Aterrorizada, uma família precisou deixar o apartamento onde vivia, após receber ameaças de traficantes da zona norte de Porto Alegre, em maio deste ano. No mesmo mês, um homem foi perseguido no meio da rua e espancado por um grupo enraivecido, no Rubem Berta, deixando-o em coma. Alguns dias depois, outro ataque brutal resultou num homicídio a cerca de 50 metros dali.
Por trás desses episódios violentos está um grupo identificado pela Polícia Civil como "Trem Louco", que é alvo da operação Insanus Agmen da 5ª Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) deflagrada nesta terça-feira (25). Foram cumpridas 22 ordens judiciais na Zona Norte, sete delas são mandados de prisão preventiva, de suspeitos identificados nos ataques, e 15 de busca e apreensão.
Até o fim da manhã, sete pessoas haviam sido presas, cinco delas preventivamente — duas dessas já estavam encarceradas e tiveram novo mandado cumprido. Um foi preso em flagrante por adulteração de veículo e outro com duas armas e drogas. A polícia ainda busca por dois suspeitos que tiveram prisão preventiva decretada.
O grupo é apontado como um dos braços de uma facção criminosa criada no Presídio Central nos anos 1990, por dissidentes de outras duas existentes na época, e que também explora o tráfico de drogas na Zona Norte. Marcado pela violência, o Trem Louco passou a agir como espécie de tribunal do crime, segundo a polícia.
Os alvos da operação foram endereços em condomínios populares no bairro Rubem Berta, área de atuação do grupo. A ação conta com o apoio da Brigada Militar, com policiais do 20°, 11° e 1° Batalhão de Polícia Militar, do helicóptero Gavião Uno da Polícia Civil e do efetivo tático da Coordenadoria de Recursos Especiais (CORE).
É nesses residenciais também que, segundo a polícia, os criminosos costumam ameaçar moradores. É o caso da família, que precisou deixar o local, após ter sofrido uma série de achaques pelos traficantes. Os bandidos chegaram a roubar inclusive o celular de uma das vítimas, e passaram a fazer ameaças, dizendo que tomariam a casa da família.
— Muitas vezes eles acabam forçando os próprios moradores a guardar objetos ilícitos. Eles sabem que são visados pelos órgãos de segurança, e ficam fazendo isso. A expulsão da família foi nesse contexto — explica o delegado Daniel Queiroz, da 5ª DHPP.
Após deixar o condomínio, a família se mudou para outro município e ainda passa por acompanhamento psicológico.
A investigação
A partir da expulsão da família a polícia instaurou o inquérito e começou a tentar identificar os criminosos envolvidos. Ao longo da apuração, em 18 de maio, o grupo voltou a agir, desta vez num espancamento. Em razão da gravidade das lesões, o caso foi repassado à Delegacia de Homicídios.
— Na sequência, percebemos que era a mesma região, com a presença da mesma organização criminosa. Começamos a fazer o trabalho de identificação e conseguimos imagens — explica Queiroz.
Uma câmera de segurança registrou o momento em que o grupo persegue o homem pela Avenida Adelino Ferreira Jardim. Ele é derrubado no meio da rua, cercado por pelos agressores e espancado. As agressões teriam sido motivadas, segundo a polícia, por uma suspeita de que o homem estivesse cometendo furtos na região. A ação brutal se prolonga por 1 minuto e 40 segundos.
Quando por fim o grupo se dispersa, um dos bandidos ainda busca um facão e volta a golpear a vítima, caída no chão. O homem foi socorrido e encaminhado ao hospital, com lesões graves. Em coma, ele segue hospitalizado.
— Levou um certo tempo de investigação porque eram muitos envolvidos. Conseguimos identificar todos eles. Eles nem apuraram se o indivíduo estava roubando ou furtando. Ele vem correndo, e começa a ser perseguido, e eles começam a agredi-lo — diz o delegado.
Quinze dias depois, um novo caso de violência brutal foi registrado na mesma região. Um homem de 38 anos foi assassinado a pancadas, após se envolver numa briga numa festa nas proximidades. Cinco criminosos participaram da ação, segundo a polícia. Quatro deles foram identificados também como suspeitos de envolvimento no espancamento anterior.
A vítima estava numa festa particular e, segundo a polícia, quando passou a ser agredido. Em depoimento, os suspeitos alegaram que ele teria "se passado" com uma mulher da festa. Mas a polícia suspeita que, na verdade, o crime tenha acontecido por ciúmes. Um dos investigados admitiu ter participado das agressões, e alegou que um outro usou uma pedra para bater no rosto da vítima.
— Começa a agressão, a vítima consegue correr para um beco, desses conjuntos habitacionais. É perseguido. E ali eles passam a agredir, até esse momento, em que um deles pega uma pedra, o outro toma a pedra e realmente executa a vítima — explica o delegado Queiroz.
Dos 14 suspeitos das agressões, sete são menores de idade, e, por isso, o inquérito foi encaminhado à Divisão Especial da Criança e Adolescente. Os mandados cumpridos nesta terça-feira são direcionados aos suspeitos de agirem nas ruas. Em relação às lideranças envolvidas, a investigação segue em andamento.
Violência na Zona Norte
Embora os homicídios tenham reduzido no primeiro semestre deste ano — foram 139 vítimas, enquanto tinham sido 147 em 2022 — a Polícia Civil percebeu uma maior incidência de crimes violentos na Zona Norte.
— Estamos tendo uma concentração de enfrentamentos do crime organizado hoje na zona norte da Capital. Por isso estamos fazendo tantos trabalhos, vamos colocar toda a energia contra o crime organizado nessa região — afirma o diretor do DHPP, delegado Mario Souza.
Quando olhamos para os homicídios com mais de uma vítima isso também se confirma. Das 22 chacinas registradas desde 2019 na Capital, conforme mostrou a reportagem de GZH, 12 delas ocorreram nessa área e resultaram em 39 mortes. Os crimes aconteceram nos bairros Sarandi, Jardim Floresta, Passo das Pedras, Vila Ipiranga, Mario Quintana e Rubem Berta.
Parte dessa violência está vinculada a uma ruptura dentro da organização criminosa da qual faz parte o Trem Louco. Duas lideranças entraram em conflito pelos pontos de tráfico — após um deles regressar do sistema penitenciário federal. Isso fez um dos chefes migrar para a facção rival, com berço no bairro Bom Jesus, e ordenar execuções no antigo grupo. Com ele, outras pessoas vinculadas à facção também trocaram de lado, acirrando o conflito.
— Quando eles começam a ter um pico de violência, essa violência transborda para a comunidade, que é o que aconteceu nesses casos. O crime começa a banalizar a pena capital e essas três ações violentas demonstram isso — analisa Souza.
Na semana passada, o DHPP prendeu uma mulher suspeita de envolvimento nesses homicídios. Ela teria sido responsável por identificar alvos e organizar os ataques contra a facção que antes integrava. Isso porque tinha informações internas privilegiadas, como os pontos de tráfico, esconderijos e quem eram os membros. Como forma de revide, a antiga facção dela também passou a atacar o grupo da Bom Jesus, o que acirrou ainda mais o conflito entre os dois grupos, e ajudou a aumentar o número de homicídios na Zona Norte.
Por duas vezes, a mulher foi vítimas de ataques da antiga facção, que tentava executá-la. Em razão disso, ela mudava constantemente de endereço, o que tornou sua localização pela polícia mais complexa. A mulher foi presa por suspeita de envolvimento num homicídio ocorrido em maio deste ano. Com essa prisão e de outros suspeitos de integrarem o grupo, a polícia espera que o conflito entre os grupos possa arrefecer.
Denuncie
Informações envolvendo esse tipo de crime podem ser repassadas ao DHPP 0800-642-0121.