No fim de janeiro, o soldador Filipe Soares da Silva, 40 anos, trabalhava como motorista de aplicativo para complementar a renda, quando se tornou uma das vítimas de roubo de veículo em Porto Alegre. O ataque aconteceu na Zona Norte, região que concentra a maioria dos registros desse tipo de crime na Capital. Em 2022, dos 1.708 assaltos com esse intuito registrados na polícia, 1.192, ou seja, 69,7% ocorreram nesta área, segundo o Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic).
Esse recorte nos dados foi realizado pelos policiais com a intenção de encontrar novas formas de manter a redução dos roubos de veículos na Capital. Assim como no Estado, esse tipo de delito vem arrefecendo nos últimos anos, resultado de ações como emprego de cercamento eletrônico, integração entre as polícias, mapeamento de casos e prisões de envolvidos nesses crimes. Em 2018, por exemplo, foram roubados em média 22,4 veículos por dia em Porto Alegre — no ano passado, esse número caiu para 4,6.
— Na Capital, o cenário é positivo, com uma histórica redução de roubos de veículos desde outubro de 2018. Mas nós precisamos olhar para o problema. E o problema está na Zona Norte — enfatiza o delegado Eibert Moreira Neto, diretor da Divisão de Investigação Criminal do Deic.
Historicamente, a Zona Norte concentra maior parte dos roubos de veículos da Capital. Entre os motivos que levam a isso, está a localização geográfica, com fácil acesso a outros municípios da Grande Porto Alegre. Da mesma forma, a região permite também escoamento para rodovias, que levam tanto para o interior do RS, como para outros Estados, entre eles a vizinha Santa Catarina. Aliado a isso, a região concentra dois bairros com maior população na Capital: Rubem Berta e Sarandi, que também estão no topo dos casos de roubos de veículos.
— A diferença é que antes toda a cidade tinha muitos roubos de veículos. Com a redução ao longo dos cinco anos ficou mais evidente essa mancha criminal na Zona Norte. Rubem Berta, Sarandi, Bela Vista, Moinhos, Petrópolis, Humaitá, são bairros que concentram a maior parte desses casos — pontua o delegado Newton Martins de Souza Filho, titular da Delegacia de Roubos e Furtos de Veículos, que recebe todos os casos desse crime registrados na Capital.
Outros fatores também contribuem para a dinâmica desses assaltos. Em geral, os carros são roubados para serem usados em outros delitos, como roubos a pedestres, comércios ou mesmo homicídios, no contexto do tráfico de drogas. Também são roubados para desmanche e venda de peças. Em ambos casos, os bandidos costumam tomar alguns cuidados, para evitar o flagrante. Um deles é utilizar pontos estratégicos para deixar os veículos "esfriando", e com isso se certificarem que não estão rastreados, antes de darem o destino final ao carro. Naquela região da Zona Norte, algumas vias são costumeiramente usadas para isso.
Como forma de tentar minimizar os casos na região, os policiais vêm monitorando os pontos de principais incidência, para poder fazer o atendimento logo após a ocorrência. O objetivo com isso é buscar resultados mais imediatos. Na semana passada, dois suspeitos foram presos em Esteio, logo após o roubo de um veículo na Avenida Pernambuco, também na zona norte da Capital. Por meio do cercamento eletrônico, a polícia descobriu o trajeto de fuga dos assaltantes. Com apoio da Polícia Rodoviária Federal (PRF), foi feita a prisão da dupla e recuperação do Civic LXR, na área rural do município, onde estava prestes a ser desmanchado num sítio.
— Concomitantemente a esse trabalho de prender os autores, os ladrões, estamos atuando num trabalho investigativo para atacar o receptador. Se ele for enfraquecido, não vai ter roubo. Muitos roubos são feitos sob encomenda. O roubo só é feito quando já existe a placa pronta para clonar. Isso é mais lento. É um trabalho mais minucioso de investigação — diz o delegado Newton.
A maior preocupação com os assaltos para levar veículos é com o risco de que isso leve a um desfecho trágico: o latrocínio. Roubos de automóveis estão entre os tipos de assaltos que mais resultam na morte da vítima. Na maioria dos casos, os bandidos estão portando armas de fogo, embora também se tenha registros de roubos com uso de faca ou mesmo de armas falsas. A dica geral das polícias é não reagir.
— A não reação muitas vezes é o que vai salvar a vida da pessoa. Não se sabe em que o estado está o autor do roubo. E qualquer reação da vítima é o suficiente para que ele aperte gatilho — alerta Newton.
Veículo amarelo levado por dupla
No caso de Silva, o assalto aconteceu por volta das 23h, após ele ser chamado para uma corrida na região do Parque dos Maias, no bairro Rubem Berta. Quando chegou ao local, havia dois jovens aguardando pela corrida, que tinha Alvorada como destino. Logo após iniciar o trajeto, o motorista desconfiou e perguntou aos dois o nome deles. No ímpeto, a dupla respondeu nomes diferentes do que aparecia no aplicativo.
— A corrida é do Eduardo — disse o condutor, ao perceber que eles tinham chamado a corrida em nome de outra pessoa.
— Já te ligou que é um assalto, né? — respondeu um dos criminosos, obrigando o motorista a parar o veículo logo depois.
Silva ainda pensou que os bandidos levariam somente celular e dinheiro. Mas foi abandonado no meio da rua, enquanto a dupla fugiu com o carro e os pertences dele.
— Meu carro é amarelo, chamativo. Nunca acreditei que seria assaltado. Nunca recusei corrida, independente do local. Sou de origem simples, e sei que a maioria que moram em bairro não é bandido. Sempre tive esse pensamento — diz o condutor.
Esta é a segunda vez que Filipe tem o carro roubado por assaltantes na mesma região. Em 2018, o irmão dele estava dirigindo o Palio dele, quando foi atacado por três criminosos armados ao parar num semáforo. Depois daquilo, o irmão desistiu de dirigir, por medo.
— Fica aquela sensação de impotência, de frustração. Minha vida sempre foi de batalha, como a maioria das pessoas. Vendi cuca na rua, quando pequeno, trabalhei em obra. As pessoas me dizem "é um carro, tu estás vivo". Eu sei disso. Graças a Deus não aconteceu nada comigo. Mas é todo o sacrifício que a gente faz, todos os dias. Se não tivesse a oficina, não tinha de onde tirar. Seria só da renda da minha esposa. As contas não diminuem porque eu fui assaltado — diz Filipe.
O Palio nunca foi recuperado, mas com o Classic o desfecho foi diferente. Dois dias depois do assalto, a BM encontrou o veículo abandonado também na Zona Norte. Em Porto Alegre, segundo a polícia, pelo menos metade dos veículos são recuperados. Após o roubo, Filipe focou no trabalho na oficina de solda que mantém e decidiu deixar as corridas de lado por um tempo. Embora não descarte voltar a prestar o serviço, se for necessário.
— Se precisar fazer, eu vou fazer. Tenho que trabalhar. E não posso desistir dos meus objetivos por uma ou duas pessoas erradas. Não vou dizer que não tenho medo. Medo a gente tem, mas tem coisa maior que o medo — confidencia o condutor.
Veículos de luxo
Além dos carros populares, que costumam ser alvo desse tipo de crime, a polícia também vem percebendo incidência de casos de roubos de veículos de luxo. Foram registrados assaltos em bairros como Petrópolis, Bela Vista e Moinhos de Vento. Neste caso, a suspeita é que se trate de uma quadrilha que vem cometendo crimes por encomenda.
— São carros que, conforme investigação mostraram, estão sendo levados para Santa Catarina. Não sabemos se vão para desmanche ou para vender. Em relação a esses carros de luxo, tem períodos que vários são roubados, as pessoas são identificadas, presas e arrefece por um tempo — explica o delegado Newton.
Segundo a Brigada Militar, o policiamento foi reforçado na Zona Norte. Por nota, o 11º Batalhão de Polícia Militar informou que uma organização criminosa está atuando de maneira peculiar na região. "Em razão de tal fato, foi necessário reforço do policiamento ostensivo nos locais de maior incidência através do emprego dos policiais em pontos de visibilidade". A BM informou ainda que o Setor de inteligência está em busca de maiores informações para coibir esse tipo de delito.
Estratégias contra o crime
Para reduzir os roubos de veículos na Zona Norte, a polícia espera colocar em prática uma série de estratégias. Entre elas, quer agilizar a chegada das informações sobre os assaltos até a Polícia Civil. Para isso, um dos objetivos é tornar mais célere a troca de informações entre as instituições e também no futuro concentrar os registros de ocorrências de roubos de veículos daquela região nas dependências do Deic. Outra meta é conseguir que a realização da busca de vestígios pelo Instituto-Geral de Perícias (IGP) em carros recuperados também ocorra dentro do departamento.
— No Departamento de Homicídios, estamos acostumados a ver as equipes trabalhando no local de crime. Essa rotina é comum. Nossa intenção, é que possamos imediatamente começar as diligências e a investigação preliminar. Da mesma forma, nos veículos envolvidos em homicídios, as coletas eram feitas pelo IGP dentro do DHPP. Queremos repetir isso aqui. Coletar de forma ainda mais robusta as provas dos roubos. Isso vai trazer resultados mais significativos — diz o delegado Eibert, que migrou em fevereiro de departamento.
Dicas
- Fique atento ao que ocorre no seu entorno. Se estiver chegando em casa, por exemplo, e visualizar alguma pessoa suspeita, dê uma volta ou duas a mais na quadra antes de estacionar ou ingressar na garagem.
- Evite ficar distraído ao celular. Além de ser uma infração de trânsito para o motorista, o telefone deixa a vítima ainda mais vulnerável, com maiores chances de ser pega de surpresa.
- Em dias de semana, os horários de maior risco para roubos de veículos, segundo a polícia, são das 18h até 22h. Fique ainda mais alerta.
- Se for abordado num assalto, a dica da polícia é não reagir para não se colocar em risco maior. Criminosos costumam agir com uso de armas de fogo e em duplas, ou trios. Há casos nos quais os motoristas aceleram o veículo e são alvejados por disparos, ou ainda que tentam reagir ao visualizar um dos criminosos e não percebem a presença de outro assaltante.
- Procure a polícia imediatamente após o roubo e busque fornecer o máximo de informações que conseguir recordar, como características físicas dos criminosos.
Fonte: Polícia Civil-RS