Em nova queda, os registros por estelionato caíram no Rio Grande do Sul. A diminuição é observada ao comparar os dados de abril deste ano, que somam 6.050 ocorrências registradas na polícia, com o mesmo mesmo período em 2022, que teve 7.704. De lá para cá, a redução é de 21,47%. Ainda assim, o número é considerado alto: por dia, são 201 no Estado, um índice considerado "volumoso" pela polícia. Os números foram divulgados pela Secretaria da Segurança Pública.
A diminuição também se mantém ao analisar os quadrimestres. De janeiro a abril deste ano, foram registados 27.330 boletins, contra o mesmo período de 2022, que somou 31.559.
Trapaça bastante conhecida, o chamado golpe do book foi registrado ao menos quatro vezes neste ano, e os casos são investigados pela Polícia Civil. Um dos registros é de uma idosa que foi abordada pelos criminosos no centro de Porto Alegre. A mulher de 81 anos conta que se deslocou da Zona Sul, onde mora, para o Centro, onde iria encomendar um óculos novo. A aposentada afirma que foi abordada, na Rua Dr. Flores, por uma mulher que lhe ofereceu um calendário.
— Ela mulher pegou no meu braço e disse que ia me dar um calendário, mas eu disse que não queria. Ela insistiu e me levou para um prédio, me colocou no elevador. Você nem sabe direito para onde está indo, não vi nem para qual andar fomos. Entramos em um estúdio e ela disse que faríamos fotos minhas para outro calendário — diz a vítima, que terá o nome preservado.
Conforme a idosa, um homem também estava no local. Após algumas fotos, ele pediu o cartão bancário da mulher, para pagar pelo serviço, que até então não havia sido mencionado.
— Eu disse que não tinha cartão junto, que não tinha nada. Eles falaram que então iriam na minha casa cobrar. Fiquei com medo e dei meu cartão, passaram quanto quiseram, só depois me liberaram. Nunca me mandaram foto nenhuma, era mentira.
A vítima afirma que os golpistas levaram uma quantia de R$ 500, dividida em 10 parcelas. Ela relata que só soube do tamanho do prejuízo quando recebeu a fatura do cartão, dias depois. Ao procurar o banco, foi informada de que precisaria registrar o caso na polícia.
— Fiz isso e mesmo assim nunca bloquearam o pagamento, acabei de arcar com a sexta parcela. Sigo pagando, acho um absurdo. A gente se sente realmente impotente. Foi tudo rápido, não tive como reagir, reclamar. Fica uma situação muito ruim, de não estar seguro em local nenhum. Fico com medo de andar na rua, sinto que alguém vai me abordar. Hoje guardo os documentos em uma sacola velha, não na bolsa.
A frente da Delegacia do Idoso da Capital, a delegada Ana Caruso afirma que os quatro registros indicam ação de um mesmo grupo, uma associação criminosa que age no centro da cidade. Segundo ela, a responsável pela "empresa" deve ser chamada para depor ao longo do inquérito. A vítima com maior prejuízo perdeu R$ 1,3 mil.
— Normalmente eles passam o cartão da vítima várias vezes, dizem que deu erro e o idoso acaba pagando de novo. Ou mostram só o valor da parcela, não o total. Em alguns casos, intimidam a vítima, dizendo que está devendo pelo serviço — explica a policial.
Conforme Ana, dois golpes aparecem com frequência entre o público idoso. Um deles é o que criminosos se passam por amigos ou familiares e pedem dinheiro emprestado para uma falsa emergência, normalmente pelo WhatsApp.
O outro é o golpe do empréstimo consignado, em que o criminoso contata o idoso, por ligação ou mensagem, se passando pelo banco e dizendo que precisa confirmar determinada compra. Para cancelar o pagamento da suposta aquisição, são solicitados dados bancários e foto da vítima. Com essas informações, o golpista faz empréstimo no nome da vítima.
— Em muitos desses casos, o empréstimo é descontado, da conta da vítima, em várias parcelas pequenas, como de R$ 50, e o idoso só percebe meses depois, quando já pagou quase tudo.
Medo e vergonha
Segundo a delegada, muitas vítimas idosas ficam com vergonha de registrar os golpes sofridos, ao se darem conta que foram enganadas. Elas também têm medo, segundo a policial, o que resulta em subnotificação dos casos.
— Há muita vergonha. No caso do golpe do bilhete, é comum chegarem aqui dizendo que foram obrigadas a sacar dinheiro e entregar aos criminosos. Depois, nas câmeras, vemos que fizeram isso de boa fé, por acreditarem na história que ouviram. Eles também têm medo de serem interditados pela família se contarem o que ocorreu. mas a gente ressalta que é preciso sempre registrar, comunicar a polícia, para que a gente possa chegar a esses grupos.
O delegado Thiago Albeche, titular da Delegacia de Repressão aos Crimes Informáticos e Defraudações do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), corrobora com a posição. Segundo ele, a queda de estelionatos no Estado é fruto de um conjunto de fatores, e um deles se relaciona com a subnotificação.
— Muitas pessoas percebem a tentativa de golpe e a ignoram. Como em um mensagem que chega no WhatsApp oferecendo algo, e a pessoa apenas bloqueia o contato. Por não ter caído no golpe, acha que não precisa registrar o boletim, mas mesmo as tentativas de estelionato devem ser informadas à polícia. São informações importantes, que precisam chegar até nós, que nos ajudam a mapear os casos e os grupos criminosos — pontua o delegado.
Outro motivo para a redução, segundo Albeche, é o fato de a população de estar mais consciente sobre estelionatos, especialmente após a pandemia, quando os golpes aumentaram nas redes sociais.