O Rio Grande do Sul é o Estado brasileiro que mais demandou novos registros de arma de fogo para uso pessoal no primeiro semestre de 2023. Foram 2.919 novos cadastros entre janeiro e junho deste ano. A segunda unidade federativa com maior quantidade de registros é o Espírito Santo, com 2.226 novas armas registradas. O terceiro na lista é Minas Gerais, com 780 novos registros. Os dados são da Polícia Federal.
Apesar de liderar os novos registros de armamento pessoal, o Rio Grande do Sul verifica uma significativa diminuição do indicador, na comparação entre o primeiro semestre do ano passado e o período correspondente neste ano. A redução é de 51,5%. Em 2022, foram 6.018 registros.
No Brasil, também houve queda. No primeiro semestre de 2022 haviam sido registradas 60.923 novas armas para propriedade de cidadãos. Já no primeiro semestre deste ano, ocorreram 11.683 novos registros, o que corresponde a menos de 20% do que havia sido registrado no período anterior.
Para o chefe da Delegacia de Controle de Armas e Produtos Químicos (Deleaq) da Polícia Federal no RS, delegado Cícero Costa Aguiar, a queda tem relação com a mudança normativa.
— Até o ano passado, os decretos que complementam as regras estabelecidas no Estatuto do Desarmamento tinham menos restrição com relação aos decretos do governo que assumiu em 2023. Então, este posicionamento do Poder Executivo repercute no aumento e na diminuição dos requerimentos — aponta.
O delegado destaca que os critérios envolvendo a análise de requerimentos também passaram a ser mais rígidos.
— Até 2023, um requisito era a declaração de efetiva necessidade. Atualmente, o cidadão precisa comprovar a efetiva necessidade, o que acaba repercutindo em mais indeferimentos — observa o delegado da Polícia Federal.
"Ligação cultural" explica posse e porte
Sobre a posição destacada do Rio Grande do Sul no ranking dos registros, Costa Aguiar reconhece que é notória a ligação cultural do povo gaúcho com a posse e o porte de armas de fogo.
Contudo, o delegado federal pondera que, “de forma objetiva”, quanto menos armas de fogo houver circulando, existe menos chance de haver repercussões negativas. Costa Aguiar indica que o controle do registro e o rigor de análise para autorização também contribuem para a redução de possíveis ocorrências envolvendo armas de fogo.
Especialistas discordam sobre o motivo da redução
Presente na pauta política e social do Brasil nos últimos anos, o tema do acesso a armamento de uso pessoal divide opiniões entre estudiosos do assunto.
Bacharel em Direito e pesquisador em segurança pública, Fabricio Rebelo é enfático ao afirmar que a redução percebida foi “gerada artificialmente”, por decorrência das recentes alterações nas regras de acesso a posse e registro de armamento no país.
— Não acredito que tenha ocorrido uma redução tão expressiva da procura. O que ocorre é que as regras mais restritivas provocam esta diminuição apresentada pelos números — sustenta.
Rebelo diz que políticas públicas restritivas sobre o acesso a armas não repercutem em melhoria de cenário em segurança pública:
— A ideia de que o cidadão pode reagir a uma abordagem inibe o criminoso, pois o crime atua mediante o cálculo entre ganho potencial e risco assumido.
O pesquisador também aponta que políticas restritivas barram o acesso a armas apenas aos cidadãos, sem produzir efeitos contra a aquisição por criminosos.
Advogado e gerente de projetos do Instituto Sou da Paz, Bruno Langeani discorda. Para ele, a redução não é apenas artificial, pois, além de ser acompanhada de alterações em normas legais, também estaria amparada por uma modificação de cultura.
— Até o ano passado, o país tinha um presidente que falava semanalmente sobre acesso do cidadão a armamento, inclusive incentivando tal comportamento. Isso mudou após as eleições por decisão da maioria da sociedade, que escolheu um governo que não estimula o armamentismo. Então, vemos também um movimento social, cultural e comportamental — defende.
Segundo o advogado, a facilitação do acesso aos cidadãos pode propiciar que parte destas armas acabe em mãos de criminosos, como no caso do assalto a um carro-forte ocorrido em dezembro de 2021 em Guaíba.