Após abandonar uma facção e ser aceita pelos rivais, uma mulher teria levado ao estopim dos conflitos pelo tráfico de drogas entre dois grupos na zona norte de Porto Alegre. Foi isso que constatou uma série de investigações da 5ª Delegacia do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP). Nesta quarta-feira (27), os dois lados desse enfrentamento são alvo da Operação Vendetta — o nome faz referência à palavra vingança.
Ao todo, 40 ordens judiciais, sendo 25 mandados de busca e apreensão e 15 mandados de prisão, são cumpridos contra os grupos. A ofensiva ocorre tanto na zona norte da Capital como em Gravataí, Viamão e Alvorada, na Região Metropolitana, onde também estariam suspeitos de participação nesses conflitos. Ao todo, 250 policiais civis e militares — a ação conta com apoio da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core) e da Brigada Militar — cumprem os mandados nesta manhã.
Até esta manhã, nove pessoas tinham sido presas e duas pistolas apreendidas. Ao longo da investigação, outras 12 — incluindo a mulher investigada — já tinham sido detidas. As disputas entre os grupos rivais levaram a uma série de homicídios na Zona Norte. Segundo o DHPP, pelo menos 27 assassinatos estão relacionados a esse conflito, e seguem sendo investigados. Com as prisões dos suspeitos de integrarem os dois grupos, a polícia espera que as disputas possam arrefecer.
A disputa
De um lado do conflito, está um dos braços de uma facção criminosa criada no Presídio Central nos anos 1990, por dissidentes de outras duas existentes na época, e que também explora o tráfico de drogas na Zona Norte. Esse grupo integra uma coalizão de quadrilhas, que se uniram em oposição a outra facção, com berço no bairro Bom Jesus, na Zona Leste.
Era ao primeiro grupo que pertencia a mulher de 27 anos, segundo a Polícia Civil. No entanto, no final do passado, ela teria deixado a quadrilha e migrado justamente para os principais rivais, do bairro Bom Jesus, na Zona Leste. Isso levou, segundo as investigações, ao acirramento das disputas. Presa em julho, no bairro Rubem Berta, ela é suspeita de estar por trás de uma série de homicídios registrados ao longo deste ano na Capital.
— O estopim foi a traição dessa liderança feminina, que gerou esse desequilíbrio entre esses dois grupos criminosos, que perdurou até julho e agosto. Houve um desajuste entre traídos e traidores. Após a prisão dessa mulher, nós seguimos investigando, para chegar a todos os outros envolvidos nesses crimes. As ações de hoje são realizadas contra essas duas facções — explicou o diretor do DHPP, delegado Mario Souza.
Esta mulher teria se tornado peça fundamental para auxiliar a identificar alvos e organizar ataques. Como forma de revide, a antiga facção dela também passou a atacar o grupo da Bom Jesus, o que acirrou ainda mais o conflito entre os dois grupos, e ajudou a aumentar o número de homicídios na Zona Norte.
Segundo o diretor da Divisão de Homicídios, delegado Thiago Lacerda, a mulher passou a fazer o que é chamado de "push", marcando encontros com integrantes da antiga facção em locais onde eles acabavam sendo emboscados e mortos.
— Ela se aliou ao outro grupo criminoso, sob o pretexto de uma vingança, e principalmente o recebimento de uma área futura para que ela pudesse gerenciar e ascender dentro da facção. Ela realmente foi responsável por diversos homicídios, considerando que ela tinha toda a logística, conhecia toda a estrutura do grupo dela. No momento em que ela saiu, passou a dar todas as informações para o grupo e servia de isca — explicou.
Por duas vezes, a mulher foi vítima de ataques da antiga facção. Passou a circular nas redes sociais, inclusive, uma música, composta pelo grupo traído, prometendo executá-la. Em razão disso, ela mudava constantemente de endereço, o que tornou sua localização pela polícia mais complexa, segundo a polícia.
Cinco mortos e um preso
Na noite da terça-feira (26), cinco homens morreram em confronto com a Brigada Militar no bairro Mário Quintana, na Zona Norte. As mortes, segundo a Brigada Militar, ocorreram durante ações de uma outra operação, a de saturação de áreas envolvidas em conflitos. Segundo os policiais, foram recebidas informações de que homens armados estavam circulando pelo bairro Mário Quintana, e equipes do 20° Batalhão de Polícia Militar foram averiguar a situação.
No momento em que se aproximaram, conforme a BM, tiros foram disparados contra os policiais. Houve troca de tiros e cinco homens morreram no confronto. Um sexto, de 24 anos, foi preso no local. Segundo a polícia, ele tem antecedentes por homicídio doloso, receptação de veículo, porte ilegal de arma de fogo e roubo.
— Dos cinco indivíduos em óbito apenas um está identificando até o momento, tratando-se de um homem de 21 anos com antecedentes criminais por receptação, porte ilegal de arma de fogo, tráfico de entorpecentes, roubos e outros antecedentes — afirmou na manhã desta quarta-feira o comandante do 20º BPM, tenente-coronel Rafael Tiaraju de Oliveira.
No local, foram apreendidos um fuzil de calibre 5.56, cinco pistolas de calibre 9 milímetros e uma espingarda calibre 12. Também foram encontradas 111 munições para fuzil de calibre 5.56, 134 munições de calibre 9 milímetros, 15 munições calibre 12. Ainda foram apreendidos quatro carregadores de pistola, um carregador de fuzil, uma câmera de vigilância e 332 pedras de crack.
— A Brigada Militar segue com a Operação Saturação, buscando restaurar a sensação de segurança das pessoas no bairro Mário Quintana — disse o comandante.
Na semana passada, também na Zona Norte, nos bairros Mario Quintana e Costa e Silva, a mesma ofensiva policial resultou na prisão de 28 pessoas e na apreensão de 25 armas de fogo. Entre as armas apreendidas, estavam três fuzis, três submetralhadoras, duas espingardas calibre 12, um revólver, 16 pistolas, carregadores de arma de fogo, rádios comunicadores, balanças de precisão e porções de entorpecentes.
— As mortes que ocorreram ontem (terça) não têm vínculo direto com a operação de hoje. Mas estão relacionadas a essa tensão nova, motivada por outros conflitos, que ocorre na mesma região, a Zona Norte. Nesse sentido, a operação cai como uma luva porque ataca dois grupos criminosos envolvidos em homicídios. Então a operação de hoje também trará reflexos no que está acontecendo ali no momento — afirma o delegado Mario Souza.
Conflitos na Zona Norte
Embora os homicídios tenham reduzido ao longo deste ano na Capital — foram 175 vítimas de janeiro a agosto, enquanto tinham sido 205 nos oito primeiro meses em 2022 — a Polícia Civil percebeu uma maior incidência de crimes violentos na Zona Norte. Isso também se constata quando olhamos para os crimes com mais de uma morte num período mais longo. Das 22 chacinas registradas desde 2019 na Capital, 12 delas ocorreram nessa área e resultaram em 39 mortes. Os crimes aconteceram nos bairros Sarandi, Jardim Floresta, Passo das Pedras, Vila Ipiranga, Mario Quintana e Rubem Berta.
O principal inquérito no centro da operação desta quarta-feira envolve o assassinato do irmão de uma das lideranças da Capital em Santa Catarina. Após o familiar ser morto, este criminoso teria ordenado, segundo a polícia, a execução de quatro pessoas em Porto Alegre, entre elas a esposa do suspeito de ter executado o irmão dele.
— Essa liderança, quando descobriu a morte do seu irmão, procurou os autores para dar uma resposta. Ele descobriu que o mandante desse homicídio era um antigo comparsa. A partir disso, as lideranças racharam e foram para outro lado — disse o delegado Daniel Queiroz, titular da 5ª DHPP.
O combate ao crime organizado é considerado pelo DHPP como essencial para frear os homicídios. Segundo estudo realizado pelo departamento, oito de cada 10 homicídios ocorridos em Porto Alegre se dão nesse contexto do crime organizado.
— Isso não quer dizer que essas mortes não importem, pelo contrário, saber onde elas acontecem nos permite enfrentar esse tipo de crime e impedir que ocorram — afirmou Souza.
Colabore
Informações que ajudem a elucidar os homicídios podem ser repassadas ao DHPP pelo telefone 0800-642-0121