O esquema montado por uma organização criminosa em torno do comércio de botijões de gás em Rio Grande, no sul do RS, desarticulado por uma operação conjunta do Ministério Público (MP) e da Polícia Civil nesta quarta-feira (28), envolvia uma abordagem inicialmente amigável que evoluía para ameaça, coação e extorsão daqueles que não aceitavam aderir às investidas dos suspeitos.
É o que detalham a delegada regional da Polícia Civil de Rio Grande, Lígia Furlanetto, e o promotor Rogério Meirelles Caldas, do Ministério Público Estadual, sobre o funcionamento do esquema que levou à prisão dois policiais militares, suspeitos de integrar as ações e cujos nomes não foram divulgados.
A investigação, que durou mais de um ano, apontou que o grupo estaria praticando os crimes de extorsão, formação de cartel, ocultação de bens e agiotagem em Rio Grande. Dominando o comércio de botijões de gás na cidade, eles intimidavam pequenos comerciantes a comprarem os produtos da facção, que também atua no tráfico de drogas. Esses comerciantes ainda seriam obrigados a praticar preços tabelados sob a ameaça de terem veículos depredados ou serem mortos.
— Muitos dos mandados foram cumpridos em revendas de gás, nas quais identificamos um alinhamento artificial de preços e, pelas provas que a gente tem, participaram do cartelização do preço do gás — disse Caldas.
No total, cinco pessoas foram detidas até agora. O irmão do homem apontado como chefe da facção é um dos presos, além dos dois PMs, suspeitos de fazer a segurança pessoal dos membros do grupo e participar das ameaças aos comerciantes. Foram apreendidos munições e R$ 254 mil.
Veja, a seguir, um resumo de como atuava a quadrilha.
Abordagem
- A quadrilha realizava um contato inicial de forma amigável, com o discurso de que seria uma conversa entre dois comerciantes do ramo do gás de cozinha. Alegava que o ramo do gás não é lucrativo, que "só se paga". A partir daí, era proposto um acerto para elevar o preço do gás e maximizar o lucro de ambas as partes, além de combater os "torradores" (indivíduos que vendiam o gás a preços mais baixos). Tudo era supervisionado por Fábio do Gás, desde a cadeia, com ordens para alguns familiares e gerentes do bando criminoso.
Ameaça e coação
- Alguns investigados aceitavam o acordo por ganância. Já outros topavam participar por medo, em virtude da fama que o gerente de Fábio do Gás, conhecido como B2, possuía (de ser indivíduo perigoso e ligado a facções criminosas). Outros não aceitaram participar após a "exposição amigável" das vantagens de combinar preços, então a quadrilha passava a proferir ameaças, por meio de ligações e mensagens de WhatsApp. E em último caso, o gerente criminoso ia pessoalmente coagir os comerciantes, quase sempre acompanhado de seus seguranças (dois policiais militares, que foram presos na operação).
Fiscalização
- Com o tempo, o cartel passou a se movimentar de forma quase autônoma, com B2 definindo os preços e os próprios integrantes do cartel fiscalizando uns aos outros, para que os preços não ficassem abaixo do combinado entre o grupo. Caso algum se recusasse a subir o valor, B2 realizava o contato com esse "queimador", para resolver a situação.
Expansão
- A investigação apontou braços da quadrilha fora do Rio Grande do Sul. B2 morou algum tempo no Rio de Janeiro, fixou raízes naquela cidade e para lá se mudou, quando ocorreu acirramento na guerra entre facções na cidade de Rio Grande. Passou a gerenciar desde o Rio, de forma remota, suas empresas do gás, e também a resolver as pendências do cartel. Com o fluxo de dinheiro, passou a adquirir veículos de alto padrão e abriu uma gravadora e produtora/agenciadora de shows.
- Em Criciúma foram localizados dois homens que venderam veículos blindados para B2 e Fábio do Gás.