Rio Grande, no sul do Estado, apareceu na 24ª posição do ranking das cidades mais violentas do Brasil, divulgado no anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, na segunda quinzena de julho deste ano. Os dados são referentes ao ano de 2022, quando foram registradas 102 mortes violentas no município, a maior marca entre as cidades do Interior. O município está nessa posição com uma taxa de 53,2 assassinatos para cada grupo de 100 mil pessoas.
Guerra de facções
De acordo com as forças de segurança e especialistas, o número expressivo de mortes violentas em 2022 tem relação com a guerra entre facções pelo controle do tráfico de drogas na região. De um lado, estava um grupo já estabelecido na cidade, do outro, uma organização da Região Metropolitana que buscava expandir a atuação pelo Interior.
Em um episódio envolvendo o conflito, uma das facções elaborou um plano falso de fuga para os líderes dos traficantes rivais presos na Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc). O objetivo era chamar atenção das autoridades sobre o criminoso conhecido como Fábio do Gás e interferir no comando do tráfico em Rio Grande. O líder e mandante da farsa também estavam presos na Pasc. O fato acirrou o conflito entre os grupos e, na esteira dessa briga, as mortes violentas aumentaram.
Vítimas
Foram 102 vítimas fatais de mortes violentas no ano de 2022. Desses casos, nem todos estavam envolvidos com as grupos criminosos que buscam o domínio do tráfico de drogas em Rio Grande.
No dia 22 de janeiro de 2022, foi assassinado Denilson Silveira. O motoboy estava realizando uma entrega na Vila Maria, bairro no interior da cidade, quando foi confundido com outro homem e executado. Porém, Denilson não foi a única vítima morta por engano. Kelen Barbosa, 37 anos, era motorista de aplicativo e foi assassinada enquanto realizava a viagem de um homem envolvido com a criminalidade. Após a sua morte, mais protestos por parte de profissionais da categoria de Kelen foram realizados pedindo mais segurança na cidade.
Lucas Milford, 23 anos, também foi executado por engano. De acordo com a Polícia Civil, ele foi assassinado a tiros no bairro Parque Marinha, confundido com outro criminoso que morava naquela localidade. O jovem foi morto no dia 31 de agosto de 2022.
Na época, o então vice-governador Ranolfo Vieira Júnior, que também era o secretário de Segurança Pública, reuniu-se com a cúpula estadual e municipal de segurança a fim de desenvolver medidas para diminuir esses casos.
GZH tentou contato com os familiares dessas vítimas, mas todos preferiram não se manifestar pela dificuldade de falar sobre o assunto.
Cartel do Gás
Em paralelo ao tráfico de drogas em Rio Grande, outro esquema com o envolvimento do Fábio do Gás está sendo desarticulado na cidade. Um grupo de criminosos ameaçava os comerciantes locais para impor uma tabela de preços aos botijões de gás. O município chegou a registrar o valor mais alto do RS, com o botijão de 13 litros custando R$ 157.
A ação, desencadeada em 28 de junho de 2023, desarticulou a organização responsável pela prática dos crimes de extorsão, formação de cartel no comércio de gás, violação de sigilo profissional, corrupção, ocultação de bens e agiotagem.
Após duas operações para desmantelar o quartel do gás, o Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS) em Rio Grande instaurou inquérito civil público, oficiou a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e o Procon, se reuniu com os Poderes Executivo e Legislativo para que haja uma efetiva redução do preço do gás de cozinha no município.
Inclusive, a ANP, provocada pelo MPRS, fez um estudo que confirma a existência do cartel do gás na cidade. Esse estudo já foi encaminhado para o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
— Então, o Ministério Público está focado em mobilizar todos os órgãos fiscalizatórios para se somarem nessa ofensiva contra o cartel do gás — pontua o promotor de Justiça do Gaeco - Núcleo Região Sul, Rogério Meirelles Caldas.
Conforme a Polícia Civil, na ação, foi preso o homem identificado por comandar esse grupo e por ser o “gerente do Fábio do Gás”, Sidney Bastos Junior.
No dia 5 de julho, o MP realizou mais uma operação relacionada a esse crime. Um ex-diretor da Penitenciária Estadual do Rio Grande (Perg), Leandro Suanes, suspeito de levar informações para os criminosos apenados, além de transportar drogas e dinheiro para dentro das celas e vice-versa foi preso.
No entanto, as autoridades apontam que essa não é mais a realidade de Rio Grande. De acordo com dados da Secretaria de Segurança Pública do Rio Grande do Sul, de 1º de janeiro a 30 de junho deste ano, houve 28 mortes violentas, uma redução de 56,9% na comparação com o mesmo período de 2022.
Ações de combate ao crime
O número elevado de apreensão de armas tem ajudado a reduzir os índices de violência na cidade, diz a BM. De acordo com o comandante do 6º Batalhão de Brigada Militar, Major Iber Giordano, foram 413 somente em 2022. Somados aos materiais recolhidos neste ano, o número chega a 562 (149 foram apreendidas até o dia 25 de julho).
— Nós entendemos que a maioria das mortes consumadas eram por meio de disparos de arma de fogo, com a isso, a apreensão e recolhimento de armas das mãos dos criminosos foi essencial na redução desse índice, mas essa é só uma parte de toda a ação. Além disso, iniciamos a Operação Lagunar, trouxemos para Rio Grande o 5º Batalhão de Choque - que ficava sediado em Pelotas -, o Batalhão de Operações Especiais, Ambiental, Rodoviário e Aéreo. Tudo isso para agir de forma ostensiva contra a criminalidade — destacou o Major Giordano.
Já por parte da Polícia Civil, a delegada responsável pela 7ª Delegacia Regional, Ligia Furlanetto, relembra que foi criada uma força-tarefa de combate aos homicídios. O trabalho se tornou ainda mais integrado com as demais autoridades de segurança pública.
— Nosso objetivo principal era além da resolução de cada um dos homicídios, mas também a individualização dos executores. Nós queríamos identificar, indiciar e prender os mandantes. A execução dos crimes só acontecia com a autorização dos líderes das organizações — explica.
Virada da paz
Na tentativa de reduzir a criminalidade, a prefeitura lançou o Programa Virada da Paz, que tem como objetivo realizar um levantamento preciso dos crimes ocorridos no município. Analisando desde os bairros de maior incidência, idades das pessoas envolvidas, períodos do ano, entre outros fatores.
A iniciativa quer solucionar o problema a longo prazo por meio de políticas públicas que evitem que a comunidade se envolva com a criminalidade. O número de adolescentes e jovens que ingressam em facções criminosas é expressivo.
— Vejo isso como uma noção distorcida de valores. Além disso, esse sistema dá a eles uma falsa ideia de sucesso, inserção social e livre acesso ao consumo de bens. Só que essa é uma trajetória fadada à ruína, seja pelas grades, seja pelo caixão. Não podemos entender que o problema da criminalidade é isolado à segurança pública — disse a delegada.
O secretário municipal de Mobilidade, Acessibilidade e Segurança, Anderson Castro, explicou que o programa integra ações na área da educação, assistência social, cultura, esporte e lazer de forma integrada à segurança.
— O programa tem uma metodologia fortemente comprometida com a questão socioeducativa e prevê atenção estratégica, muitas dentro das escolas, para jovens, adolescentes e crianças desde o seu nascimento, oportunizando programas específicos para cada etapa da vida — explicou.
A Polícia Civil e a Brigada Militar também realizam os programas Papo de Responsa e Proerd, respectivamente, com o objetivo de alertar os jovens sobre a criminalidade e o uso de drogas.
— Esse é o momento de darmos as mãos e buscarmos ações colaborativas para o enfrentamento de um tema de tamanha relevância. Somente assim poderemos ter novas perspectivas para o fim da violência — finaliza Ligia Furlanetto.