Em protesto por melhorias para a categoria, como reajuste salarial e pagamento de horas extras, policiais civis do Rio Grande do Sul realizaram uma marcha pelas ruas de Porto Alegre na tarde desta terça-feira (3). Por volta das 13h, servidores começaram a se reunir em frente ao Palácio da Polícia, onde discursaram servidores que estão à frente da manifestação. Dali, partiram, pelas 14h20min, em caminhada que percorreu quase toda a extensão da Avenida João Pessoa e se encerrou, por volta das 17h, em frente ao Palácio Piratini e à Assembleia Legislativa.
Usando as tradicionais vestes pretas da instituição, policiais caminharam seguindo um caminhão de som. Em provocação ao governador Eduardo Leite, foram tocadas músicas de Ivete Sangalo ao longo de todo o trajeto, em menção ao fato de o chefe do Executivo ter ido ao show da cantora no último dia 30, em São Paulo. A sirene da instituição também foi usada em alguns momentos do trajeto.
— Para bom entendedor, uma trilha sonora basta — gritou o responsável pelo microfone quando o veículo passava pela Redenção.
Além da reposição salarial, o ato busca correção do déficit de pessoal e da falta de promoções na carreira. A equiparação dos Comissários com os Capitães da Brigada Militar e a aprovação do PL da Paridade também estão na pauta da ação.
A mobilização foi promovida pelo Sindicato dos Escrivães, Inspetores e Investigadores de Polícia do RS (Ugeirm-Sindicato), pela Associação dos Comissários de Polícia do RS (ACP/RS) e pelo Sindicato dos Servidores da Polícia Civil do RS (Sinpol-RS). Reuniu servidores de diversas cidades do Estado, muitos deles chegaram à Capital em excursão. Estiveram presentes grupos de Cruz Alta, Bagé, Erechim , Lajeado, Nova Petrópolis, Palmeira das Missões, Tramandaí, Camaquã, São Lourenço do Sul e Tapes, entre outras.
Com um grupo de cerca de 40 pessoas, a comissária de polícia Sandra Regina da Veiga, 46 anos, saiu das Missões por volta das 4h desta terça-feira. A servidora, que atua em Cerro Largo, menciona a falta de efetivo e de reposição salarial como problemas que afetam a região.
— Estamos aqui para fazer força às reivindicações. Estamos há anos sem reajuste, ainda não houve a equiparação dos comissários, as promoções estão em atraso. Também é preciso um efetivo maior: muitos colegas trabalham entre dois ou três nas delegacias, atendendo uma cidade inteira. São chamados fora do expediente, cumprem serviço e não recebem hora extra adequada. O valor é incoerente com a carga horária feita — pontuou ela durante o ato.
Por volta das 15h30min, o grupo chegou ao Piratini, onde os manifestantes foram recepcionados por policiais penais (antes agentes penitenciários). Em frente à sede do Executivo, lideranças sindicais, em cima do caminhão, foram ouvidas. Antes do fim do ato, uma vaia foi puxada pelos manifestantes, dirigida ao governador.
"Emocional abalado"
À frente do Ugeirm, Isaac Ortiz argumenta que a categoria não recebeu reposição salarial durante a gestão Leite, que começou em 2018. Ele ressalta que, com as jornadas de trabalho exaustivas, o físico e emocional dos policiais estão afetados.
— A Polícia Civil tem excesso de operações, há muita demanda. Isso vem causando um desgaste físico e mental, traz um adoecimento, até porque não há reconhecimento, contrapartida do governo. Também não é feito o pagamento de hora extra e de diárias quando há viagens. A Policia Civil está no seu limite — afirmou Ortiz. — Por outro lado, o governo cobra o trabalho desses policiais e, depois, anuncia os resultados disso. Todo mês, temos índices de crimes em queda. São resultados muito positivos. Aliás, é a única coisa positiva que o governo tem para apresentar à sociedade — acrescentou.
Preocupada com o aumento de casos de adoecimento mental de policiais, a direção da Ugeirm realizou, no fim do agosto, em Pelotas, uma roda de conversa sobre o tema com os servidores. O sindicato afirma que o problema "vem atingindo a categoria de forma cada vez mais contundente".
As entidades fazem questão de ressaltar que concordam com as operações policiaais, desde que a carga de trabalho seja dosada e remunerada de forma adequada. Segundo Ortiz, a última reposição salarial ocorreu no governo Tarso Genro, em 2012, e beneficiou a civil e a Brigada Militar. O aumento dado pelo então governador foi distribuído entre aquele ano e 2018.
Reunião frustrada
Segundo o sindicato, o governo do Estado entrou em contato com o grupo na segunda-feira (2), dias após o anúncio do protesto, e agendou reunião, que ocorreu na Casa Civil. No entanto, o Executivo teria oferecido apenas um aumento no vale-refeição dos policiais, de cerca de R$ 40, segundo Ortiz.
Sobre a proposta, o governo do Estado disse, em nota, que o anúncio sobre vale-refeição para o funcionalismo foi apresentado na manhã de terça pelo governador, em reunião com deputados da base.
O Executivo também se manifestou sobre demais pontos abordados na reunião.
"Foram reforçados os pleitos já trazidos e reforçado pelo governo quanto às vedações legais neste momento devido à queda de arrecadação pela ação da União atingindo o limite prudencial de gastos por conta da responsabilidade fiscal. Sobre promoções, o pedido está em análise de legalidade não sendo objeto de deliberação neste momento até avaliação técnica, frente que o governo está atento e sensível", diz o texto.
Associação de delegados fala em "descaso" e "ingratidão"
O protesto contou com o apoio da Associação dos Delegados de Polícia do RS (Asdep). Presidente da entidade, o delegado Guilherme Wondracek afirmou que há descontentamento generalizado com o governo e que não há canal de diálogo com o mandatário.
— O governo é ingrato. Ninguém dá mais visibilidade e mais boas notícias a essa gestão do que a Polícia Civil. O governador não reconhece isso, sequer senta para conversar com a categoria, para dar qualquer alento, uma previsão. Não nos recebe, é uma falta de consideração, de respeito com quem trabalha tanto pela segurança pública. Um descaso — disse Wondracek, que também foi chefe de polícia, entre 2014 a 2016.
Conforme um levantamento da Asdep, entre janeiro e julho deste ano, foram realizadas 247 operações, que resultaram em 9.379 prisões.
Governo ressalta reforço de efetivo e compensações
Na nota enviada pela secretaria da Segurança Pública, o governo estadual afirma que reconhece o empenho realizado pela Polícia Civil "para auxiliar no combate à criminalidade e trabalha pelo fortalecimento da corporação".
O texto também fala em nome da chefia da Polícia Civil: "O governo estadual e a Polícia Civil reconhecem o direito dos servidores e atuam com base em normativas que respeitam a carga horária e escala dos policiais, com compensações pecuniárias e folgas".
O Executivo afirma ainda que tem trabalhado para reforçar o efetivo: "Com relação ao quadro de pessoal, a SSP reitera que em 2023 o efetivo foi reforçado com o ingresso de 26 delegados, 125 inspetores e 119 escrivães. Além disso, outros 341 agentes estão em plena formação na Academia de Polícia Civil (Acadepol)".
Em contraponto a falas de sindicatos e demais instituições, o governo afirma que há diálogo com as categorias. "Ao lado do governo estadual, a SSP e a Chefia de Polícia também vêm realizando, desde o início do ano, uma série de reuniões e encontros com as entidades de classe, estreitando o diálogo entre as partes. Houve reuniões com o Sindicato dos Escrivães, Inspetores e Investigadores da Polícia Civil do RS (Ugeirm-Sindicato), a Associação dos Comissários de Polícia do RS (ACP/RS), o Sindicato dos Servidores da Polícia Civil do RS (Sinpol-RS) e a Associação dos Delegados de Polícia do RS (Asdep). As agendas contaram com representantes da SSP, Casa Civil, Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão e chefia da Polícia Civil e visam encaminhar as demandas e solicitações das entidades de classe em face deste reconhecimento institucional", diz a nota.