— Pô, cupincha, eu tava na rua lá matando e traficando para ti. Daí eu tô (há) dois anos e pouco aqui preso. Me mandou dinheiro umas duas, três vezes só. Estou aqui esquecido. Não lembra de mim. Estou sabendo, nem no Natal tu me apoiou.
A reclamação da falta de "apoio financeiro" no mundo do crime é de um dos investigados pela Polícia Civil como um dos matadores de uma facção criminosa. O grupo é apontado como um dos braços da maior organização criminosa em atuação no Estado. O áudio foi obtido pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) durante a apuração que deu origem à Operação Triunvirato, desencadeada nesta sexta-feira (6).
A gravação está entre as provas coletadas pela investigação, que mapeou a forma de atuação do grupo. No topo dessa célula, segundo a Polícia Civil, estão três lideranças, investigadas por crimes como homicídios, tráfico de drogas e exploração de jogos de azar. O foco principal de atuação desse braço da organização é Gravataí, mas também possui influência em Cachoeirinha. Os traficantes são apontados ainda como os responsáveis por abastecer boa parte do comércio de entorpecentes na Região Metropolitana.
Ao longo dos últimos três anos, série de ações cometidas por este braço da facção foi detalhada na investigação. Foi assim que a polícia chegou aos nomes dos 42 suspeitos de integrarem o grupo, que tiveram mandados de prisão preventiva expedidos pela Justiça. Entre os alvos, estão suspeitos de terem papel de liderança, mas também gerentes do tráfico e matadores.
Uma tentativa de homicídio, de um adolescente que foi sequestrado para ser torturado e morto, mas foi resgatado pela Brigada Militar, em outubro de 2020, foi o caso que levou ao início dessa apuração. Mas ao longo desse período pelo menos 15 assassinatos foram investigados e atribuídos diretamente ao mesmo grupo.
A organização
Segundo a delegada Fernanda Amorim, titular da DHPP de Gravataí, em razão do número de provas coletadas foi aberto um novo inquérito policial para apurar o crime de organização criminosa. A apuração apontou a existência de núcleos hierárquicos dentro do grupo, como responsáveis, por exemplo, pela contabilidade e até mesmo pela auditoria dos valores obtidos com o tráfico de drogas.
A investigação identificou ainda territórios dominados pela facção, a busca pela expansão territorial do grupo, o emprego de armas de grosso calibre, assim como outras formas de capitalização da organização criminosa. Em razão disso, além dos homicídios, que deram início à investigação, conforme o diretor do DHPP, delegado Mario Souza, outros crimes foram investigados ao longo da apuração, já que a facção possui atuação em outros delitos.
— O principal negócio deles, o carro-chefe é o tráfico de drogas, mas eles atuam em outras frentes, de forma quase empresarial. Um leque foi sendo aberto e fomos atingindo todos esses criminosos, que hoje estão sendo presos, e recebendo mandados de busca e apreensão nos locais suspeitos de serem depósitos de armas, de drogas e locais de jogos de azar. Hoje (sexta-feira) a Operação Triunvirato acontece em todas as áreas porque eles resolveram em algum momento matar aqui no RS — afirma Souza.
Roubos e ameaças
As provas coletadas apontam para essa atuação do grupo em outras frentes do crime. Num dos áudios obtidos, o criminoso fala sobre o plano de interceptar e roubar um caminhão carregado de alimentos em Gravataí.
— Só não temos lugar para descarregar o caminhão. Se não tiver rastreador, o cara vende o caminhão — diz o bandido.
Também por meio de gravações obtidas pela investigação, a polícia conseguiu mapear ordens que eram dadas aos membros do grupo.
— Manda tua localização em tempo real, para as 18h. E não apaga essa localização. Temos mais tele para fazer. Se tu acha que não vai dar conta tem que me avisar — reclama o traficante.
Em outra troca de mensagens, um dos criminosos fala sobre a desconfiança em relação a outros membros do grupo de que estejam desviando parte dos valores.
— Quero saber o valor. Estão vá enrolar. Vou ter que matar todos eles. Eles brincam com o crime. Deus ô livre ficar sabendo que eles colocaram dinheiro a mais no bolso — diz o bandido.
"Inteligência do crime"
A polícia descobriu ainda que os membros da facção monitoravam até o mesmo o que era publicado na imprensa sobre o grupo criminoso. O intuito era estar a par do que era publicado, segundo a polícia, sobre homicídios e tráfico de drogas em Gravataí e na Região Metropolitana.
— Ficavam acompanhando para saber o que estava saindo na imprensa, para ter acesso aos avanços das investigações. É quase um trabalho de "inteligência do crime" — afirma o delegado Souza.
A operação
A Operação Triunvirato cumpre 190 mandados, sendo 42 de prisão preventiva e 148 de busca e apreensão. A maior parte dos mandados é cumprida em Gravataí, na Região Metropolitana. Mas ao todo são oito municípios no Rio Grande do Sul e um em Santa Catarina. Participam da ofensiva cerca de 1,2 mil policiais civis, militares e penais. Até o fim da manhã, 33 investigados haviam sido presos.