A Defensoria Pública do Estado (DPE) irá realizar nova inspeção na Penitenciária Estadual de Charqueadas (PEC) II, onde a inexistência de tomadas de energia elétrica tem ocasionado queixas por parte dos apenados e seus familiares, além de questionamentos de instituições de Estado.
A decisão de não haver pontos de eletricidade atende a uma resolução federal e está embasada na proposta de impedir ou, ao menos, dificultar o acesso a dispositivos de comunicação, quebrando a conexão de organizações criminosas com seus comandantes que estão dentro do sistema prisional.
Conforme a defensora pública Cintia Luzzatto, dirigente do Núcleo de Defesa em Execução Penal da DPE, a nova vistoria será realizada com a participação de integrantes da área técnica da instituição, entre os quais estarão engenheiros. O objetivo é produzir evidências e divulgá-las após emissão de laudo técnico.
Sem data definida para ocorrer, a nova inspeção decorre de observação realizada nas instalações e audição de relatos de apenados, em atividade ocorreu em 4 de dezembro e que também reuniu representações do Poder Judiciário e do Ministério Público.
Embora a administração estadual sustente que as celas, onde ficam encarcerados oito homens, possuem condições de ventilação e equilíbrio de temperatura adequados às normas legais, representantes das instituições mantém questionamentos acerca do tema.
— O dia da nossa visita à PEC II não era um dia muito quente. Mesmo assim, era possível perceber o calor no local. É importante pensarmos que estas pessoas passarão de 22 a 23 horas por dia naqueles espaços, sobretudo enquanto as atividades de trabalho e estudos não estiverem disponíveis — analisa a defensora pública.
Cintia também expressa a preocupação da Defensoria Pública acerca da abrangência do impacto da medida, com relação a resultado obtido.
— O Rio Grande do Sul possui 30.350 pessoas cumprindo condenações e prisões provisórias. Quantas destas pessoas são capazes de comandar crimes de dentro da penitenciária? — indaga Cintia Luzzatto.
Juiz-corregedor do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) e coordenador do Grupo de Fiscalização e Monitoramento do Sistema Prisional (GFM) na Corte, Antônio Carlos Tavares assegura que as reclamações sobre a temperatura, bem como as percepções e dúvidas decorrentes da inspeção do dia 4 de dezembro, já demandam procedimentos no TJRS.
— Nossa atuação fiscalizatória é permanente e prosseguirá monitorando a condição de habitabilidade das novas penitenciárias e a situação dos presos — pontua Tavares.
Ministério Público projeta medição de temperaturas
O Ministério Público do Estado planeja acompanhar o tema formando um banco de dados próprio com medições de temperatura nos ambientes implicados no debate. Conforme a titular da Promotoria de Execução Criminal, promotora de Justiça Gislaine Rossi Luckmann, está em processo de aquisição o equipamento adequado para aferição precisa da temperatura ambiental das dependências.
— Solicitei ao Grupo de Assessoramento Técnico do MPRS (GAT), que conta com profissionais da área da engenharia, que avaliem a questão da temperatura interna e, a partir disso, termos um resultado pericial técnico. As medições devem ser feitas em dias com diferentes condições de clima e em diferentes horários, nos três turnos do dia, para que tenhamos um retrato fiel da situação. Assim, poderemos avaliar se alguma medida precisará ser tomada. Se houver esta necessidade, o MPRS está atento para demandar as providências — garante Gislaine.
A promotora afirma que tem acompanhado o processo de ocupação da penitenciária e há o entendimento de que as estruturas estão adequadas às normas de construção e habitabilidade.
Para a coordenadora do Centro de Apoio Operacional Criminal e de Acolhimento às Vítimas, promotora de Justiça Alessandra Moura, a situação tem sido bem conduzida pelo governo estadual. Ela reforça que a inexistência de tomadas de energia é uma tendência nacional de política carcerária e também reflete em controle de gastos e segurança contra eventos relacionados ao excesso de demanda por carga elétrica.
— Há unidades penitenciárias, na modalidade convencional, onde celas têm mais de uma dezena de aparelhos ligados no mesmo terminal da rede. Isso gera riscos à segurança e produz um alto custo para o Estado. A atual política também incide sobre esta questão. De uma forma geral, temos a visão de que a nova penitenciária oferece melhores condições para o cumprimento das penas do que havia no modelo anterior — define Alessandra.
Especialista avalia que faltou planejamento
Doutora em Sociologia e componente do Grupo de Pesquisa Violência e Cidadania da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, a professora Letícia Maria Schabbach acredita que o planejamento anterior à definição da medida de exclusão das tomadas de energia foi mal desenvolvido.
— Quando se organiza o planejamento de políticas públicas, o primeiro passo é realizar um diagnóstico completo do problema social. A partir dele, podemos reconhecer a real dimensão do problema e produzir as soluções. Evitar a comunicação entre o crime organizado parece muito importante, mas a privação de energia seria o único meio de fazer isso? — indaga.
A pesquisadora indica que, diante da percepção de um efeito inesperado ou indesejável, uma nova medida precisará ser adotada.
— Eventualmente, isso demandará medidas que não estavam previstas e que podem custar mais recursos da sociedade. Mais que isso, será que foi ponderado que celulares podem ser levados até estes presos considerados líderes e que possuem influência pelo poder econômico? Acharam realmente que tirar tomadas das cadeias é a solução contra o crime organizado? — provoca Letícia Maria.
A professora da UFRGS sugere outras medidas como definir encarceramento de lideranças em áreas específicas das instalações, onde se possa bloquear sinal de telefonia, sem impedir que outras pessoas em cumprimento de pena possam ter acesso a utilitários de cozinha e ventiladores.
— Parece que estamos diante de uma total falta de planejamento, que poderá ser revisado, observando as metodologias de segurança e a obediência à Lei de Execução Penal — conclui.
Contraponto
Em resposta aos questionamentos, o secretário de Sistemas Penal e Socioeducativo do RS, Luiz Henrique Viana, atendeu a pedido de entrevista enviando respostas a perguntas feitas por GZH. Confira:
Há convicção sobre a efetividade da metodologia relacionada a não haver tomadas?
A retirada das tomadas das celas é mais um instrumento de enfrentamento da utilização indevida de aparelhos eletrônicos que permitam a comunicação externa das pessoas privadas de liberdade. Como consequência, há a redução da prática continuada de crimes por esses indivíduos. Dessa forma, a medida busca proteger a sociedade.
Há experiências reconhecidas de êxito neste tema em outras comunidades. Cite alguma delas?
Outros Estados da federação utilizam essa estratégia, como por exemplo Ceará e Minas Gerais. O estado do Ceará determinou, em 2019, a medida de retirada das tomadas por meio de um projeto de lei como forma de combater o crime organizado. Minas Gerais sancionou, em outubro deste ano, uma lei que veda a instalação de tomadas e pontos de energia. Além deles, o município de Manaus também não permite tomadas nas celas. Cabe destacar ainda que tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 2774/23, cujo objeto veda a instalação de tomadas e pontos de energia em unidades prisionais em todo território nacional.
A queixa mais pontual acerca do tema se refere ao calor nas celas e à impossibilidade de uso de ventiladores. Isso está sendo avaliado? Que encaminhamentos serão feitos?
O conforto térmico dos ambientes foi avaliado durante a elaboração do projeto e da escolha dos materiais, que visam proporcionar maior bem-estar aos apenados quando comparados aos métodos construtivos tradicionais. Além disso, a Penitenciária Estadual de Charqueadas II opera dentro do limite da sua capacidade de engenharia, onde todos os apenados estão recolhidos em espaço adequado. Todavia, os eventos climáticos extremos enfrentados atualmente, como as chuvas intensas e as fortes ondas de calor, demandam medidas adicionais que estão sendo estudadas pela Superintendência dos Serviços Penitenciários.
Também se fala em ter rádio, TV, cafeteira. Estas formas de lazer e informação são legalizadas no sistema penal gaúcho?
Há televisão nos pátios de sol, garantindo o acesso das pessoas privadas de liberdade a este instrumento de informação e entretenimento durante o dia. Além disso, existem salas de aula e de leitura, com o objetivo de fomentar o processo educacional das pessoas presas. Já a alimentação, que é controlada por um nutricionista, é fornecida integralmente pelo Estado e realizada no refeitório. Portanto, não é necessária a utilização de cafeteiras ou outros eletrodomésticos dentro das celas.
A alimentação de energia nos chuveiros é elétrica ou por caldeira ou gás?
Através de um sistema de caldeiras a gás.
As luminárias são abastecidas por eletricidade?
Os circuitos elétricos existentes no interior das celas são dimensionados exclusivamente à iluminação. Eles são capazes de alimentar outros aparelhos elétricos, no entanto, caso conectados de forma indevida ao circuito de alimentação, podem gerar danos às instalações elétricas e riscos às pessoas privadas de liberdade, bem como aos servidores. Casos de vandalismo e dano ao patrimônio deverão ser objetos de apuração através de processo administrativo disciplinar (PAD).