A Operação Pegasus, realizada nesta quarta-feira (22) em 10 Estados, por 400 agentes, após a Polícia Civil identificar movimentação financeira de R$ 347 milhões em um ano envolvendo 58 investigados de duas facções gaúchas e uma de São Paulo, efetuou 15 prisões, apreensão de documentos e o bloqueio de contas bancárias, bem como de ativos financeiros.
A prisão de um traficante em 2019, em Porto Alegre, foi o ponto de partida para descobrir que parte do dinheiro da venda de drogas destes dois grupos do Rio Grande do Sul estava sendo encaminhado de forma fracionada para, inicialmente operadores financeiros paulistas, e depois para outros do Mato Grosso do Sul. Durante a investigação, houve 101,8 mil transações bancárias ilícitas envolvendo pelo menos 93 contas, além de ações na bolsa de valores e em criptomoedas.
O esquema envolvia ainda investimento em empresas reais, que não eram de fachada, com orientações para pulverizar ou fracionar ao máximo a lavagem de dinheiro. Outras orientações envolviam não fixar grandes patrimônios, como carros e imóveis, bem como não ostentar luxo. Tudo para dificultar o rastreamento e não alertar autoridades. Além disso tudo, parte do dinheiro que saía do Estado voltava para mais investimentos, no caso com doleiros para capitalizar ainda mais a lavagem de dinheiro.
Circulação de pequenas quantias
A investigação se iniciou em 2019, mas o delegado Adriano Nonnenmacher, do Departamento de Investigações do Narcotráfico (Denarc), diz que o período de avaliação das movimentações financeiras foi de um ano. Ou seja, terminou em 2020. Depois disso, a equipe dele passou a apurar e verificar milhares de documentos e material apreendido com os suspeitos. Segundo ele, foram identificados cerca de 500 CPFs de investigados para depois se chegar ao número de 58 suspeitos, entre traficantes das três facções, operadores financeiros, laranjas, empresários e doleiros.
Para dificultar o rastreamento, os valores depositados em contas bancárias eram sempre em pequenas quantias. Das 101,8 mil transações bancárias feitas entre os 10 Estados, a maioria ficou abaixo de R$ 10 mil. Algumas foram de R$ 50 mil e poucas no valor de R$ 100 mil. Nonnenmacher diz que os criminosos usavam também casas lotéricas, bancos digitais, faziam saques em espécie.
— É uma lavagem de dinheiro sofisticada, usando vários tipos de bancos e também lotéricas, mas sempre pequenas quantias. Mas seguimos o rastro do dinheiro passo a passo para chegar nos mais de R$ 347 milhões, onde mais de R$ 100 milhões já foram indisponibilizados e apreendidos entre 2019 a 2022 — explica o delegado.
O caminho do dinheiro
Os traficantes das facções gaúchas, uma com base na zona sul da Capital e outra no Vale do Sinos, recolhiam parte do dinheiro da venda de drogas e encaminhavam para dois operadores financeiros da facção paulista em Franco da Rocha. Com o tempo, passaram enviar para outro de Ponta Porã, no Mato Grosso do Sul. Estes ficavam com os seus valores já combinados e repassavam o restante para contas bancárias - via lotéricas, bancos tradicionais ou digitais - de outros sete Estados. Também investiam na bolsa de valores, em 41 operadoras de criptomoedas, além do repasse para empresas. Os valores investidos retornavam para estes operadores financeiros, já com desconto de comissões, e retornavam para a origem. Nonnenmacher diz que literalmente ocorriam uma pulverização e fracionamento dos valores movimentados para dificultar o rastreamento.
No caso do Rio Grande do Sul, por exemplo, o dinheiro que retornava tinha ainda novos caminhos. Ou era usado para capitalizar o tráfico e para compra de bens ou para novos investimentos. O esquema contava ainda com a participação de cinco doleiros de Santa Vitória do Palmar e do Chuí que, inclusive, foram alvo nesta quarta-feira. Conforme a investigação, somente eles movimentaram cerca de R$ 30 milhões para as organizações criminosas ao comprarem dólares no Uruguai para os narcotraficantes.
Utilização de empresas
Segundo a polícia, parte dos investigados é um grupo de empresários que recebia valores dos operadores financeiros das facções. O objetivo deles era um suposto investimento em empresas que realmente estavam em funcionamento, ou seja, que não eram criadas apenas para a lavagem de capitais, as chamadas empresas de fachada. O empresário recebia os valores para depois, em uma data combinada, devolver para os demais suspeitos. Antes, eles pegavam uma parte do valor previamente combinada.
Um dos requisitos básicos, segundo Nonnenmacher, era o fato de que os empresários não poderiam ter antecedentes criminais para não alertar as autoridades. As empresas que tiveram o envolvimento comprovado foram alvo de mandados judiciais nesta quarta-feira. A maioria foi busca e apreensão, mas três delas — em São Paulo e Mato Grosso do Sul — tiveram ativos financeiros bloqueados por envolvimento direto no esquema criminoso. Elas são transportadoras, de serviços de portaria, revenda de veículos, ramos de aviação e transporte fluvial, além de outras que manuseiam explosivos, de pesca, alimentação e ainda de investimento em criptomoedas. A maioria das empresas investigadas está situada em áreas de fronteira ou nas proximidades de portos e aeroportos.
"Não ostentar luxo"
Uma das recomendações dos líderes das facções era para que todos os 58 suspeitos não ostentassem luxo. Por isso que o alvo da polícia não foi a apreensão de bens. Havia uma norma interna para evitar a compra em demasia de carros e imóveis de luxo porque são formas de lavagem de dinheiro facilmente rastreáveis. Tanto é que o Denarc apreendeu judicialmente 30 veículos e quatro imóveis nesta quarta-feira, com um valor total de aproximadamente R$ 3 milhões.
O objetivo foi atacar a movimentação financeira. Inclusive, o valor de R$ 347 milhões que circulou nas 93 contas bancárias, na compra de dólares, na bolsa e em criptomoedas pode ser ainda maior. O Denarc seguirá com a investigação e com a quebra do sigilo bancário e financeiro.