Há meio ano, familiares de Rubem Heger, 85 anos, e da esposa Marlene Heger, 53, lidam com as incertezas sobre o que motivou o desaparecimento do casal. Os dois sumiram no fim de fevereiro, da casa onde viviam em Cachoeirinha, na Região Metropolitana. A investigação apontou que eles foram assassinados, mas os corpos nunca foram localizados. Uma filha e um neto do idoso são réus por homicídio e por ocultação dos cadáveres. A defesa nega que eles tenham cometido o crime.
Por vezes, Clóvis de Almeida Heger, 60 anos, ainda sonha que telefonou para o pai e conversou com ele. Desperta em meio à angústia de não ter uma resposta exata para o que aconteceu. O filho tinha o hábito de ligar até duas vezes ao dia para conversar e saber como o idoso estava.
— Sento aqui no sofá e tem uma foto minha e do meu pai, abraçado com ele. Penso todos os dias nisso. É algo que nos deixa muito magoados, muito tristes. É uma perda, mas ao mesmo tempo sem saber o que aconteceu. Se encontrassem os corpos, íamos poder enterrá-los. Fazer um velório decente. Nem isso eles tiveram — lamenta o filho.
Caminhoneiro aposentado, Clóvis seguiu os passos do pai para escolher a profissão. Já na adolescência, auxiliava no trabalho como motorista de caminhão. Além dele, Rubem tinha mais dois filhos: o mais velho, já falecido, e a caçula Cláudia de Almeida Heger, 50. É ela quem responde atualmente pelo assassinato do pai e da madrasta. O filho dela, Andrew Heger Ribas, 28, também é acusado do crime. Os dois foram as últimas pessoas vistas na moradia do casal, em Cachoeirinha, em 27 de fevereiro.
Rubem fazia tratamento para enfisema pulmonar e, segundo os familiares, pouco saía de casa, já que dependia de medicações e fazia uso de um cilindro de oxigênio. Quando foi ouvida, Cláudia alegou que levou os dois para a casa dela, em Canoas, e que de lá eles desapareceram. Essa versão, no entanto, não convenceu a polícia, que concluiu que os dois foram assassinados dentro de casa, em Cachoeirinha, e tiveram os corpos ocultados.
Câmeras de uma casa vizinha registraram o momento em que ela e o filho deixam a moradia do casal. Como o veículo possui película nas janelas, não é possível visualizar se há alguém mais dentro do carro. Clóvis relata que foi ele quem desconfiou da situação ao encontrar a casa com uma janela entreaberta, uma porta aberta e o carro de Rubem, na garagem, com o rádio ligado. A cachorrinha do casal estava morta no pátio — não foi possível apontar a causa da morte do animal. Os réus respondem também por maus-tratos contra animal doméstico.
Segundo a denúncia do Ministério Público (MP), os dois assassinatos foram cometidos com dissimulação e motivo torpe. Isso porque, no entendimento da acusação, o crime foi motivado pelo fato de Rubem ter deixado de prestar auxílio financeiro para Cláudia depois que ela se envolveu em um caso de falso sequestro em 2016. Ainda foi acrescentada a qualificadora do feminicídio em relação a Marlene, pelo fato de o crime ter sido praticado contra mulher, por razões da condição do sexo feminino, em contexto de violência familiar.
— Eram pessoas muito queridas. Todo mundo da rua se dava bem com eles. A vizinhança ficou apavorada quando soube. Fazia cinco anos que ela (Cláudia) não tinha contato com me pai. Tinha brigado com ele por telefone. Ela não contava com as câmeras do vizinho — diz Clóvis.
Domiciliar
No início deste mês, a 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça acatou o pedido da defesa de Cláudia para que ela retornasse à prisão domiciliar. Como argumento, a defesa utilizou um laudo médico que comprova que a ré está paraplégica e, em razão dos cuidados que necessita, não poderia mais ser mantida em unidade prisional. Com isso, ela regressou para a casa onde vivia anteriormente e segue na mesma situação.
Já Andrew, segundo o TJ, foi submetido à perícia em 15 de agosto e no momento o Judiciário aguarda a remessa do laudo por parte do Instituto Psiquiátrico Forense (IPF). O intuito é saber se ele é capaz de compreender os próprios atos e se pode responder pelo crime. Segundo o TJ, assim que o laudo for entregue “independentemente do resultado, deverá ser dado prosseguimento ao processo, com a designação de audiência de instrução”.
— Esperamos que eles continuem pagando pelo que eles fizeram — diz a neta de Rubem, Brenda Heger, 24 anos.
Mas queremos que justiça seja feita, que ela pague pelo que fez. Que fique na cadeia. Sabemos que ela foi para domiciliar e não sabemos até quando vai ficar assim.
MARCELO DOS PASSOS STAFFORD
Filho de Marlene
Um dos filhos de Marlene, Marcelo dos Passos Stafford, 30 anos, esteve na casa da mãe e do padrasto em Cachoeirinha um dia antes de eles sumirem. Até hoje, ele também espera por respostas sobre o que aconteceu com os dois. Depois de tanto tempo, não tem mais esperanças de revê-los com vida.
— Temos certeza de que eles não estão mais vivos. Mas queremos que justiça seja feita, que ela pague pelo que fez. Que fique na cadeia. Sabemos que ela foi para domiciliar e não sabemos até quando vai ficar assim. Queríamos saber o que ela fez com eles, onde estão os corpos, para fazer o enterro deles. Todo dia nós pensamos neles – desabafa o filho.
Defesa nega crime
Responsável pela defesa de Cláudia e Andrew, o advogado Rodrigo Schmitt da Silva sustenta que os dois não cometeram os crimes dos quais são acusados. A alegação é de que o casal passou realmente alguns dias na casa da mulher em Canoas, mas que depois deixou o local e não foi mais encontrado. Cláudia afirma que mantinha boa relação com o pai.
O advogado alega ainda que, sem o auxílio do filho, a cliente tem dependido da boa vontade de vizinhos e dos cuidados da assistência social, em razão da sua impossibilidade de locomoção por conta da paraplegia, comprovada por laudo médico. Por isso, a defesa vem tentando na Justiça que Andrew também seja encaminhado à prisão domiciliar, assim como a mãe. Por enquanto, ele segue mantido no IPF.
— A posição da defesa continua sendo a mesma desde o início. Sustentando a inocência dos réus. A Cláudia está sofrendo com a prisão domiciliar longe do filho, privada de suas assistências básicas de saúde, e sem contar com o auxílio físico do filho. E o filho sem contar com auxílio mental da mãe, que é necessário para que ele tenha alguma melhora no seu estado mental — diz o advogado.