É alvorada do dia 10 de dezembro de 2022. Diante da residência de paredes envidraçadas, move-se um grupo homens e mulheres com roupas escuras e armas em punho. O deslocamento é suave e cadenciado, como numa dança ensaiada para ser rigorosamente precisa.
O ingresso na moradia é silencioso. A mansidão só se desfaz depois que da casa, localizada em condomínio luxuoso em Capão da Canoa, sai carregado um homem de 42 anos. Ele é considerado um dos principais alvos da Polícia Civil gaúcha, por ser articulador em um esquema organizado de roubo, clonagem, receptação e venda fraudulenta de veículos em Porto Alegre, na Região Metropolitana e no Litoral Norte.
O tipo de operação, que resultou na prisão de outros 12 membros do mesmo bando, é o que tem contribuído para a redução, nos últimos anos, dos indicadores de roubo de veículos no Rio Grande do Sul.
Na Capital, o decréscimo é de quase 64% em quatro anos. Foram 4.747 registros em 2019. Depois de três quedas (veja progressão no gráfico), Porto Alegre chegou ao indicador de 1.710 ocorrências no ano passado. Levantamento recente apontou a Avenida Protásio Alves entre as mais perigosas.
— Fomos praticamente invisíveis, observando os passos dos suspeitos por quase 10 meses, em que flagramos os criminosos levando uma verdadeira vida de ostentação, dirigindo carros de luxo e residindo em condomínios no Litoral Norte — conta o delegado Rafael Liedtke, da Delegacia de Repressão ao Roubo de Veículos do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic).
Os meses de investigações envolveram levantamento de nomes e endereços, campanas e ações em campo, nas quais policiais atuavam descaracterizados para coletar fotos e fazer filmagens. Integrada aos ritos judiciários, a apuração obteve acesso a registros e conteúdo de telecomunicação, incluindo diálogos entre os criminosos.
A quadrilha desarticulada era apontada por movimentar milhões em negociações relacionadas ao roubo de veículos, entre os quais estão modelos populares, utilitários e até esportivos de luxo produzidos fora do Brasil.
Quase R$ 3 milhões em automóveis com indícios de adulteração de sinais identificadores foram apreendidos e passam por procedimentos com objetivo de descobrir seus reais proprietários e estabelecer a conexão com fatos criminosos que os colocaram em posse dos bandidos.
O diretor do Deic, delegado Sander Cajal, define este modelo de ação como "investigação qualificada":
— Além de produzirmos evidências para a prisão preventiva dos investigados, é fundamental a apreensão de bens materiais que teriam sido constituídos a partir de crimes e que financiariam novas situações de risco e ameaça à sociedade — conclui Cajal.
Quadrilha atuava sob pretensão de ganhos ambiciosos
Conforme o delegado Liedtke, a ação da quadrilha iniciava no emprego de "soldados" financiados e designados pelo grupo para a atuação violenta na ponta da cadeia criminosa: as ruas.
— Alguns eram responsáveis por furtar. Outros pelo roubo a mão armada. Estes participantes obtêm ganhos de até R$ 1 mil cada, de acordo com o modelo roubado e entregue para o grupo — explica.
O delegado conta que, a partir desse ponto, a quadrilha retirava os veículos da Capital ou do município metropolitano e os levavam para uma "oficina do crime", localizada em Novo Hamburgo, no Vale do Sinos. O local era especializado na adulteração de sinais identificadores, confecção de placas clonadas e descaracterização de traços particulares na aparência dos carros.
Clonados, os automóveis passavam a valer entre R$ 20 mil e R$ 40 mil para quem financiou seu roubo. Dependendo da marca, modelo e ano, poderiam chegar a cifras superiores.
— O trabalho nessa oficina era tão sofisticado, que poderia tornar difícil para um policial perceber a clonagem em uma checagem de rotina, sem ir a fundo na inspeção — descreve o delegado Marco Guns, responsável por investigações na Delegacia de Repressão ao Roubo de Veículos do Deic.
Com uso de documentação falsa, veículos eram vendidos até mesmo por valores próximos da Tabela Fipe.
— Em outras ocasiões eram repassados para outras quadrilhas, através de laranjas, por valores inferiores, o que nos leva a suspeitar sobre o cruzamento de bens para lavagem de dinheiro, investigação que prossegue — revela Guns. Do grupo investigado, foram apreendidos 19 veículos.
Prender assaltantes logo após a ocorrência não é ficção
A ideia de pronta resposta policial está cada vez mais próxima da realidade com o emprego de tecnologias no cotidiano da segurança pública.
O comandante do Comando de Policiamento da Capital (CPC), da Brigada Militar, coronel Luciano Moritz cita o cercamento eletrônico e a análise do padrão de ocorrências a partir de sistemas de dados como aparatos inovadores no combate à criminalidade.
— O roubo de veículos está diretamente implicado com os crimes com grave ameaça à vida das pessoas. Por isso, tornou-se uma das prioridades para o planejamento do nosso policiamento — relata.
Moritz descreve ocorrência dessa quarta-feira (25), na qual três criminosos acabaram presos depois de roubar um Fiat Uno no bairro Jardim Vila Nova.
O assalto ocorreu em abordagem na Rua Amapá. Após ser acionada, a BM, que mantinha guarnições em locais estratégicos, direcionou efetivos para a Estrada João Passuelo, no mesmo bairro, contendo a progressão dos assaltantes.
Os suspeitos, com 20, 22 e 23 anos, foram presos portando uma faca da caça e um simulacro de pistola.
— Temos o mapeamento de todas as zonas quentes da cidade, analisamos os métodos de cada quadrilha, perfil das ações. Integramos forças e aplicamos a cada dia com mais qualidade a tecnologia como apoio para a segurança da comunidade. A resposta imediata já é uma realidade — pontua o comandante do CPC.
Moritz alerta para que as pessoas jamais tentem reagir diante de uma abordagem, pois o criminoso está invariavelmente disposto a empregar violência se houver obstáculos.
— No caso do roubo de um veículo, precisamos lembrar que não há bem mais precioso que a vida. Mesmo numa situação de tensão é inteligente manter a calma, observar e proporcionar informações para que a polícia possa agir com qualidade — aconselha.
A Brigada Militar deve ser acionada pelo telefone de emergências 190. Já o Deic recebe denúncias e informações pelo fone Disque Denúncia: 0800-510-2828 e por mensagens de WhatsApp e Telegram pelo número 51 98418-7814.