Porto Alegre registrou, desde 2019, 22 homicídios com três ou mais vítimas. O conjunto de crimes resultou em 71 mortes violentas, todas atribuídas pela polícia a disputas entre facções criminosas. Somente no primeiro semestre de 2023 foram quatro chacinas, com o total de 15 vítimas. É o maior número na comparação com períodos iguais de anos anteriores (veja infográfico abaixo).
— Podem ser ofensivas para avanço sobre territórios, disputa pelo potencial consumidor de entorpecentes, desajustes financeiros entre os níveis fornecedores de drogas ou punição por dívidas assumidas e descumpridas. No fim das contas, o que promove os enfrentamentos e as mortes no submundo é uma única coisa: dinheiro — aponta o diretor do Departamento Estadual de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), delegado Mario Souza.
Conforme o diretor do DHPP, diante da percepção de que a maior parte dos crimes graves contra a vida possui motivação relacionada a expectativas de ganho material, a reação das autoridades precisa estar orientada para destruir a estrutura de comando e impor prejuízos financeiros aos criminosos:
— Seja com prisões, desarticulação dos pontos de tráfico, apreensão de armas e drogas ou pressão integrada das forças de segurança sobre as áreas conflagradas. Ao eliminarmos o poder econômico do crime organizado, acreditamos que iremos reduzir também o número de homicídios.
Souza afirma que o Departamento de Homicídios na Capital atua com seis delegacias zonais e duas para atendimento volante, mediante lógica de mapeamento dos assassinatos. As investigações tentam identificar líderes e a cadeia organizacional dos grupos, além de planejarem operações para supressão das atividades criminosas.
— Nosso objetivo é fazer com que decidam não matar e não mandar matar. E se tomarem este tipo de decisão, saibam que haverá consequências — define Souza.
Mais da metade das chacinas ocorreram na Zona Norte
De acordo com o mapeamento do DHPP, a zona norte da Capital (veja mapa interativo abaixo) concentrou 12 das 22 chacinas registradas desde 2019, as quais resultaram em 39 mortes. A Zona Sul teve cinco casos com 17 assassinados. A região Leste, três chacinas e nove mortos. A área central, dois fatos e seis óbitos.
A maior parte dos homicídios com três ou mais vítimas aconteceu em 2022, sendo cinco deles na Zona Norte. De olho neste diagnóstico, duas delegacias zonais encabeçam a fileira do combate ao assassinato múltiplo na Capital.
Na 3ª Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DPHPP), o delegado Tiago Zaidan tem como mais recente investigação em andamento, o quíntuplo homicídio ocorrido na noite de 14 de maio, na Vila São Borja, bairro Sarandi.
Na mesma região, o delegado Daniel Queiroz, titular da 5ª DPHPP, investiga desdobramentos da sequência de três chacinas na Vila Mário Quintana, ocorridas entre junho e novembro de 2022.
Tanto Zaidan quanto Queiroz reforçam a percepção do chefe do Departamento de Homicídios sobre o que motiva os ataques, dentro do ambiente das disputas entre facções.
— O fundo geralmente é dinheiro — sintetiza Zaidan.
Apesar disso, o delegado da 3ª DPHPP avalia que o contexto dos crimes é complexo:
— As relações não se resumem a facção A ou B. Eles (integrantes de facções) se associam de forma aleatória, por interesses. Pode ser sentença do tribunal do crime, que acerta contas entre seus integrantes. Pode ser ganância, que une grupos para tomar bocas de lideranças enfraquecidas. Um grupo cede os carros. Outro, as armas. Um terceiro pode emprestar o pessoal, atiradores, motoristas. Cada caso é específico e exige contínua investigação dos movimentos e relacionamentos.
É a tônica, segundo Zaidan, do caso com os cinco mortos no Sarandi em maio. A investigação parte da percepção de que o local atacado estava na mira de rivais e que a decisão de tomar o território teria sido tomada após a morte de Adalberto Arruda Hoff, o Beto Fanho. Este homem, apontado como o líder de uma organização criminosa atuante na Vila São Borja, morreu em confronto com a polícia, em Gravataí, quatro dias antes da chacina.
Isolamento, sufoco e traição fazem chefe de bando mudar de lado
A revelação dos motivos relacionados ao quádruplo homicídio ocorrido na tarde de 18 de fevereiro, no bairro Teresópolis, expõe como são delicadas as relações no submundo:
— Obtivemos por representações à Justiça o recolhimento de uma liderança de facção em uma prisão federal. Lá, isolado, o criminoso perdeu o comando de seu grupo e foi substituído pelo segundo na hierarquia — conta o delegado Daniel Queiroz.
Quando foi solto, após cumprir a etapa da pena, o criminoso tentou reivindicar o comando que havia perdido no tempo de reclusão.
— Descobriu a substituição. Foi como a história entre Cenoura e Zé Pequeno, no filme Cidade de Deus. Ao saber que não tinha mais acesso ao poder e, consequentemente, ao dinheiro, o criminoso migrou para um grupo rival. Passou a ser considerado um traidor — comenta Queiroz.
De acordo com o diretor do DHPP, delegado Mario Souza, apesar da existência de diversas células, o mapeamento indica, em sua ponta mais aguda, a compartimentação dos grupos em duas principais organizações. Sem divulgar os nomes pelos quais as próprias facções denominam-se, o delegado assegura que o crime está estabelecido em uma polarização.
Souza acrescenta que todos os homicídios atribuídos ao crime organizado são mapeados, independentemente da quantidade de mortos. O diretor sustenta que o DHPP não tem como definição o termo chacina, mas trabalha com o conceito de homicídio múltiplo, para qualquer caso não individual.