Assolada por nova onda de violência em seu território, a comunidade do bairro Mario Quintana pede socorro. A atmosfera de insegurança permeia as ruas do local e se expressa em passos rápidos e olhares atentos ao redor. Mesmo com a presença das forças de segurança pública nos últimos dias, o receio de serem atingidas pelos efeitos da disputa entre grupos criminosos faz que pessoas como a dona de casa Jussara Rodrigues Gonçalves, 65 anos, evitem a permanência fora de casa que não seja indispensável.
— A gente passa a fazer as coisas com pressa, tenta não ficar tempo demais na rua. A gente tem medo de que algo ruim aconteça — descreve a bisavó da pequena Manuela, quatro anos, logo após deixar a menina na Escola Municipal de Ensino Fundamental Timbuava, uma das instituições públicas de educação situadas no bairro da zona norte da Capital.
Nesta sexta-feira (6), ela lamentava o fato de que a tensão provocada por eventos recentes tenha prejudicado até mesmo sua prática religiosa. Os cultos na igreja que frequenta estão terminando mais cedo, por aconselhamento dos próprios organizadores das atividades.
O temor é de que confrontos entre criminosos atinjam aqueles que vão à casa de orações para estudar e rezar. O receio que se espalha entre a comunidade vem se intensificando desde a ocorrência de dois homicídios registrados em 21 de setembro, com intervalo inferior a duas horas e em ruas diferentes do bairro. Seriam execuções ordenadas pelo crime organizado.
— Queria que a presença da polícia fosse mais constante. Moro há mais de 15 anos aqui e estas situações se repetem. A gente sonha com um postinho da Brigada Militar em nossa comunidade — pontua Jussara.
Dentro da escola, o clima é de segurança. O acesso é controlado por trabalhadores como o vigilante Ênio Júnior, 33 anos. Ele conta que a prioridade é manter as crianças protegidas no interior do educandário e manter o cadeado bem fechado no portão, impedindo acesso para quem não faz parte do cotidiano escolar.
— Quando ocorrem fatos de violência, quando são ouvidos tiros, as histórias correm de boca em boca e criam um clima de apreensão. Nossa tarefa é observar a criançada e passar tranquilidade aos pais de que aqui dentro elas estão sendo cuidadas — diz o vigilante que também mora no Mario Quintana com esposa e filhos.
A professora de História Cristina Krebs, 54 anos, explica que precisou levar o carro à oficina e está dependente de transporte por aplicativo nos trajetos entre a casa e o trabalho.
— Somente somos atendidas por motoristas que moram aqui. Os que não conhecem o lugar não aceitam as chamadas. Têm medo. Fico imaginando como este tipo de situação afeta as pessoas que vivem no bairro — analisa.
Conforme o comandante do 20° Batalhão de Polícia Militar (BPM), tenente-coronel Rafael Tiaraju de Oliveira, a corporação reforçou o policiamento na região dos bairros Mario Quintana e Rubem Berta com 200 policiais militares das unidades de Choque de Porto Alegre, Passo Fundo e Uruguaiana.
— Tivemos uma resposta muito rápida, a partir da leitura de cenário decorrente do conflito entre facções e vamos manter este contingente na área até que a sensação de segurança esteja restaurada para aquela comunidade — afirma.
Tiaraju de Oliveira diz que as ações já proporcionaram a prisão de 83 suspeitos de participação em crimes de tráfico e conexão com as facções que estão em disputa pelo território. Além disso, segundo ele, 60 armas foram apreendidas desde o início das operações.
Sobre o pedido da comunidade por um posto próprio da Brigada Militar, o comandante analisa que a existência de uma estrutura física não é mais eficiente do que o planejamento adequado de patrulhamento permanente e de presença de brigadianos em pontos estratégicos para o combate ao crime.
Nesta sexta-feira, durante a reportagem no local, foi possível perceber a presença das patrulhas do Batalhão de Choque. De acordo com o comandante, as ações estão sendo realizadas nas 24 horas do dia
Silêncio na avenida do medo
Em uma das principais vias do bairro Mario Quintana, o medo sufoca vozes de quem trabalha. A rua onde as pessoas se negam a comentar sobre seus próprios temores tem nome, que por segurança precisa ser preservado.
— Desculpe, mas prefiro não falar. É melhor assim, porque a gente pode acabar sendo cobrado por alguma coisa que fale e seja mal entendida — diz uma comerciante do local.
Diante das fachadas, as aberturas têm grades. Os semblantes têm preocupação, e as vozes, em tom baixo, demonstram que não há liberdade para falar o que se pensa. A apreensão não é incompreensível. Moradores e trabalhadores do Mario Quintana ouvem o som dos tiros e das sirenes.
Há pouco mais de uma semana, vivenciaram uma reação policial contra o crime, na qual cinco homens foram mortos. Com eles, a polícia localizou armamento pesado. Foram dezenas de disparos. Investigadores apontam que haveria um ataque a outro bairro da Capital, em reação aos homicídios ocorridos ali.
Responsável pelas investigações no bairro, o delegado Cleiton Munhoz, titular da 18ª Delegacia de Polícia da Capital, indica que a Polícia Civil produziu um mapeamento do conflito, no qual foi estabelecido um desentendimento interno na facção que opera o tráfico naquela área.
— O líder do grupo foi preso e o segundo na linha de comando assumiu, afastando o antecessor com o apoio de um grupo rival. Estamos monitorando movimentos destes criminosos, várias prisões foram e ainda serão efetuadas — assegura o delegado.
Munhoz diz ainda que o trabalho da polícia com relação ao Mario Quintana não se restringe ao enfrentamento à criminalidade.
— Estamos próximos da comunidade. Visitamos as escolas, os postos de saúde, os comércios e outras representações da população local. Não podemos vencer o crime sem contarmos com a confiança da comunidade — acrescenta.
Diretora do Departamento de Polícia Metropolitana, a delegada Adriana da Costa destaca que as forças de segurança pública mantêm constante troca de informações e integram ações periódicas para análise dos indicadores de criminalidade para aprimorar permanentemente as táticas de combate e prevenção ao crime.