado, os agentes nacionais passaram a atuar no auxílio aos desabrigados, na entrega de donativos e no apoio à segurança dos abrigos. Atualmente, os profissionais reforçam o patrulhamento e policiamento das cidades de Porto Alegre, Canoas e São Leopoldo.
Alguns dos agentes que desembarcaram no Estado para auxiliar nas demandas da enchente foram realocados dias depois para a região do Pantanal, no Centro-Oeste, para apoiar as ações de combate às queimadas.
Os que vão para outras terras ajudar
— A saudade é grande. Tem a renúncia de estar distante da família, mas o reencontro é emocionante e poder ajudar as pessoas também — relata o major Carlos Alberto Albuquerque, 48 anos, que comanda a missão humanitária no Estado.
Ele, que é de Pernambuco, está a cerca de 3,5 mil quilômetros de distância de sua terra natal. Apesar da saudade dos familiares, Albuquerque conta que ajudar aos outros é um dos combustíveis do trabalho.
— Durante a enchente, tivemos situações de animais que estavam sofrendo abandonados, deixados para trás, em cima de telhados, e quando viam a equipe da Força Nacional, eram resgatados, o alívio no olhar era incrível — exemplifica.
Albuquerque já foi convocado para servir na Força Nacional cinco vezes. Em 2007, ele saiu pela primeira vez em missão. De lá para cá, já esteve em diferentes ações da cooperação interestadual, como nos Jogos Pan-Americanos, da Copa do Mundo e das Confederações, assim como nas Olimpíadas e nas grandes manifestações de 2013. Apesar da ampla experiência em diferentes tipos de enfrentamento à desordem pública, ele assinala que jamais havia presenciado situação tão dramática quanto nas enchentes no RS.
— Por mais vivência que a pessoa tenha, não é fácil presenciar uma cena dessa: de corpos de idosos e crianças sendo resgatados da água — comenta.
Observação similar é feita por Muana Kerlla Martins, 44 anos, uma das 16 mulheres que compõem a tropa que ainda está no Estado. A policial militar é do Acre e chegou ao RS quando a água já havia baixado. Apesar disso, as ruas ainda estavam tomadas por lixo, entulhos e destroços.
— Parecia um cenário de guerra que a gente vê em filmes. Nunca tinha visto algo assim antes — resume a PM.
Para além das obrigações profissionais, Muana resolveu embarcar nessa missão porque possui familiares que moram no RS. Embora eles não tenham sido afetados, ela explica que não pôde parar de pensar no que poderia ter acontecido se a cheia os atingisse.
— Queria que tivesse alguém para ajudar, caso alguma coisa tivesse acontecido. Então, a Força Nacional está aqui para ajudar as famílias que foram afetadas e que precisam de ajuda — relata.
De face com o que chamou de “força da natureza”, o major Douglas dos Santos, 39 anos, da Polícia Militar do Pará, realizou ações em Canoas, na Região Metropolitana, no auge da enchente, após as águas baixarem. A cidade teve dois terços devastados, mais de 15 mil desabrigados e foi palco de algumas das cenas mais comoventes que rodaram o Brasil e resumiram a enchente, como o cordão humano formado por voluntários que puxavam embarcações e sobreviventes para que a água não os levasse, e o resgate do cavalo Caramelo do telhado de uma residência.
— A água baixou, mas os problemas ficaram. Mesmo assim, a gente vê as pessoas sorrindo, sobrevivendo, lutando, reconstruindo e se ajudando mutuamente. Foi o que mais me impactou e me emocionou durante a missão: a força do povo gaúcho — avalia o major, que já atuou em outras ações emergenciais, como a operação Esplanada dos Ministérios, em Brasília, decorrente dos atos golpistas de 8 de janeiro.
A Força Nacional
A Força Nacional de Segurança Pública (FNSP) é um programa de cooperação federativa instituído em 2004 pelo Ministério da Justiça. Sob os moldes das forças de paz da Organização das Nações Unidas (ONU), o programa busca auxiliar, na área de segurança pública, os Estados e o Distrito Federal em tempos de crise.
O contingente mobilizável da Força Nacional é composto por servidores que tenham recebido o treinamento especial para atuação conjunta. A formação, chamada de Instrução de Nivelamento de Conhecimento (INC), submete os profissionais a treinamentos físico e intelectual. Alguns temas abordados no curso são:
- Direitos Humanos
- Atuação em território indígena
- Policiamento ambiental
- Policiamento em meio aquático
- Doenças tropicais e infecciosas
- Atendimento pré-hospitalar tático
- Busca e resgate em deslizamentos
- Busca e resgate em inundações
Compõem o quadro da Força Nacional: policiais militares, policiais civis, bombeiros militares e profissionais de perícia dos estados e Distrito Federal.
O que diz a SSP
Por nota, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) afirma que o apoio ofertado pela Força Nacional "foi essencial para que o Estado superasse o desafio das enchentes no Rio Grande do Sul". Confira:
"A Segurança Pública do Rio Grande do Sul recebeu apoio de policiais militares e civis, além de bombeiros militares e policiais científicos de todos os estados brasileiros, além de apoio da Força Nacional. Essa atitude solidária e de união foi essencial para que o Estado superasse o desafio das enchentes no Rio Grande do Sul. As atividades de busca e salvamento e de policiamento embarcado tiveram o importante apoio operacional dos servidores que ficaram longe de suas famílias, cumprindo a missão abnegada de auxiliar a população e manter a ordem pública."
Além da missão referente a cheia, a Força Nacional realiza outra ação em solo gaúcho. Quarenta militares apoiam a segurança e proteção dos povos e das terras indígenas em Planalto e Cacique Doble, na Região Norte.