Das 9.948 novas armas de fogo registradas para defesa pessoal de cidadãos no primeiro semestre de 2024 no Brasil, 2.393 delas estão no Rio Grande do Sul. Atrás do RS vêm Espírito Santo, com 1.285, e Goiás, com 1.109 (veja lista completa no final).
Ainda assim, o indicador teve redução de 75% no RS em comparação com 2021 — ano com salto de registros no país — quando o RS contabilizou 9.510 novas armas. Esse é o menor patamar estadual desde 2013, quando foram 2.091.
Já os registros do primeiro semestre em âmbito nacional representam diminuição de 88% em relação ao mesmo período de 2021, quando 81.731 novas armas foram registradas no país. Os dados são do Sistema Nacional de Armas (Sinarm).
As pistolas lideram a lista de armas regularizadas por civis do RS junto à Polícia Federal (PF) em 2024, com 1.249 cadastros no primeiro semestre. Em seguida, aparecem as espingardas (582 registros) e os rifles (230). Os calibres mais adquiridos são .380 ACP (830 registros) e calibre 12 (449 registros).
Os dados se referem exclusivamente aos civis que registraram novas armas no período analisado. Se fossem consideradas as armas registradas nas categorias Servidor Público (porte por prerrogativa por função) e Caçador de Subsistência, os números seriam maiores.
Porte de arma
O porte de arma de fogo para defesa pessoal é o documento, com validade de até cinco anos, que autoriza o cidadão a portar, transportar e carregar consigo uma arma de fogo, de forma discreta, fora de casa ou local de trabalho. Ele é solicitado à Polícia Federal, que avalia se o candidato atende a todos os requisitos previstos em lei e autoriza, ou não.
Segundo o delegado Cícero Costa Aguiar, chefe da Delegacia de Controle de Armas e Produtos Químicos (Deleaq) da Polícia Federal (PF), a redução nos registros pode estar relacionada às alterações na legislação implementadas desde o início do governo Lula. Aguiar também pontua que o número elevado de armas no Estado pode estar relacionado a um fator cultural.
— Para a PF, o registro segue pedindo os mesmos requisitos como comprovação de idoneidade, aplicação de teste de tiro e psicológico. O que mudou foi o número de armas que a pessoa pode ter, que já foi seis, quatro, e em janeiro de 2023 foi reduzido para três. Seis meses depois, houve outro decreto que corrigiu alguns pontos e passou para dois — pontua o delegado.
Mudanças na legislação
Uma das primeiras medidas anunciadas pelo presidente Lula ao assumir o governo, em 2023, foi a revogação das medidas implementadas pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, que flexibilizavam o acesso às armas. Em julho do ano passado, Lula assinou uma série de decretos que tornam mais rígido o controle de armas no país.
Entre as novas normas, o governo proibiu o funcionamento de clubes de tiro 24 horas e o transporte de armas municiadas por caçadores e atiradores esportivos. Além disso, a Polícia Federal ficou encarregada da fiscalização dos clubes e dos CACs (Colecionador, Atirador Desportivo e Caçador) no lugar do Exército.
O número de armas por cidadão foi reduzido de quatro para duas e as munições, de 200 por arma, para 50. Também houve a restrição de calibres como pistolas 9mm, .40 e .45 ACP, que voltaram a ser de uso restrito às forças de segurança.
O delegado Cícero Costa Aguiar explica que a exigência da comprovação de efetiva necessidade é a medida restritiva mais dura implementada para quem busca a posse de armas, que é a autorização para adquirir um armamento de fogo. Ele pontua que, antes, o requerente apenas declarava a efetiva necessidade e agora precisa comprovar. Contudo, ele reitera que os requisitos exigidos pela PF permanecem os mesmos.
Segurança x violência
O sociólogo, professor da Escola de Direito da PUCRS e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo, avalia que há uma correlação entre o número de armas circulando e a incidência de crimes violentos.
"O fortalecimento do controle de armas é essencial para promover uma sociedade mais segura e menos violenta. Em um contexto onde o acesso a armas de fogo é restrito e rigorosamente regulado, há uma tendência de redução significativa na violência armada, especialmente nos casos de homicídios e crimes impulsivos."
RODRIGO GHIRINGHELLI DE AZEVEDO
Sociólogo, professor da Escola de Direito da PUCRS e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
Segundo o professor, estudos internacionais demonstram que sociedades com maior controle de armas apresentam menores taxas de violência letal, sugerindo uma correlação entre a diminuição da disponibilidade de armas e a redução de crimes violentos. Ele pondera, também, que o uso de armas em situações de conflito pode agravar os riscos.
— Embora alguns defendam que o acesso a armas de fogo é uma forma de garantir a autodefesa, é importante considerar que a presença de uma arma em situações de conflito pode, em muitos casos, aumentar o risco de uma escalada de violência, em vez de preveni-la. O sucesso dessa política de restrição ao acesso ao armamento depende de uma atuação das polícias mais direcionada para o mercado ilegal e a circulação de armas sem registro.
Uso consciente e responsável
Com mais de quatro décadas de atuação no mercado, o empresário Dempsey Magaldi, proprietário da Magaldi Escola e Clube de Tiro, localizada em Porto Alegre, ressalta que um dos principais pontos ensinados aos seus alunos é o uso consciente e responsável da arma.
"Eu considero que a decisão de aquisição de uma arma de fogo requer a habilitação técnica, mas que vai além disso. Aqui temos um curso de conduta de atuação com a arma de fogo. Colocamos a arma como último recurso empregado em caso de autodefesa. É preciso que as pessoas saibam como agir ao perceber uma ameaça para evitar que seja preciso usar a arma e que, se for preciso usá-la, que seja de um modo responsável."
DEMPSEY MAGALDI
Empresário, proprietário da Magaldi Escola e Clube de Tiro.
Segundo o empresário, durante as enchentes que assolaram o RS entre maio e junho, quando muitas pessoas ficaram isoladas em suas casas, sem energia elétrica, no escuro, houve aumento nas vendas de armas e munições por medo de saques e violência.
Magaldi pontua que além das novas regras que limitam os calibres que podem ser comercializados, outro entrave para as pessoas que desejam ter uma arma é a carga tributária.
— A necessidade e a vontade das pessoas são as mesmas, mas muitas pessoas ficam nesses filtros e barreiras. Sobre o preço de uma arma, 78% é imposto. O lucro do fabricante e o preço da arma ficam em 22% — finaliza.