No fim do ano passado, por três dias um casal de Porto Alegre viveu momentos de pânico sem saber o paradeiro da única filha. A jovem havia saído de casa levando somente uma mochila e não retornou. O caso foi registrado na polícia e passou a ser apurado pela Delegacia de Investigação de Pessoas Desaparecidas (DPID) da Capital. Os policiais conseguiram chegar ao paradeiro dela, nas proximidades da fronteira com a Argentina. No primeiro trimestre deste ano, 139 pessoas foram localizadas pela mesma equipe especializada em investigar sumiços de adultos. O número é 172,5% maior do que no mesmo período de 2023.
O casal se preparava para passar férias junto da filha, de 21 anos, quando foi surpreendido pelo sumiço dela. A jovem deixou um recado para a mãe e não atendeu mais ao celular, nem respondeu às tentativas de mensagens.
— Minha filha simplesmente pegou a mochila e desapareceu. Não conseguíamos contato, por telefone, Whats, Facebook, Instagram. Nada. Ela nunca havia sumido, nunca saiu de casa assim. Nos desesperamos — relata o pai, que preferiu preservar a identidade.
Ao longo da investigação, os policiais descobriram que a jovem tinha seguido da Capital até as proximidades da fronteira com a Argentina, onde morava um rapaz que ela havia conhecido pela internet. Os familiares dele, onde ela estava hospedada, não sabiam que ela havia desaparecido da casa dos pais.
— A gente pensa em muitas coisas numa hora dessas dessas, sabe de jovens desparecidas que acabam mortas. Foi muito importante o atendimento deles na delegacia. Até pelas palavras deles, de nos confortar, nos tranquilizar, de que ela ia ser localizada. Nos passaram confiança. E eles realmente conseguiram buscar a cidade onde ela se encontrava. Graças ao trabalho nobre deles localizaram a minha filha, e ela voltou para casa — diz o pai.
A jovem é uma das 514 pessoas que foram encontradas no ano passado pela equipe da DPID, após sumirem em Porto Alegre – o número é o triplo de 2022. Os dados representam somente aquelas localizações realizadas pela DPID. Assim como no caso da filha que sumiu da casa dos pais, em muitos casos os desaparecidos são localizados em outras cidades. Foi assim também com uma idosa, moradora da Zona Leste. Em abril deste ano, a mulher de 63 anos, que estava em tratamento psiquiátrico, sumiu de casa após pular uma janela.
Uma das medidas adotadas neste caso, que é uma das estratégias empregadas pela equipe para auxiliar na localização dos desaparecidos, foi a inserção da fotografia atualizada da idosa no sistema de monitoramento de reconhecimento facial do Departamento de Comando e Controle Integrado (DCCI) da Capital. O compartilhamento desse tipo de informação, inclusive pelos canais de inteligência das forças de segurança, é uma das apostas para ampliar o número de pessoas encontradas. Neste caso, a localização da idosa se deu pela Guarda Municipal de Canoas, 11 dias após o sumiço.
Estratégias
A instalação da delegacia com foco nesse tipo de caso foi uma aposta da Polícia Civil em especializar as investigações. Uma das medidas adotadas pela DPID é o contato o mais breve possível com quem registrou o desaparecimento. Em muitos casos, segundo a polícia, os sumiços se resolvem rapidamente com o retorno ou encontro da pessoa desaparecida. No entanto, em muitas vezes o autor da ocorrência não faz o registro de localização. Com esse contato, os policiais conseguem filtrar aqueles casos em que o desaparecimento perdura e realmente demanda uma investigação mais aprofundada.
— Todos os casos de desaparecimentos são considerados graves. Mas a maioria se consegue eliminar com essas primeiras verificações — explica o delegado Mario Souza, diretor do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), do qual a DPID faz parte.
Para os casos em que o desaparecimento se prolonga, a polícia dá início a outras medidas, como verificação em hospitais, bancos, sistemas de transporte, buscas em ruas e comércios, e videomonitoramento, entre outras. Mas para que tudo isso possa ter resultado mais efetivo uma das medidas essenciais é o registro imediato.
— Não existe nenhum prazo para registrar o desaparecimento. Se a pessoa sumiu, registre imediatamente. Essas horas perdidas só dificultam a localização da pessoa — orienta Souza.
Tipos de desaparecimentos
Os casos investigados pela Polícia Civil envolvem diferentes contextos, desde desaparecimentos voluntários, de pessoas que optam por não manter mais contato com familiares, seja por problemas com consumo de álcool e drogas ou outras questões de saúde, ou mesmo por conflitos. Há ainda alguns registros falsos, que nestes casos podem resultar em responsabilização de quem comunica o desaparecimento.
Em alguns episódios, no entanto, o sumiço pode esconder um crime ainda mais grave. Em dezembro do ano passado, a polícia deflagrou uma operação após o desaparecimento de um casal de namorados na Vila Cruzeiro, em Porto Alegre. A investigação apontou que o homem foi executado e teve o corpo ocultado.
Durante a investigação, a ossada dele foi encontrada. Já a mulher chegou a ser torturada e ameaçada de morte para que não procurasse a polícia. O grupo que estaria por trás do crime foi alvo da ofensiva, e nove pessoas foram indiciadas pela polícia. Os episódios nos quais os desaparecidos são vítimas de algum tipo de crime representam a minoria, segundo a polícia.
Desde 2022, a DPID tem 27 casos em aberto, nos quais os desaparecimentos continuam sendo investigados. Há um ano e sete meses, em 15 de setembro de 2022, Elizabeth da Silva Dornelles, 66 anos, saiu para caminhar no bairro Humaitá, na zona norte de Porto Alegre, e nunca mais voltou. Desde então, a família segue em busca de respostas sobre o possível paradeiro da idosa, e recebeu inúmeras informações, mas nenhuma se confirmou.
Quando sumiu, a aposentada passava alguns dias na casa da filha Ana Flávia Dornelles de Lemos, 33, e do genro, Fabian Henrique Teixeira, 39 anos, pois enfrentava um período depressivo. Câmeras do circuito interno do condomínio da família, na Avenida A.J. Renner, registraram ela saindo do local por volta de 14h. Elizabeth saiu sem os documentos, sem os óculos e carregava uma garrafa de água. A família divulgou o caso nas redes sociais, distribuiu cartazes, fez buscas e registrou o fato.
— É bem complicado, é bem angustiante, conviver com essa lacuna aberta. Não tem uma definição sobre o que aconteceu, onde ela possa estar, ou se o pior veio a acontecer e pode ter falecido. Tudo isso não deixa de passar pela nossa cabeça. A gente fez tudo que estava ao nosso alcance, percorreu inúmeras ruas, bairros da Grande Porto Alegre. A gente vive com essa incerteza, durante esse período de mais de um ano e meio. É triste, a gente vai tentando levar a vida do jeito que dá, sem jamais esquecer dela, mas é muito triste viver com essa situação — lamenta o genro.
Fabian diz que, apesar do tempo transcorrido, a família ainda tem esperanças de encontrar Elizabeth com vida.
— A gente ainda tem essa fé, essa esperança. A gente fica pensando que se ela tivesse vindo a falecer, o corpo teria sido encontrado. Não descartamos essa possibilidade. Ainda temos essa esperança, de que ela possa estar em algum lugar. Vemos tantos exemplos de pessoas que ficaram 10 ou 20 anos desaparecidas e foram encontradas. Se Deus quiser, um dia vamos encontrá-la — diz.
A Polícia Civil buscou a quebra do sigilo bancário da idosa, ouviu testemunhas, procurou imagens de câmeras, e fez outras buscas, mas o sumiço sem desfecho.
Colabore
Quem tiver informações que possam auxiliar nos casos de desaparecimentos pode entrar em contato com a Polícia Civil pelos telefones 0800-642-0121 ou 984167109.
SERVIÇO
- O quê: Delegacia de Investigação de Pessoas Desaparecidas (DPID)
- Onde fica: Av. Bento Gonçalves, 8855, bairro Agronomia, na Cidade da Polícia, em Porto Alegre
- Horário: 8h30min às 12h e 13h30min às 18h, de segunda a sexta-feira. O registro do desaparecimento pode ser feito em qualquer horário nos plantões de delegacias e na Delegacia Online
- Telefone: (51) 3288-2651
- E-mail: dhpp-desaparecidos@pc.rs.gov.br
Dicas de como agir
Em desaparecimentos
- Registre o desaparecimento na polícia assim que for percebido
- Leve uma fotografia atualizada para repassar aos policiais
- Outras informações relevantes no momento do registro são saber se a pessoa tem telefone celular e se foi levado junto, se possui redes sociais, os dados de conta bancária, se possui veículo e qual a placa, locais que costuma frequentar, pessoas com quem mantêm contato (amigos, familiares), se é usuária de drogas e se houve alguma desavença que pode ter motivado o sumiço
- Comunique o desaparecimento aos amigos e conhecidos, que podem auxiliar com informações. Ao divulgar o sumiço, informe os contatos de órgãos oficiais como Polícia Civil e Brigada Militar para receber informações. Isso evita que criminosos interessados em extorquir familiares de desaparecidos se aproveitem da situação
- Outra orientação importante é que as famílias comuniquem a polícia não somente o desaparecimento, mas também a localização. É muito comum os policiais depararem com casos de pessoas que não estão mais desaparecidas, mas que no sistema constam como sumidas porque o registro de localização não foi feito
Se forem crianças ou adolescentes
- Percorra locais de preferência da criança
- Saiba informar quem são os amigos dela e com quem pode estar
- Esteja atento às roupas que a criança ou adolescente está usando e, em caso de sumiço, descreva para a polícia
- Mantenha alguém à espera no local de onde ela sumiu. É comum que ela retorne para o mesmo ponto
- Ensine as crianças, desde pequenas, a saberem dizer seu nome e o nome dos pais
- Quando a criança ou adolescente for localizada, informe a polícia
Fonte: Polícia Civil-RS