Em maio, quando a catástrofe climática atingiu o Rio Grande do Sul, os influenciadores Gladison Pieri e Pamela Pavão, de Canoas, na Região Metropolitana, viajavam por Dubai. Três meses depois, em operação que, coincidentemente, levou o mesmo nome da cidade refúgio de bilionários nos Emirados Árabes, o casal foi preso, investigado por suspeita de irregularidades envolvendo sorteios online, com os quais fizeram fortuna.
Atualmente, os dois estão em liberdade, desde que atendam algumas medidas, como o uso de tornozeleira eletrônica. Seguem sendo investigados por, supostamente, terem cometido lavagem de dinheiro, entre outros crimes. A defesa nega que eles tenham deixado de entregar os prêmios sorteados e afirma que as atividades foram regularizadas — o casal admite ter atuado sem regularização no início dos sorteios.
Fato é que Gladison e Pamela despertaram atenção por terem adquirido um patrimônio milionário em pouco tempo. A vida que os influenciadores ostentavam nas redes sociais — até elas serem bloqueadas por determinação judicial — não se parece em nada com o cotidiano do casal há cerca de dois anos.
De família humilde, filho de costureira, Gladison cresceu no Interior. Tentou a vida em diferentes empregos, entre eles o de garçom, até chegar ao ramo dos veículos, onde se especializou em suspensões. Assim como o companheiro, Pamela também tem origem pobre, e costumava viajar da Região Metropolitana até São Paulo para comprar roupas femininas. Os produtos eram revendidos em uma loja, no bairro Mathias Velho, em Canoas. Atualmente, ela mantém uma loja na mesma cidade, com roupas de grife.
Em pouco mais de um ano, por meio de sorteios online — de veículos, casas, valores, smartphones e outros bens —, o casal conseguiu arrecadar milhões. A disparada patrimonial despertou a atenção. Os dois passaram a ser investigados ainda no ano passado pela Polícia Civil de Canoas, a pedido do Ministério Público. Havia suspeita de que as transações poderiam estar ocorrendo de forma irregular.
A polícia apurou até o momento, no entanto, que a regularização dos sorteios só teria se dado nos últimos dois meses, antes de eles serem presos.
Engajamento na pandemia
Gladison e Pamela começaram a realizar os sorteios no fim de 2022. Mas, ele já era conhecido nas redes sociais há mais tempo. Ainda em 2020, durante o período da pandemia do coronavírus, começou a fazer sucesso na internet com vídeos publicados e angariou seguidores. Com o crescimento do engajamento, veio a ideia de realizar as rifas online.
Inicialmente, os carros sorteados eram usados e de modelos mais populares. Nessa época, Gladison ainda trabalhava no ramo de suspensões e circulava por Canoas em um Uno Mille. Para sortear os veículos, conseguiu estabelecer parceria com outra empresa, que fornecia os automóveis.
No início, os sorteios ocorriam em menor volume — poderia levar até dois meses para um item ser sorteado. Com o engajamento dos seguidores, o número de apostadores foi crescendo e mais prêmios começaram a ser sorteados de forma mais ágil. Foram estabelecidas parcerias com outros proprietários de revendas.
Os números eram sorteados a poucos centavos — o valor variava de acordo com o prêmio, mas podia chegar, por exemplo, a dois centavos. Em um dos sorteios realizados, cada número para participar da rifa de uma casa (descrita no prêmio como uma mansão), um carro e R$ 300 mil em dinheiro podia ser adquirido por até R$ 0,50 em um pacote promocional.
— Tem uma frase que eles usavam muito, que é “papo de mudança de vida”. “Tu vai ganhar uma vida nova”. Tudo para te brilhar os olhos. Apostava R$ 15 e estava concorrendo a R$ 50 mil. Eram uma rifa que vendia muito rápido, em 24 horas, até 12 horas, muito rápido — conta uma das apostadoras, que acompanhava os perfis do casal nas redes sociais e agora se sente enganada.
No dia da operação, no início deste mês, no site Pieri Prêmios havia sorteios previstos para ocorrer em 14 e 17 de agosto. Na primeira, um Civic prata era sorteado com cotas a partir de R$ 0,16. Na segunda, uma BMW e R$ 300 mil eram rifados com cotas custando R$ 0,30. Após a ação da polícia, consta no site mensagem informando que os sorteios foram cancelados e os valores restituídos aos apostadores.
Em paralelo, em uma outra conta, Pamela anunciava outros tipos de sorteios, como somas em dinheiro, de R$ 2 mil a R$ 5 mil, por exemplo, procedimentos estéticos (lipoaspiração), smartphones, entre outros. As ações realizadas pela influencer, em geral, eram de valores mais baixos do que os anunciados pelo companheiro.
Desde o início, segundo a polícia, os valores obtidos com os sorteios eram repassados diretamente às contas bancárias do casal, o que é considerado irregular. Além disso, não teriam autorização para realizar as rifas. Os dois são investigados pelos crimes de lavagem de dinheiro, exploração de jogos de azar, crime contra a economia popular e associação criminosa.
Viagens e seguidores
Até os perfis serem desativados, Pamela tinha 379 mil seguidores no Instagram, Gladison 317 mil e a Pieri Prêmios ultrapassava 1 milhão. Pelas redes sociais, o casal costumava divulgar os bens que adquiriram. Em julho, Pamela postou um vídeo de um Porsche 911 Turbo – que tem valor médio de R$ 1,7 milhão. Segundo a influencer, o carro foi importado de Miami, nos Estados Unidos.
Nas postagens, o casal exaltava a própria origem humilde. “Mais uma conquista, meu presentão de 25 anos ‘tá’ na casa. Única no Brasil. Favela venceu. Essa é pra mostrar que a mulherada também pode”, escreveu Pamela, no dia da compra do Porsche.
Desde o ano passado, a rotina do casal se dividia entre Canoas, Balneário Camboriú e aeroportos. Tudo era compartilhado pelas redes. Conheceram a Europa, onde estiveram em Paris, na França, por exemplo, visitaram as Maldivas, Fernando de Noronha e Dubai — onde estavam em maio. O casal afirmou aos seguidores que, ao saber da enchente que atingia o Estado, adiantou o retorno da viagem, e regressou a Canoas, para auxiliar no resgate e abrigamento de pessoas.
Após a prisão deles, nas redes sociais seguidores passaram a questionar a ação da polícia e chegaram a relatar que dois estavam sofrendo represálias por terem criticado ações do Estado durante as enchentes. O casal admite ter publicado vídeos fazendo críticas, mas reconhece que a investigação se iniciou antes desse período. Segundo a Polícia Civil, os dois eram investigados desde o ano passado.
O nome dado à Operação Dubai, conforme a polícia, não está relacionado à última viagem do casal e, sim, à forma como eles viviam. Gladison e Pamela mantinham um apartamento em Balneário Camboriú, no edifício mais alto do país, com valor estimado em R$ 15 milhões, além de uma casa em Canoas, onde também estavam construindo uma moradia em área nobre, estimada em R$ 10 milhões.
— As viagens deles eram regadas a champanhe, com os passeios mais caros. Viajavam de primeira classe. Não poupavam em nada. Tudo era grandioso. Fizeram fortuna em pouco mais de um ano — explica um dos policiais que atuou na investigação.
Entenda o caso
Apuração
A investigação sobre o casal se iniciou ainda no ano passado, pela 3ª Delegacia de Polícia de Canoas, e resultou em operação deflagrada no último dia 6. A ofensiva foi coordenada também pela Delegacia de Repressão ao Crime de Lavagem de Dinheiro do Deic. A apuração continua em andamento, analisando os materiais apreendidos durante a operação, para apontar quais crimes foram cometidos.
A operação
Gladison e Pamela foram alvo da Operação Dubai no início deste mês. Com eles, foi apreendida uma pistola de calibre 380. Gladison foi preso em flagrante, e pagou fiança de R$ 100 mil para ser liberado. Pamela também foi liberada, após prestar depoimento.
As rifas
Segundo a polícia, o casal atuava de forma irregular na realização dos sorteios. Conforme a legislação brasileira, rifas virtuais são ilegais. Exceto caso haja autorização expressa do Ministério da Fazenda, todo e qualquer tipo de sorteio, seja envolvendo rifa ou qualquer outro jogo de azar, é tido como um "ato ilícito". Geralmente, há permissão para causas filantrópicas, mas apenas de prêmios e brindes – não de dinheiro. A polícia apura ainda se houve fraude nos sorteios.
Veículos
Foram apreendidos 50 veículos, entre os quais há um Chevrolet Corvette avaliado em R$ 1,5 milhão, duas BMW X6, de R$ 1,1 milhão cada, e um Audi A8, de R$ 850 mil. Além disso, foram apreendidas quatro motos aquáticas avaliadas em mais de R$ 150 mil cada, reboques e um barco que está na Marina de Porto Belo, em Santa Catarina. Também foram apreendidos cerca de R$ 600 mil em espécie.
Vídeo
No mesmo dia da operação, o casal se manifestou em vídeo publicado nas redes sociais, alegando que só tinha ido até a delegacia para prestar esclarecimentos a respeito da época em que "não eram regularizados" e que, agora, são "100% regularizados". Passaram então a anunciar novos sorteios.
Irregularidade
No perfil da Pieri Prêmios nas redes sociais consta que as ações da empresa são "100% legalizadas com autorização da Susep (Superintendência de Seguros Privados)", órgão do governo federal que é responsável pela autorização das operações das Sociedades de Capitalização. A autarquia federal informou que "embora a empresa comente que ela é 100% regular, ela não tem autorização da Susep para operar como sociedade de capitalização".
Nova prisão
No dia 9, Gladison e Pamela foram presos, após novo pedido da Polícia Civil. Um dos motivos que levou a polícia a pedir a prisão preventiva dos dois é o fato de que, após serem liberados, voltaram a anunciar sorteios. Um dos prêmios, segundo a Polícia, era uma BMW que já havia sido apreendida na operação.
— Eles não tinham a menor possibilidade de entregar aquele veículo. Isso é um golpe, entregar ou anunciar um veículo que está preso judicialmente — afirmou o delegado Cristiano Reschke.
Soltura
Após a segunda prisão, a Justiça autorizou a soltura dos dois, desde que cumprissem medidas cautelares. Foi determinado o recolhimento dos passaportes do casal, bloqueio das redes sociais, monitoramento dos investigados por tornozeleira eletrônica e a impossibilidade de o casal sair do país, entre outras medidas.
O que diz a defesa
Zero Hora entrou em contato com os advogados André Callegari, Marília Fontenele e Nereu Giacomolli, responsáveis pela defesa do casal, que emitiram nota sobre o caso. Confira abaixo.
"Algumas autoridades estão fazendo julgamento antecipado de pessoas que, até o momento, estão na condição de investigadas. Trata-se de uma tentativa de linchamento moral de pessoas contra as quais não pesa nenhuma acusação formal ou condenação.
Pamela e Gladison não cometerem qualquer irregularidade. Eles são divulgadores de sorteios realizados por empresas cadastradas, regularizadas e devidamente fiscalizadas pela Susepe e Ministério Fazenda. Todos os prêmios foram devidamente entregues.
Os fatos noticiados são equivocados e serão devidamente esclarecidos no curso da investigação."