A chamada "Operação Pegasus II" ocorre praticamente um ano depois da primeira edição, no final de junho do ano passado, quando a Polícia Civil gaúcha descobriu esquema envolvendo duas facções gaúchas — uma com base no Vale do Sinos e outra da zona leste de Porto Alegre — e uma paulista que, juntas, teriam movimentado em 12 meses R$ 347 milhões. Nesta quarta-feira (5), cerca de 200 agentes cumprem 304 medidas judiciais contra as mesmas três organizações criminosas.
Desta vez, com ações que acontecem em 22 cidades de cinco Estados, o alvo mais uma vez é a lavagem do dinheiro obtido com o tráfico de drogas e armas pelos grupos criminosos. O montante movimentado de julho de 2022 até agora chega a R$ 358 milhões com a compra de imóveis, veículos, depósitos em contas bancárias, investimentos na bolsa de valores e em criptomoedas.
Das mais de 300 ordens judiciais, há três mandados de prisão, todos contra operadores na lavagem de capitais da facção paulista. Além disso, há 67 buscas, 45 apreensões e bloqueios judiciais de bens e contas em bancos. Também ocorre a indisponibilidade de ativos financeiros. Entre eles um gaúcho que movimentou nos últimos meses oito toneladas de drogas no Estado por meio de uma transportadora de fachada. No Chuí, fronteira do Brasil com o Uruguai, a polícia apreendeu R$ 15 mil, 2 mil pesos uruguaios, US$ 1 mil, uma espingarda calibre 12, munições, celulares e documentos.
Esta é mais uma investigação do titular da Delegacia de Lavagem de Dinheiro do Departamento de Investigações do Narcotráfico (Denarc), delegado Adriano Nonnenmacher. Ele descobriu que, dos mais de R$ 350 milhões apurados, 28% deste total, ou seja, R$ 101 milhões foram movimentados por uma investigada de Ribeirão Preto, interior paulista. Trata-se de uma mulher que trabalha como atendente de farmácia.
Além dela, outro gaúcho, do sul do Estado, também é alvo da operação por ter transações financeiras que somam mais de R$ 50 milhões. Outro alvo nesta quarta é um suspeito de São Paulo que movimentou R$ 55 milhões em seis meses em suas contas como pessoa física e jurídica. Ele é apontado por usar o dinheiro do tráfico gaúcho e investir em empresas que realmente existem. Estas, depois de investirem por mais de um mês, ficam com um percentual do lucro e repassam para o suspeito. A polícia diz que este esquema é conhecido como "mescla" de capitais.
Ações em 22 cidades
Conforme Nonnenmacher, os três paulistas com prisão preventiva decretada são operadores financeiros da facção e concentram a maior parte dos valores enviados por traficantes gaúchos ligados a eles. Estes valores são redistribuídos para vários Estados por meio destes suspeitos. Após investimentos, parte fica com integrantes da facção de São Paulo em todo o Brasil e parte retorna para o Rio Grande do Sul, geralmente por cidades do sul do Estado.
A ação ocorre em 11 cidades gaúchas, seis paulistas, três catarinenses, uma do Paraná e outra do Mato Grosso do Sul.
Nonnenmacher ressalta que toda a apuração também contou com o apoio da Divisão de Inteligência (Dipac) do Denarc. Segundo ele, o trabalho foi em conjunto com o delegado Wagner Dalcin. Os dois ainda destacam o apoio de policiais de cada uma das cidades onde houve o cumprimento de ordens judiciais.
Como funciona a lavagem de dinheiro
As organizações criminosas utilizavam o sistema financeiro com o objetivo de pulverizar ou fracionar ao máximo a distribuição de dinheiro obtido com a venda de entorpecentes e armamentos. A polícia identificou ainda orientações dos líderes das facções para investir valores em empresas reais, não de fachada, além da compra de dólares e euros.
Sempre pensando em dificultar o rastreamento dos capitais investidos, os suspeitos também investiram na Bolsa de Valores de São Paulo e em operadoras que atuam com moedas virtuais, as chamadas criptomoedas, em todo o Brasil. Inicialmente, parte do dinheiro de uma facção com base no Vale do Sinos e de outra na zona leste de Porto Alegre era enviada para operadores financeiros de outra organização criminosa, que teve origem nos presídios paulistas, com atuação em vários Estados.
O delegado Nonnenmacher diz que os valores sempre eram fracionados e enviados para contas bancárias e para empresas que recebiam temporariamente o dinheiro. Os empresários recebiam porcentagens dos valores que ajudavam a lavar. Após isso, os lucros obtidos voltavam para os líderes dos grupos criminosos. De volta ao Rio Grande do Sul, ocorria ainda um novo investimento: compra de dólares no Uruguai.
Já o delegado Dalcin, da Dipac, destaca que, em relação à investigação e também à forma de agir do crime organizado, foram identificados dois novos alvos nesta segunda etapa da apuração. Dois suspeitos de São José do Norte, no sul do Estado, recebiam de volta os valores da facção de São Paulo, após a lavagem de dinheiro do tráfico de drogas enviado pelas facções do Rio Grande do Sul, e redistribuíam para novos investimentos dos comparsas gaúchos, das organizações criminosas que têm base no Vale do Sinos e zona leste da Capital.
— Eles realizam o chamado smurfing, ou seja, fracionamento de grandes quantias em pequenos valores para dificultar o rastreamento. Com o dinheiro voltando ao Estado, compram carros e imóveis, a maioria em nome de laranjas, além de dólares e euros e demais investimentos, bem como depósitos em contas, também de laranjas — explica Dalcin.
Assim como na primeira fase da operação, houve centenas de transações bancárias. Foram usados bancos digitais, casas lotéricas, além de saques em caixas eletrônicos, praças de fronteira e portos, bem como emissão de cheques ao portador. Os delegados afirmam que pessoas jurídicas — reais ou de fachada — gerenciavam as contas direto de São Paulo e o recebimento de créditos dos traficantes gaúchos.