A conclusão das investigações sobre o caso do motoboy negro preso após ser agredido por um idoso branco, no último sábado (17), no bairro Rio Branco, em Porto Alegre, foi divulgada pela Secretaria da Segurança Pública do Estado (SSP-RS) em coletiva de imprensa na tarde desta sexta-feira (23). A sindicância da Brigada Militar indica que não houve excessos nem racismo por parte dos policiais militares que atenderam a ocorrência.
O caso envolveu o motoboy Everton Henrique Goandete da Silva, 40 anos, que, agredido com um golpe de canivete por Sérgio Camargo Kupstaitis, 71, revidou a pedradas. Imagens de câmeras de segurança divulgadas na coletiva mostram parte da briga (veja o vídeo acima), que ocorreu por volta do meio-dia. A agressão do idoso contra o motoboy, que ocorreu do outro lado da rua, não foi flagrada por câmeras, mas Kupstaitis admitiu ter desferido o golpe, segundo a Brigada Militar. Depois disso, Silva revidou com pedradas.
O procedimento interno aberto pela BM apurou a conduta dos quatro policiais envolvidos. A conclusão constatou transgressão da disciplina militar por parte deles em dois momentos. O primeiro se refere ao fato de que os soldados não acompanharam Kupstaitis quando ele foi até seu apartamento para se vestir e "buscar seus documentos", diz a BM. A segunda falha é que os PMs não perceberam "que havia chegado a segunda viatura Duster para condução dos presos".
A BM constatou também que não houve indícios de crime militar nem de crime comum por parte dos PMs.
— A condução foi adequada. A abordagem, a forma de agir, falando com as pessoas em vários momentos, dizendo o que eles tinham de fazer. Mas uma das pessoas (o motoboy), mesmo com a presença da BM, quer continuar agredindo — avaliou o coronel Vladimir Luís Silva da Rosa, à frente da corregedoria-Geral da BM, que realizou a sindicância.
Na coletiva, o secretário da SSP-RS, Sandro Caron, afirmou que o caso se trata de "situação isolada, pontual".
Com a conclusão do procedimento interno, nesta sexta, a Corregedoria-Geral da BM tem oito dias para notificar os quatro policiais militares. Depois disso, eles têm 15 dias para apresentar as defesas, que serão analisadas. Se a BM seguir o entendimento de que houve transgressões, eles poderão ter de cumprir detenção, por período a ser definido pela corregedoria — sendo que não há prazo máximo ou mínimo para isso.
Por se tratarem de transgressões, e não terem sido constatados crimes comum ou militar, o processo não é remetido ao Poder Judiciário ou à Justiça Militar.
Durante as investigações internas, dois PMs foram afastados temporariamente do trabalho nas ruas e passaram a atuar no setor administrativo da BM. A medida foi tomada pela Brigada Militar em razão do "estresse" causado aos PMs e por "precaução", para preservá-los. Segundo a corporação, agora, eles "podem voltar imediatamente a ações de campo", "se for do entendimento dos seus comandos".
PMs "não viram" canivete nem viatura
Sobre a abordagem dos policiais militares que atenderam à ocorrência, a Brigada Militar afirma que as duas partes envolvidas na briga foram tratadas da mesma forma, "com respeito", sendo chamados por "senhor o tempo todo", pontuou o corregedor da BM, coronel Vladimir.
O motoboy foi detido porque, após a chegada da Brigada Militar, "continuava exaltado e desobedecendo as ordens legais" do soldado que o atendia, diz material apresentado pela BM nesta sexta. O soldado em questão teria pedido, três vezes, para que ele desse "uma segurada", se acalmasse, antes de levá-lo até a parede onde, segundos depois, Silva foi colocado de costas.
"Foi, antes de se pensar em algemação, dada clara voz de de abordagem: 'Vira de costas para mim e bota as mãos na cabeça', o que não foi obedecido. Nesse momento, Everton foi algemado e encaminhado para a viatura Duster", diz o material da BM.
A respeito de Everton ter sido conduzido à delegacia no porta-malas da viatura, um dos aspectos mais criticados na conduta dos policiais, a Brigada Militar justificou que era o único espaço que havia no veículo, um Corolla, para o deslocamento de pessoas detidas.
— Ali, naquela viatura, era o ambiente adequado para condução de quem está preso. Nesse ponto, nós apontamos um transgressão disciplinar dos policiais porque a condução dos dois (motoboy e idoso) deveria ter sido feita da mesma forma, na Duster (viatura que chegou pouco depois ao local).
O coronel afirma que os policiais não viram esse segundo veículo (que poderia ter acomodado o motoboy no banco traseiro) chegar ao local, e por isso colocaram o motoboy no porta-malas:
— O que nós precisamos deixar claro é que é uma fração de segundos que o policial tem para pensar.
Além disso, a BM afirma que, quando os PMs chegaram ao local do fato, Kupstaitis já não tinha o canivete nas mãos.
A sindicância aberta pela BM ouviu 27 pessoas (sendo 22 testemunhas), analisou 17 imagens, 12 vídeos, três áudios, boletins de ocorrência e documentações operacionais. Também foram avaliados dois laudos feitos pelo Instituto Geral de Perícias do Estado (IGP-RS). Os documentos apontaram "escoriação" no motoboy (acima da clavícula esquerda) e no idoso (na perna direita e na lateral do pé direito).
Polícia Civil indicia os dois envolvidos
Também na coletiva desta sexta, a Polícia Civil divulgou o resultado do inquérito que apurou o caso. As duas partes foram indiciadas por lesão corporal. Silva também foi indiciado por desobediência, em razão da "resistência no momento da abordagem", afirmou o subchefe da Polícia Civil, Heraldo Chaves Guerreiro.
Apesar de o idoso ter saído de seu prédio com um canivete na mão e ter admitido que golpeou o motoboy, a Polícia Civil afirma que não se tratou de tentativa de homicídio e que a conduta de Silva não foi interpretada como legítima defesa.
Relembre o caso
Uma discussão num bairro de classe média alta em Porto Alegre viralizou nas redes no sábado (17) porque um homem agredido com um canivete chamou a polícia e acabou detido. Ele é o motoboy Everton Henrique Goandete da Silva, 40 anos, que é negro e foi atingido levemente, com a arma branca, por Sérgio Camargo Kupstaitis, homem branco de 71 anos, com quem teve uma discussão. Nas redes sociais, houve clamor para que o episódio fosse investigado por racismo.
Chamados para intervir, policiais do 9º Batalhão de Polícia Militar detiveram em flagrante Everton por desacato à autoridade, porque consideraram que ele estava agressivo. Sérgio também foi detido em flagrante.
Após serem levados para o plantão de uma delegacia da Polícia Civil, ambos acabaram liberados, para responder pelos delitos em liberdade.