Uma investigação realizada nos últimos três anos levou a Polícia Civil a mapear suspeitos de envolvimento em série de crimes cometidos por um dos braços de uma facção criminosa com berço no Vale do Sinos. A chamada Operação Triunvirato, desencadeada nesta sexta-feira (6), reúne quase 1,2 mil policiais numa ofensiva realizada em nove municípios — oito deles no Rio Grande do Sul, sendo a maior parte na Região Metropolitana — e um em Santa Catarina.
A apuração que levou à ação desta sexta-feira teve início em Gravataí, na Grande Porto Alegre, com a equipe da Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), onde atua uma célula da facção. Pelo menos 900 policiais civis, 200 policiais militares e cerca de cem policiais penais participam da operação. A facção alvo da investigação é apontada como uma das maiores fornecedoras de drogas do sul do Brasil e possui ramificações em todo o Estado.
Das 190 ordens judiciais sendo cumpridas, 42 são mandados de prisão preventiva e 148 de busca e apreensão. Os alvos a serem presos integram diferentes escalas hierárquicas no grupo criminoso. Três são apontados como lideranças, 13 foram identificados como executores e 25 como gerentes do tráfico. A maior parte dos mandados é cumprida em Gravataí, mas há ordens judiciais em outras cidades, como Porto Alegre, Cachoeirinha, São Leopoldo e Novo Hamburgo.
Até o fim da manhã, 33 pessoas haviam sido presas. Dos líderes, um já estava cumprindo pena na Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc) e teve novo mandado cumprido. Os outros dois não haviam sido encontrados. Durante a ação, seis pessoas foram presas em flagrante por tráfico, associação para o tráfico, receptação, porte ilegal de arma de fogo de uso restrito e posse irregular de arma de fogo. Nas casas prisionais onde foram cumpridos mandados foram encontrados quatro celulares. Também foram localizadas 119 máquinas caça-níqueis nos locais onde foram realizadas buscas.
— Essa facção tem uma participação muito importante no narcotráfico no Rio Grande do Sul. Eles têm uma atividade empresarial, um crime realmente muito organizado. Na Operação Triunvirato está sendo atacado possivelmente o braço mais forte dessa facção, o maior braço com atuação fora do Vale do Sinos — explica o diretor do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), delegado Mario Souza.
Segundo a polícia, essa célula da facção tem atuação mais forte, de domínio do tráfico de drogas, em Gravataí e Cachoeirinha, mas também é um dos principais fornecedores de entorpecentes na Região Metropolitana. Conforme o delegado, esta é a maior operação contra homicídios e crime organizado realizada neste ano pela Polícia Civil.
— Esperamos causar com essa operação o maior prejuízo já realizado contra essa facção criminosa. E tudo isso se deve ao plano que o DHPP, a Polícia Civil, tem, em conjunto com as outras forças de segurança, de atacar o crime organizado. Quem mais mata no RS, especialmente em Porto Alegre e na Região Metropolitana, é o crime organizado. As pessoas que mais morrem e mais matam são do crime organizado. Por isso, elencamos como prioridade, para enfrentar os homicídios, atacar o crime organizado — afirma Souza.
O diretor se refere ao levantamento do DHPP que apontou envolvimento de facções criminosas em 80% dos homicídios registrados na Capital no primeiro semestre de 2023.
— Essa facção está sendo atingida, ainda, por ordenar mortes dentro da sua atividade criminosa. Eles continuam optando por mandar matar desafetos e membros de sua facção que eles julguem serem merecedores de "pena" de morte. Enquanto a facção que está sendo alvo da operação de hoje continuar determinando mortes, eles vão continuar recebendo os prejuízos das forças de segurança como um todo — diz o delegado.
Triunvirato
De acordo com a delegada Fernanda Amorim, titular da Delegacia de Homicídios de Gravataí, que coordena a investigação, o nome Triunvirato se relaciona com a relação de poder na organização. Essa liderança é exercida por três indivíduos, que nunca foram presos juntos. Um deles já está recolhido, mas não pelo crime de homicídio, afirma a delegada.
A delegada destaca ainda o alto poder bélico da facção, com armamentos de grosso calibre, como fuzis, que costumam ser ostentados nas redes sociais. Segundo a delegada, a operação visa, além de aprender esssas armas e drogas, localizar outros itens que possam ser provas de crimes, como materiais eletrônicos e máquinas caça-níqueis.
— Essa organização criminosa continua perpetuando ordens de comando para que mortes sejam cometidas. Hoje vamos prendê-los por organização criminosa e crime de homicídio. Mas essa é a primeira fase do desmantelamento. Vamos seguir investigando todos esses crimes — diz a delegada.
O início
O caso que deu início à operação envolve uma tentativa de homicídio em Gravataí, na Região Metropolitana. Em outubro de 2020, quatro criminosos armados invadiram uma casa no bairro Cruzeiro onde estava um adolescente de 17 anos. Eles se passavam por policiais e obrigaram o morador a seguir com eles num veículo.
A Brigada Militar passou a fazer buscas no município na tentativa de localizar o cativeiro. Numa casa na Rua Francisco Alves, no bairro Bom Princípio, os policiais desconfiaram da movimentação. Assim que enxergaram a viatura, suspeitos que estavam no local tentaram escapar correndo. Dois homens, de 22 e 28 anos, foram presos.
Dentro da casa, os PMs encontraram o adolescente amarrado e com sinais de tortura. No mesmo local, foi apreendida uma pistola, além de carregadores e munições de pistola e fuzil. Os PMs ainda recolheram celulares, uma balança de precisão, algemas e um machado. Os dois presos tinham antecedentes por tráfico de drogas, roubo e homicídio.
Live do crime
A partir deste episódio, a polícia descobriu, por exemplo, que a tortura do jovem, que seria executado se não tivesse sido resgatado, estava sendo gravada e transmitida pela internet para líderes do grupo criminoso, numa espécie de "live do crime". Os membros da facção teriam decidido torturar e executar o adolescente porque ele seria integrante de um grupo rival.
A equipe do DHPP conseguiu mapear ainda quem eram os outros envolvidos nas ações realizadas pela facção. Ao longo da investigação, foram obtidos vídeos, imagens e diálogos trocados entre membros do grupo criminoso. Assim, segundo a Polícia Civil, foi possível compreender o funcionamento do grupo.
— Essa investigação se iniciou pelos matadores, mas uma investigação de homicídio não pode parar. E a partir daí descobrimos os comandos, que são três grandes líderes, o meio da pirâmide, que são gerentes principalmente do narcotráfico, e os matadores, os executores, que estão na base. Nesta operação, 13 matadores dessa facção estão sendo presos. Mas como o foco é o crime organizado, não adianta prender só o matador e deixar os líderes livres — afirma Souza.
Segundo a delegada Fernanda Amorim, titular da DHPP de Gravataí, diante do número de provas coletadas foi aberto um novo inquérito policial para apurar o crime de organização criminosa. A investigação apontou a existência de núcleos hierárquicos dentro do grupo, como responsáveis, por exemplo, pela contabilidade e até mesmo pela auditoria dos valores obtidos com o tráfico de drogas.
Foram identificados ainda territórios dominados pela facção, a busca pela expansão territorial do grupo, o emprego de armas de grosso calibre, assim como outras formas de obter dinheiro. Em razão disso, além dos homicídios, que deram início ao trabalho policial, outros crimes foram investigados.
— Um leque foi sendo aberto e fomos atingindo todos esses criminosos, que hoje estão sendo presos, e recebendo mandados de busca e apreensão nos locais suspeitos de serem depósitos de armas, de drogas e locais de jogos de azar. Hoje a Operação Triunvirato acontece em todas as áreas — afirma o diretor do DHPP.
Locais dos mandados
Os mandados são cumpridos em Porto Alegre, Gravataí, Cachoeirinha, São Leopoldo, Sapucaia do Sul, Novo Hamburgo, Cachoeira do Sul e Viamão. Há ainda uma ordem de prisão e uma de busca e apreensão em Florianópolis, Santa Catarina. O alvo no Estado vizinho é um suspeito de ser um dos gerentes da facção, que estaria residindo na Barra da Lagoa. Também foram cumpridos mandados em casas prisionais do RS: na Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (PASC), na Penitenciária Modulada Estadual de Charqueadas e na Penitenciária Estadual de Arroio dos Ratos.
Apoio
Além da Polícia Civil, que conta com a Divisão Aérea e Coordenadoria de Recursos Especiais atuando na operação, a ofensiva tem ainda o apoio da Brigada Militar e da Superintendência de Serviços Penitenciários (Susepe). Também são empregados cães farejados para auxiliar na localização de drogas e armamentos.