Uma audiência ocorrida na terça-feira (24), no Fórum de Cachoeirinha, deu andamento ao processo criminal de um caso que chocou a comunidade. De acordo com o Ministério Público, Rubem Heger, 85 anos, e sua esposa Marlene, 53, teriam sido assassinados pela filha e pelo neto do idoso na manhã de 27 de fevereiro do ano passado. Seus corpos jamais foram localizados. Um conjunto de evidências depõe contra os réus, que sustentam inocência. A família clama pela verdade.
— Tenho plena convicção de que Claudia de Almeida Heger e Andrew Heger Ribas são responsáveis pelo homicídio do casal. Mais que isso, a materialidade das provas indica que eles planejaram com antecedência os passos que resultaram no crime — aponta o promotor de Justiça Criminal, Tomaz de la Rosa.
A denúncia da Promotoria foi apresentada ao Judiciário em 28 de maio do ano passado. Conforme a representação, Rubem e Marlene foram carregados sem vida no carro Ford Fiesta no qual os réus chegaram à moradia do casal para a visita que antecedeu o desaparecimento. GZH noticiou o sumiço deles em 8 de março do ano passado.
Uma série de elementos leva o MP a esta conclusão. Segundo o promotor, a perícia localizou sangue que seria das vítimas em mais de um local na casa do casal, no bairro Vila Regina, área central do município. Notas fiscais mostram que Claudia comprou utensílios em ferragem próxima de sua residência em Canoas.
— No dia 9 de fevereiro, ela adquiriu lona de caminhão, de 10x13 metros; lonas plásticas de 4x6 metros; braçadeiras plásticas, fitas crepe 28x50 e 48x50 centímetros. No dia 16 de fevereiro, voltou ao mesmo estabelecimento e comprou braçadeiras de nylon, tinta spray e fita tape. Os réus não demonstraram a aplicação desses materiais — conta o promotor.
Além das compras, que de acordo com a representação seriam compatíveis ao acondicionamento dos cadáveres, no dia 11 de fevereiro, Andrew levou o carro até uma oficina para colocação de películas nos vidros. Em contatos com a loja, consultou e definiu a compra do tom mais escuro.
As ações de consumo estão registradas em documento fiscal e confirmadas em testemunho. Troca de mensagens entre Andrew, Claudia e um dos comerciantes também integra a apuração. O conteúdo, de acordo com o promotor, denota o interesse pelo tipo de cobertura dos vidros e dá conta da satisfação com o resultado obtido.
— Outro indicativo contundente é o fato de que o automóvel foi levado à oficina para instalação do insulfilme com o revestimento do assoalho intacto. Porém, quando o veículo foi apreendido para exames periciais, os carpetes haviam sido arrancados — descreve o representante do Ministério Público.
Tomaz relata, ainda, que a quebra de sigilo telefônico dos acusados revelou que Andrew teria realizado pesquisas e iniciado uma negociação para a compra de uma arma de fogo. Contudo, não há indícios de que a transação tenha sido efetivada.
Imagens de câmera flagraram a ação no dia do sumiço
Juntamente com a composição de elementos, a acusação está orientada pelas imagens da câmera de segurança de uma residência frontal ao endereço do casal. As imagens mostram Rubem e Marlene saindo e voltando para casa na manhã de 27 de fevereiro de 2022.
Eles estão em casa, quando recebem a visita de Claudia e Andrew, por volta de 11h20min. Marlene abre o portão da grade. O carro é manobrado de frente para a garagem. Todos entram na residência.
Horas depois, por volta de 15h20min, o carro aparece em movimento, sendo manobrado dentro do pátio, e é estacionado de ré ao fundo da mesma garagem. Em seguida, colchão e estrutura de uma cama box são colocados em frente ao automóvel.
A visão ao carro fica prejudicada. Em seguida, em torno de 15h40min, o vizinho da casa à esquerda da imagem parece chamar Claudia. Ela atende e conversa por alguns instantes de dentro do pátio com o homem.
— Este homem havia recebido dos réus, naquele dia, uma garrafa de conserva alcoólica de butiá. Primeiro, pensou que precisava devolver depois de degustar. Por isso, chamou. Mas Claudia vai até ele e confirma que a garrafa inteira é presente. Ele teria dormido depois de consumir a bebida — conta a advogada Priscilla Helena Marmacedo, assistente de acusação contratada por familiares de Rubem e Marlene.
A gravação em vídeo mostra Claudia abrindo a fechadura do portão, saindo e trancando o dispositivo de segurança novamente. Dirige-se até o pátio do vizinho, conversa e deixa o local.
Concomitante à movimentação da mãe, Andrew surge na imagem e se aproxima do muro que divide os terrenos. Caminha até a edificação divisória e se posiciona como quem ouve a conversa. Ao retornar, Claudia abre a fechadura, entra e a chaveia de novo. Eles voltam para o interior do imóvel.
Às 15h48min, o carro é manobrado por Andrew para a rua e posicionado diante da calçada. Claudia sai da residência, tranca o portão, entra no veículo e vão embora. Depois disso, nenhum familiar volta a ter contato ou notícia do casal desaparecido.
Relação conturbada e com divergências sobre bens materiais
Conforme o promotor de Justiça Criminal Tomaz de la Rosa, a relação de Claudia com o pai e a madrasta não era típica nem mesmo para famílias que passaram por separações.
— Marlene havia trabalhado como empregada da família. Claudia a acusava de ter roubado o lugar da mãe, de quem Rubem se separou. Havia uma animosidade permanente entre as duas — afirma Tomaz.
Segundo o promotor, Rubem guardava mágoa da filha por ela ter "simulado um sequestro" há alguns anos para pedir dinheiro do pai em resgate.
— Isso aconteceu e a farsa foi descoberta, revelando uma insatisfação de Claudia sobre a relação material e financeira na família. Também revela uma disposição de Claudia para a dissimulação em benefício próprio — diz o representante do Ministério Público.
Semanas antes do desaparecimento do casal, Rubem teria vendido um caminhão de sua propriedade por valor estimado em R$ 70 mil. Metade do montante foi depositada em banco. A outra metade estaria em casa e jamais foi encontrada.
Filhos e netos de Rubem e Marlene clamam pela responsabilização dos réus. Uniram-se na busca pelos desaparecidos e dizem que Claudia e Andrew jamais expressaram a mesma preocupação.
— Nossa expectativa é que eles paguem pelo que fizeram. Foi uma monstruosidade. A família sofre muito com isso tudo e esperamos que a justiça seja feita — define Marcelo dos Passos Stafford, 30 anos, filho de Marlene e enteado de Rubem.
Defesas de mãe e filho sustentam inocência: ambos, cumprem medidas cautelares com privação de liberdade
Conforme o advogado André Von Berg, defensor de Andrew, a expectativa é de que o réu seja absolvido por ser considerado inimputável no julgamento. Andrew está recolhido no Instituto Psiquiátrico Forense do Estado.
— Há laudos que apontam que meu cliente sofre de psicose não-orgânica não especificada e outros transtornos dissociativos (Síndrome de Ganser) — comenta Von Berg.
Para o advogado, Andrew tem transmitido pesar sobre os eventos ocorridos, mas sem definir uma postura de responsabilidade sobre qualquer fato.
— Ele diz não ter memória clara sobre o que aconteceu naquele dia e manifesta uma carga emocional forte ao dizer que era manipulado pela mãe. Claudia exercia uma espécie de alienação mental sobre o filho. Ele diz sentir que foi enganado — argumenta.
Para Von Berg, se ocorreram atos criminosos em 27 de fevereiro de 2022, estas ações teriam sido orquestradas por Claudia.
Já a defesa de Claudia sustenta que a mãe de Andrew tem sido muito firme ao negar a autoria de qualquer ato ocorrido naquele dia.
— Tenho expectativa de que este caso nem seja levado ao júri. Ela admite que esteve na casa do pai. Que buscava se reaproximar depois de um período de afastamento e também quer saber o que aconteceu — explica o advogado Jean Severo.
Sobre as declarações de que Andrew estaria em desacordo com atitudes da mãe, mesmo sem expressar objetivamente quais seriam estas discordâncias, Severo aponta que há insegurança sobre a capacidade de avaliação do filho.
— Não temos convicção de que o Andrew esteja com sua faculdade mental preservada. Tudo que consta na acusação me parece meio vago. Ela precisa ser ouvida para esclarecer sua visão sobre os fatos — conclui Severo.
Claudia chegou a ser presa em regime convencional, mas teve a medida convertida em domiciliar por conta de avaliações de debilitação na saúde. Ela foi diagnosticada paraplégica como sequela de uma infecção.
Segundo a promotoria, durante o cumprimento da medida, Claudia teria violado a restrição ao espaço domiciliar por mais de um episódio. Nesta quinta-feira (26), depois dos relatos realizados na audiência de terça, a Justiça determinou o monitoramento eletrônico por tornozeleira da ré.