Os primeiros três meses deste ano apresentaram queda nos estelionatos no Rio Grande do Sul. Foram 19.989 registros desse tipo de ocorrência entre janeiro e março – o número representa 16,2% a menos do que no primeiro trimestre do ano passado. Por outro lado, o crime ainda apresenta média de 222 casos por dia que chegam ao conhecimento da polícia. Os dados foram divulgados pela Secretaria da Segurança Pública do Estado.
À frente da Delegacia de Repressão aos Crimes Informáticos e Defraudações do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), o delegado Thiago Albeche acredita que série de fatores contribuiu para a queda. Um deles é o fato de que há mais informações disponíveis sobre os tipos de trapaças, o que faz com que muitas pessoas não caiam na tentativa de golpe.
— A população começa a ter mais conhecimento a respeito dos golpes e fica mais precavida. Inclusive, isso é um fator para que surjam novas modalidades. Acredito que haja mais casos de crimes frustrados. Além disso, também houve intensificação das ações da polícia no combate a esse tipo de crime, que impacta nessa redução — afirma o delegado.
Apesar dessa diminuição, o total de golpes aplicados no Estado todos os dias ainda é alto. Em média, um caso é registrado a cada seis minutos. Isso sem contabilizar os episódios que não são comunicados à polícia, seja porque o golpe não se concretizou ou porque a vítima opta por não fazer a ocorrência. Não é incomum que as pessoas lesadas desistam de buscar ajuda, motivadas por medo, culpa ou vergonha de terem sido ludibriadas.
— Toda e qualquer tentativa de golpe precisa ser comunicada à polícia. As mesmas pessoas que por ventura não conseguiram concretizar o crime contra uma ou outra podem estar conseguindo contra outras vítimas. Por meio desses registros, também podemos verificar se aquele golpe está acontecendo em todo o Estado ou mesmo em outros Estados do país. São investigações complexas, mas é perfeitamente possível a descoberta da autoria, independentemente da localização dos criminosos — assegura Albeche.
Técnica de enfermagem relata ter dados e fotos usadas por golpistas
Uma porto-alegrense relata estar vivendo dias de transtorno desde que golpistas passaram a usar seus dados e inclusive imagem para fazer falsos anúncios de aluguel. Moradora de Garopaba, em Santa Catarina, há dois anos, Clarice Guimarães, 40, costumava alugar a própria casa para temporada e neste ano alugou a da mãe. Durante a estadia de um dos hóspedes, na Páscoa, recebeu durante uma reclamação.
— Ele entrou em contato comigo e disse que três pessoas já tinham batido na porta, na parte da manhã, querendo entrar na casa, dizendo que tinham alugado anual. Uma das moças estava desesperada, chegou com caminhão da mudança — recorda.
Clarice diz que explicou ao hóspede que não havia alugado a casa para outras pessoas. Mas, depois dessa conversa, uma quarta pessoa, mais alterada, foi até o local e mostrou a foto de Clarice no WhatsApp, alegando que tinha feito um Pix para a conta dela. Garantia, assim como as outras, ter alugado a casa. Incomodado, o hóspede preferiu deixar o local. A técnica em enfermagem diz que devolveu o valor das diárias e desde então não alugou mais a casa.
— Ele quis ir embora por segurança. Ficou assustado. Mais do que justo — afirma.
No mesmo dia, ela decidiu procurar a polícia e registrar o caso. Enquanto aguardava em frente à delegacia, deparou com um rapaz que tinha sido enganado pelos mesmos criminosos. Assim que o homem a reconheceu, pela foto do WhatsApp, Clarice precisou explicar que não era ela a falsária. Depois disso, ela descobriu que havia diversos anúncios no Facebook, usando perfis falsos dela e do marido – no caso dele, utilizaram as fotos, mas alteraram o nome – fazendo anúncios de alugueis.
Ao longo desse período, diz que recebeu contatos de pessoas indignadas, que acreditam que ela foi a responsável pelo golpe. Muitos relatam já terem feito o Pix, e quererem o ressarcimento. Clarice acredita que os criminosos obtiveram os dados dela após ela anunciar a mesma casa para temporada. Uma das pessoas interessadas alegou ter medo de sofrer golpe e pediu que ela enviasse algumas formas de comprovação. Sem desconfiar, ela repassou foto do documento de identificação, do comprovante de residência, localização e imagens da casa a ser alugada.
— Eles ficaram com a faca e o queijo na mão. Começaram a divulgar a casa, enviaram tudo que eu mesma passei para as pessoas que entravam em contato, para dar segurança — diz.
Como forma de tentar alertar as pessoas, ela começou a fazer postagens frequentes nas redes sociais. Mesmo assim, os perfis falsos em nome dela e com fotos do marido seguem ativos. Desesperada, enviou mensagem para os estelionatários pedindo para que ao menos parassem de usar a imagem dela. Não obteve resposta.
— É horrível. Fiquei deprimida, chorei bastante, tive medo também. De acontecer alguma coisa comigo, chegar alguém, me bater. Me sinto impotente, de mãos atadas. Isso gerou um estresse, perdi dinheiro, perdi credibilidade. Eles vão continuar fazendo. Estão com meu nome, meus documentos — desabafa.
Velhas trapaças seguem aplicadas
Apesar de os criminosos buscarem novos tipos de golpes para enganar as vítimas, aquelas já conhecidas continuam no topo da lista das mais aplicadas. Entre elas, está o golpe dos nudes, nos quais os estelionatários extorquem a vítima, exigindo pagamento de valores. Neste caso, muitas vezes se passam por autoridades, como policiais, delegados e promotores, exigindo propina para não levar o caso adiante.
— Esses falsários se utilizam das identidades de autoridades públicas. Por vezes podem até simular documentos, como mandados de prisão, podem realizar ligações inclusive imitando o som de delegacia no fundo, querendo simular um ambiente de órgão público. Tudo isso para dar veracidade. As pessoas têm que ficar atentas. Isso não é real — afirma o delegado.
Outro crime que segue fazendo vítimas em larga escala é o conto do bilhete premiado, que muitas vezes têm idosas como alvo. No último dia 12, uma operação da Polícia Civil teve como alvo um grupo criminoso envolvido nesse tipo de crime. O valor obtido com as trapaças, segundo a investigação, era usado para investir em criptomoedas. Mandados de apreensão e bloqueio de capitais foram cumpridos em Porto Alegre, Alvorada e Passo Fundo. A investigação apontou que a quadrilha tem como origem o norte do RS. Uma ordem judicial também foi cumprida em Balneário Camboriú, Santa Catarina.
A investigação se iniciou em março, quando uma idosa perdeu R$ 130 mil durante o golpe do bilhete premiado na zona sul de Porto Alegre. O caso chegou inicialmente ao Deic como uma possível extorsão mediante sequestro, no bairro Cavalhada, mas os policiais descobriram que se tratava de um caso de estelionato. A polícia prendeu dois suspeitos, enquanto a idosa ainda estava dentro de uma agência bancária. Os dois presos eram de Passo Fundo, assim como os demais integrantes do grupo.
Entre as modalidades usadas para obter dinheiro das vítimas estão os falsos perfis de WhatsApp. Neste caso, é comum que os estelionatários utilizem diferentes métodos. Em muitos casos, pedem dinheiro aos familiares e amigos da pessoa por quem estão se passando, mas há variações nas quais eles se passam por instituições de saúde ou mesmo médicos. Foi o que aconteceu com um publicitário, em março, em Porto Alegre.
Após o pai dele ser internado, recebeu uma mensagem de uma conta no WhatsApp com o nome de foto do médico do hospital. O estelionatário afirmou que o pai do publicitário necessitava de um exame urgente e sugeria o pagamento de R$ 3,8 mil. Neste caso, a vítima percebeu que poderia se tratar de um golpe, insistiu para que o contato fosse feito pessoalmente e alertou os familiares sobre a farsa. Mas nem sempre é isso que acontece nesse tipo de trapaça.
— A principal dica nesse caso é procurar se certificar sobre a identidade da pessoa com quem estão falando. Dar aquele passo para trás, e ligar para a pessoa. É uma precaução simples, mas que funciona — recomenda o delegado Albeche.
Confira outras dicas
- Não acredite em lucro fácil ou vantagens que pareçam muito atrativas. Essa é a principal estratégia dos golpistas para atrair vítimas.
- Não acredite em desconhecidos que lhe abordam na rua ou por telefone. Não acesse links na internet dos quais não tem segurança. Desconfie.
- Converse com familiares, amigos ou mesmo gerente de banco se tiver desconfiança. Estelionatários tentam criar meios de impedir que a vítima busque orientação, como mantê-la ao telefone, para que não seja alertada.
- Tome cuidado ao imprimir segunda via de boleto em sites e ao fazer compras online. Golpistas podem criar sites falsos para enganar os clientes.
- Quando fizer uma compra online, guarde num arquivo no computador o link da compra. Pode ser útil para a investigação, em caso de golpe.
- Não faça depósitos bancários e nem recargas de celulares para quem não conhece.
- No caso dos leilões, verifique se os leiloeiros estão cadastrados junto ao Judiciário. As contas para depósito em leilões oficiais não são de pessoa física ou jurídica e, sim, judicial.
- No WhatsApp, habilite a verificação em duas etapas e não forneça esse tipo de código por telefone. O mesmo cuidado vale para outros aplicativos - de compras e bancos - que tenham o recurso de verificação em duas etapas.
- Em alugueis de imóveis, desconfie de preços abaixo do mercado, se o dono exigir adiantamento e tiver pressa para que o depósito seja feito ou mesmo se o proprietário não aceitar atender a ligações ou se recusar a receber visita do locatário, para conferir a casa.
- Se receber contato por telefonema ou mensagem de familiar pedindo ajuda, certifique-se de que é real. Telefone para a pessoa antes de qualquer transferência. Converse com outros parentes antes de fazer qualquer depósito.
- Se estiver vendendo algo, não entregue o bem antes de ter certeza de que recebeu o valor do pagamento. Depósitos só são confirmados pelo banco após a conferência do envelope. Então, aguarde para enviar a mercadoria.
- Se for vítima, registre o caso em uma delegacia da Polícia Civil ou pela Delegacia Online. Tente repassar aos policiais o máximo de informações sobre os golpistas.
Fonte: Polícia Civil-RS