Uma moradora da Grande Porto Alegre se viu envolvida numa trama que acreditou ser verdadeira. Vítima do conto do bilhete premiado, sacou R$ 5 mil e entregou aos golpistas. Convencida por um casal, acreditava que, em troca desse dinheiro, receberia uma quantia milionária. O caso foi registrado nesta semana na 1ª Delegacia de Polícia de Sapucaia do Sul, onde está sob investigação.
A mulher caminhava pela Avenida Lúcio Bitencourt, na área central, quando foi abordada por um senhor, aparentando ser uma pessoa humilde, que não sabia ler, nem escrever, e buscava informações sobre o endereço de alguém que faria o conserto de máquinas.
— Respondi que não conhecia o endereço que ele estava procurando — diz a vítima, que preferiu não ser identificada nesta reportagem.
Nesse momento, uma mulher — que também fazia parte do golpe — passou pelo local e foi abordada pelo homem, que lhe fez as mesmas perguntas. A estelionatária, fingindo querer ajudar, começou a explicar ao homem onde ficaria o endereço. Enquanto eles conversavam, o senhor mostrou a ela um bilhete de loteria.
— Ele disse que era um bilhete que o cara da máquina tinha deixado para ele. Como ele era analfabeto, não sabia que aquele era um bilhete da Quina — recorda a vítima.
— Isso aqui é uma Quina, vamos ver se é premiado — disse a estelionatária, dando seguimento ao golpe.
Na sequência, a mulher pegou o telefone e fingiu fazer uma ligação para a Caixa Econômica Federal. Com a chamada em viva-voz, uma falsa atendente respondeu do outro lado que aquele bilhete havia sido premiado em 10 de dezembro, com um único ganhador, e que o prêmio de R$ 4,7 milhões ainda não havia sido retirado. Ao ser informado do montante que poderia receber, o outro golpista disse que não queria a quantia.
— Sou da igreja, e a igreja não aceita esse dinheiro sujo — teria respondido o estelionatário.
Durante a conversa, o falso dono do bilhete premiado sugeriu que as mulheres ficassem com o prêmio. Em troca, disse que gostaria de receber apenas R$ 250 mil, para poder adquirir um trator. Mas, para convencer a vítima a entregar o valor antes mesmo de tentar sacar o prêmio, afirmou que só aceitaria “dinheiro limpo”, que não fosse fruto de jogo.
A partir daí, os dois golpistas passaram a convencer a vítima de que ela poderia mesmo ficar com o prêmio. Chegaram a telefonar novamente para a falsa central da Caixa. A atendente afirmou que, se o dono do bilhete estivesse de acordo, elas poderiam ficar com o valor. Para impedir que a mulher fosse imediatamente até o banco, a falsa atendente disse que o dinheiro não estava disponível no momento e que ela faria o agendamento do saque.
— Eles me diziam que eu não poderia falar para ninguém, que era algo sigiloso. Me convenceram disso — conta.
Saque
A vítima embarcou num veículo com os golpistas e foi até uma lotérica onde fez saque de R$ 5 mil. Os criminosos ainda convenceram a mulher de que ela deveria obter mais R$ 15 mil, antes de receber o valor — ela não chegou a entregar esse segundo montante porque não tinha o dinheiro. A estelionatária fingia que também estava contribuindo com parte da quantia e chegou a entregar um pacote ao homem, onde afirmava ter R$ 50 mil. O restante seria enviado por meio de transferência.
Sempre que um dos dois golpistas desembarcava do carro, com desculpas, como ir ao banheiro, o outro aproveitava para manipular ainda mais a vítima.
— Ela me dizia: “Vamos conseguir todo o dinheiro. Ele não quer o dinheiro”. Quando ela me deixava sozinha com ele, ele vinha com papo também: “Tenho dinheiro, tenho terra, não preciso desse dinheiro. Só quero dinheiro limpo” — descreve.
Após ficar cerca de três horas na companhia dos golpistas, a mulher foi liberada. Somente quando decidiu contar à filha o que havia acontecido é que ela começou a se dar conta de que poderia ser golpe. Foi quando a mulher decidiu procurar a polícia e registrar o fato como estelionato.
— Estou até hoje me perguntando como eu caí nessa. Eles me manipularam de uma forma, me deixaram cega. Parecia muito real. Nunca, jamais pensei que ia cair. Só percebi quando já tinha entregue o dinheiro. O valor acho que não vamos recuperar, mas espero ajudar para que outras pessoas não caiam no mesmo golpe — diz.
Investigação
O caso registrado nesta semana está sob investigação da equipe da 1ª DP de Sapucaia, que busca identificar o grupo envolvido. Além deste, há outros registros do conto do bilhete premiado apurados na mesma delegacia. As vítimas, em geral, são pessoas idosas, que são envolvidas nessa falsa trama criada pelos golpistas. A forma de ação pode variar um pouco, assim como o número de criminosos envolvidos, mas o intuito é sempre o mesmo: enganar a vítima e ir embora com o dinheiro dela.
— Eles agem como uma organização criminosa, são treinados para isso, para aplicar golpes. São atores, encenam tão bem que a vítima fica presa naquela situação que eles apresentam. Acredita que vai mesmo receber. Algumas vítimas não querem vir na delegacia porque ainda estão esperando que eles retornem com o dinheiro dela — explica o delegado Ancelmo Carvalho Camargo.
Além de acreditar nos golpistas, há casos nos quais as vítimas têm vergonha de relatar aos familiares que foram ludibriadas.
— O próprio estelionatário conta com a vergonha da vítima. As pessoas absorvem o prejuízo, sem comunicar por vezes nem os familiares. Trazendo a informação à polícia, consegue contribuir com as investigações e fazer com que outras pessoas não sofram o mesmo prejuízo. Eventualmente, podemos conseguir identificar o destino desses valores, bloquear e devolver às vítimas — diz o delegado.
Fique atento para não cair em golpes
- Evite conversar com estranhos na rua e na frente de caixas eletrônicos.
- Mantenha bem guardados quantias em dinheiro e cartões de débito e crédito, bem como outros pertences pessoais.
- Preste atenção, pois, em geral, mais de uma pessoa participa desse golpe, como alguém supostamente acima de qualquer suspeita.
- Jamais forneça seus dados bancários, cartões e senhas para qualquer pessoa desconhecida.
- Fique atento aos telefonemas de pessoas estranhas, principalmente de outros Estados. Em geral, ocorre uma primeira conversa para ter informações da vítima para em seguida aplicar o golpe.
- Se alguém realmente possuir um bilhete premiado, não irá dividir o prêmio com outra pessoa, ainda mais um desconhecido, por nenhum motivo. O ganhador também não irá vender esse prêmio em troca de dinheiro vivo, pois em algum momento o premiado obterá a quantia.
- Caso seja mais uma vítima desse crime, não deixe de registrar ocorrência na Polícia Civil.
Fonte: Polícia Civil