Dentro da casa onde vivia há cinco anos no bairro Niterói, em Canoas, Cláudia de Almeida Heger, 50 anos, falou a GZH na última quarta-feira (8). Naquele momento, a mulher e o único filho Andrew Heger Ribas, 28, estavam em prisão domiciliar — no fim do mesmo dia a Justiça determinou que eles retornassem à prisão. Os dois são réus pelos assassinatos de Rubem Heger, 85 anos, e Marlene Stafft Heger, 53. O casal está desaparecido desde 27 de fevereiro, mesmo dia no qual recebeu visita da filha e do neto do aposentado.
Cláudia recebeu a equipe na sala, numa cadeira de rodas, porque, segundo seu relato, não consegue mais movimentar as pernas após agressões sofridas na Penitenciária Feminina de Guaíba. Diabética, alegou também que na prisão não recebeu medicação adequada para a doença e que, por isso, seu estado se agravou. A Superintendência dos Serviços Penitenciários afirmou que não foi notificada oficialmente sobre denúncia envolvendo a apenada e que ela recebeu cuidados médicos (confira a nota na íntegra abaixo).
Ao longo de uma hora e meia, a mulher narrou parte de sua história de vida, disse ter ajudado os familiares economicamente e relatou os fatos envolvendo o desaparecimento. Andrew não conversou com a reportagem porque, segundo a mãe, não se comunica verbalmente em razão da esquizofrenia. Durante maior parte da entrevista, permaneceu num sofá jogando no celular.
Formada em Direito, Cláudia apontou nomes, repetidas vezes, de possíveis responsáveis pelo desaparecimento — a polícia diz que todos foram investigados e nada se encontrou nesse sentido. A investigação concluiu que filha e neto assassinaram os familiares e sumiram com seus cadáveres. Na parede da moradia do casal, a perícia encontrou vestígios de sangue compatíveis com o do idoso. No carro da filha, onde acreditam que foram transportados os corpos, não foi localizado sangue humano.
A polícia, e agora o Ministério Público (MP), apontaram diversos motivos que levaram os dois a se tornarem suspeitos. O principal deles é o fato de que foram os últimos a estarem na moradia do casal. Câmeras do outro lado da rua — Cláudia admitiu na entrevista que não tinha conhecimento sobre a existência delas — , gravaram o momento em que ela e o filho chegam à casa, colocam colchões na porta da garagem, impedindo a visualização do interior, e mais tarde saem com o veículo, sem que se possa identificar se Rubem e Marlene estão no carro.
Na denúncia contra os dois, o MP afirma que Cláudia não mantinha boa relação com o pai. Um falso sequestro em 2016, pelo qual a mulher responde processo, é apontado como o fator do rompimento, e um dos motivos que teria levado ao planejamento do crime. Familiares do casal ouvidos por GZH sustentam que Cláudia não mantinha relação próxima com o pai e não costumava visitá-lo. Estranharam que ela tivesse ido até a moradia naquela data e mais ainda que o idoso pudesse ter saído de casa, já que necessitava de medicação diária e oxigênio.
A filha narrou situação diversa a GZH, assim como fez à polícia. Negou que tenha forjado o sequestro em 2016, e manteve a versão de que foi mesmo vítima do crime. Novamente, alegou estar sendo alvo de perseguição. Na manhã de quinta-feira (9), Cláudia e Andrew foram detidos em casa, após a Justiça entender que ela descumpriu a prisão domiciliar ao participar presencialmente de uma entrevista numa emissora de rádio de Canoas. O filho deve ser internado no Instituto Psiquiátrico Forense (IPF), onde perícia verificará sua sanidade mental.
Confira abaixo trechos da entrevista:
Como era sua relação com seu pai?
Meu pai sempre dormiu só na minha casa. O pai é muito seletivo, onde dorme. Na minha casa foi um lugar onde ele sempre se sentiu confortável. Eu ia visitá-lo sempre, uma, duas, três vezes na semana, dependendo de como ele me pedia para ir. No domingo (27 de fevereiro), não foi diferente.
A polícia aponta que os colchões foram colocados na garagem para impedir a visualização do que acontecia dentro. O que houve?
O pai é muito caprichoso, mas gosta de guardar as coisas. Tem uma peça nos fundos, cheia de coisas. Ele queria que eu arrumasse. Como ele comprou um boxe, ele tinha quatro boxes (de cama), disse "Claudia, vamos dar uma destinação para tudo isso". Ajudei a botar os dois colchões para a rua. Ele sempre atrás de mim "não deixa a cachorra chegar perto". Tinha o maior cuidado para os boxes ficarem em pé. (Os boxes permaneceram cerca de 15 minutos em frente ao carro de Cláudia, impedindo a visualização da garagem).
E o que houve depois?
O pai queria vir no carro dele aqui para casa e deixar o meu na casa dele. Eu não queria porque como faço atendimentos da ONG às vezes tenho de sair com meu carro de noite. Então, dei uma desculpa: "Ah não pai, teu carro não tá com barulho legal". Ele aceitou. A ideia era de que eles viriam ficar aqui alguns dias, não me disseram quantos. A Marlene veio com uma sacola de roupas e os remédios que o pai usava.
Ele trouxe os remédios? A polícia e teus familiares alegam que não.
Ele não era dependente do oxigênio. (A polícia afirma que Rubem adquiria de um revendedor cerca de três cilindros de oxigênio por semana). Tinha uma bombinha que ele usava quando precisava e mais alguns remédios que ela trouxe num saquinho.
E depois disso, como vieram até aqui, o que fizeram?
Meu pai e a Marlene vieram atrás no carro, bem sentados. Viemos direto, pela freeway. Isso inclusive eu disse para a polícia o trajeto que eu fiz. Chegamos aqui, fomos comprar carne, fizemos churrasco, passamos o domingo. Meu pai e o Andrew ficaram até altas horas jogando cartas. E foi isso, passamos um fim de semana agradabilíssimo, sempre fazendo comida. Estava ensinando a Marlene a fazer fotos das comidas, porque ela estava fazendo uns salgados para vender. Ela chegou a publicar no Face dela (familiares dizem que as imagens publicadas no perfil de Marlene foram retiradas de anúncios na internet).
Chegaram a fazer alguma foto juntos aqui?
Fizemos fotos somente das comidas. Não estávamos preocupados em mostrar para ninguém. A gente estava num momento feliz em família. Não tinha preocupação em ter provas de que eles estavam aqui.
Teve alguém da vizinhança que viu e que possa confirmar tua versão de que eles estiveram aqui?
Tem uma vizinha que até convidei no domingo mesmo, para vir comer aqui, mas ela estava cansada e não veio. E Marlene disse: "Ah, Cláudia, queria que ficasse só nós". Ela é meio envergonhada. Quanto a vizinhos, a gente não sai muito para a rua. Nossa vida é aqui dentro.
E em que momento eles sumiram?
Tenho enxaqueca desde os três anos de idade. Na madrugada de segunda para terça-feira, eu estava dormindo aqui nessa cama, e eles no meu quarto. Ela (Marlene) fez chá para mim, fez compressa na cabeça e não aliviou. De manhã, eu disse: "Eu vou na UPA tomar uma medicação mais forte." E foi o que eu fiz. Acho que já era meio-dia, por aí. E quando eu cheguei na UPA recebi mensagem da Marlene: "A gente vai ir para a casa de um amigo". Queria que eles continuassem aqui. Ela disse: "A gente vai para a casa do Mauro e vamos a Rio Branco". Última mensagem que recebi.
E o que era Rio Branco, onde?
Não sei. Mas foi a mensagem que eu recebi. A mensagem que está no meu celular. Não dei muita bola. Meu pai é daqueles que se está sentado num lugar e decide ir num lugar, ele vai ir. Sempre foi assim. Na hora, não me preocupei, realmente.
A senhora conhecia esse amigo? Já havia ouvido falar?
Muito vagamente. O pai tinha muitos amigos, tem muitos, muitos amigos. Por isso que eu não, para mim foi normal. Na hora eu não estranhei.
Em relação ao sumiço do teu pai, o que vocês fizeram para tentar achá-lo?
Fui bombardeada, desde a terça-feira de Carnaval. Meu pai estava aqui na minha casa o final de semana inteiro, falando com a família. Tem fotos no Face da Marlene das comidas que a gente fazia aqui. Então, até terça-feira de manhã meu pai e a Marlene estavam falando com a família inteira (familiares afirmam que receberam mensagens do celular, mas que quando tentavam retornar as ligações eles não atendiam). Como podem dizer que meu pai morreu domingo?
Eu não sinto que meu pai está morto. Meu coração diz que meu pai está vivo. Então, tudo que eu quero é encontrar meu pai, ver ele bem, poder dar um abraço nele, trazer ele para casa, acordar desse pesadelo.
O que acredita que tenha acontecido?
Vi muitas pessoas dizendo que eu não chorei. Eu não sinto que meu pai está morto. Meu coração diz que meu pai está vivo. Então, tudo que eu quero é encontrar meu pai, ver ele bem, poder dar um abraço nele, trazer ele para casa, acordar desse pesadelo, porque ninguém merece passar o que eu passei nos últimos tempos. Isso me prejudicou muito. Não fui só eu, minha ONG sofreu um abalo grande. O que eu quero realmente é que a polícia investigasse onde está meu pai. Mas isso não foi feito. Se alguém tirou meu pai daqui, se alguém fez alguma coisa para o meu pai, não fui eu. E nesse momento o que eu mais queria é que meu pai estivesse aqui porque eu preciso dele. Só eu sei o que passei desde o dia da minha prisão.
Contraponto
A Susepe se manifestou por meio de nota sobre o caso. Confira:
"A Susepe não foi notificada oficialmente sobre nenhuma denúncia envolvendo a apenada. Ressalta-se que, durante o período em que esteve recolhida, não houve registro de ocorrências em que a integridade física de Cláudia fosse comprometida. A assistência material, o atendimento médico e as medicações foram fornecidos pela casa prisional, sendo garantidos sua dignidade e seus direitos fundamentais. Frisa-se que após a entrada na Penitenciária Estadual Feminina de Guaíba (PEFG), em 06/05/2022, fora constatado o quadro de diabetes e hipertensão, recebendo, conforme registros oficiais, atendimentos na UBS, além de junto a rede hospitalar, que conduziu os tratamentos necessários até a alta médica. Todo o indicativo na Nota de Alta Hospitalar fora atendido. No dia 04/06/2022, foi posta em Prisão Domiciliar, conforme Ofício emitido pela 1ª Vara de Execução Criminal de Cachoeirinha."