No fim da tarde desta quarta-feira (29), o julgamento de três réus por ataque a judeus em Porto Alegre entrou na fase de oitivas das testemunhas de defesa. Nessa etapa, devem falar até seis pessoas, entre elas amigos do réu Israel Andriotti da Silva. Além dele, são julgados Valmir Dias da Silva Machado Júnior e Leandro Maurício Patino Braun, pelo crime de tentativa de homicídio contra uma das três vítimas de agressões. O ataque aconteceu em 8 de maio de 2005, no bairro Cidade Baixa, na Capital.
Às 17h26min se iniciou depoimento da primeira testemunha de defesa, o vendedor Ronaldo Bueno, 48 anos, morador de Porto Alegre, ex-colega de trabalho de Israel. Em razão da relação de amizade entre os dois, a juíza optou por ouvi-lo como informante. O depoimento breve foi realizado por meio de videoconferência.
— Na minha cabeça, eu não acredito. Conheci ele um pouquinho depois dessa data. Não acredito, sabe, que falam para mim. A pessoa que eu conheci, isso pra mim não existe — disse o vendedor sobre as acusações em relação a Israel.
O advogado José Paulo Schneider dos Santos indagou se Israel demonstrava ser preconceituoso com colegas de trabalho. O informante abonou a conduta do réu e disse que ele se dava bem com todos os colegas, independente de raça e gênero. Afirmou que nunca o viu fazendo apologia ao nazismo.
— Nunca, nunca, nunca — enfatizou, emocionado.
O depoimento foi encerrado às 17h44min.
Logo depois, passou a ser ouvida uma amiga de Israel, Jorgia Cunha, também como informante. Ela relatou que naquela noite anterior ao crime, Israel estava participando de uma confraternização de familiares.
— A gente ficou até mais tarde, eu vim para casa, minha filha dormiu, fui para casa quando ela dormiu. Meia-noite, perto de meia-noite, um pouco mais. Não tenho como precisar um horário, mas perto disso — afirmou.
Santos questionou sobre a conduta de Israel na época e a informante disse que ele sempre foi tranquilo e trabalhava. Afirmou também que nunca viu materiais de apologia nazista ao frequentar a casa do amigo. O advogado questionou se alguma vez Israel demonstrou ser uma pessoa preconceituosa ou discriminatória.
— Na minha rua (onde vivia quando criança), mais da metade é negra. E eram os mesmos amigos, nós dividíamos as mesmas amizades. Não tem como. Nunca — respondeu.
Jorgia disse que conviveu com o réu boa parte da infância e juventude. O advogado questionou se, já que a amiga não relata ter visto nenhuma atitude discriminatória e agressiva por parte do réu, se havia possibilidade de Israel levar uma vida dupla, escondendo a identidade de skinhead e neonazista.
— Ele tinha medo até de ir no banheiro quando assistia filme de terror com a gente, teria pego e esfaqueado alguém. Não acredito nisso — afirmou.
As demais defesas optaram por não fazer perguntas para a informante. Pelo Ministério Público, o promotor Luiz Eduardo Azevedo questionou se a amiga de Israel falou à polícia, relatando que estava com o réu na festa naquela noite.
— A senhora é um álibi. Por que nunca prestou depoimento na polícia? — indagou o promotor.
— Se eu tivesse sido procurada, teria ido. Nunca me procuraram. (...) A gente não tinha vivência no mundo do crime, acredito que foi despreparo total de todo mundo — respondeu.
O promotor questionou se a amiga do réu nunca soube que ele foi indiciado por panfletagem de material neonazista e se nunca soube que Israel era skinhead. A informante negou mais uma vez. Na sequência, o promotor mostrou bandeiras nazistas, livros e um carrinho, e questionou se nunca viu esses materiais na casa de Israel.
— Não, nunca — voltou a dizer.
A promotora Lúcia Helena Callegari indagou se no horário das 2h30min de 8 de maio de 2005, quando ocorreu o crime, a informante estava na companhia de Israel e ela negou. A promotora mostrou roupas camufladas, no estilo militar, e indagou se em algum momento a informante viu Israel com essa vestimenta.
— Não. Mas meu marido tem uma igual, e nem por isso é skinhead — respondeu.
Logo depois, a promotora mostrou uma bandeira com suástica, um colar com um pingente de uma cruz de malta e uma placa escrito "skinheads RS". A informante negou ter visto qualquer um dos materiais. A promotora questionou a informante se ela sabia que Israel admitiu em julgamento anterior que fez parte de grupo neonazista.
— Se fazia, nunca foi do meu conhecimento e não era uma coisa que ele demonstrasse publicamente para as pessoas do convívio dele — respondeu.
Na sequência, quando a assistência de acusação iniciou os questionamentos, houve tensão com a defesa de Israel. Logo depois, a advogada Helena SantAnna, que atua na acusação, perguntou à informante sobre as relações de amizade de Israel.
— A senhora já viu o Israel convivendo com algum judeu?
— Não.
— Aqui os movimentos skinheads, os focos são judeus e homossexuais — pontuou a advogada.
Logo depois, Helena apresentou alguns cartões que teriam sido trocados entre Israel e a ex-companheira, mãe da filha dele. Nos cartões, havia suásticas desenhadas e menções a "white family" (família branca). Por fim, foram feitas pela juíza perguntas de jurados. Um deles questionou se é possível afirmar que depois da comemoração na casa da mãe de Israel se o réu poderia ter saído. A informante respondeu que não poderia afirmar, mas que acreditava que não. O depoimento foi encerrado às 19h24min.
No intervalo antes da próxima testemunha, a defesa de Israel pediu que fosse dado tempo aos jurados para que lessem o trecho do processo onde consta o que foi apreendido na casa dos réus. A solicitação foi feita porque durante os questionamentos a acusação mencionou inicialmente uma jaqueta de couro e depois constatou que havia sido encontrada na casa de outro réu. O pedido foi atendido pela juíza.
Ainda há mais quatro testemunhas pelas defesas, mas o advogado de Israel já sinalizou que deverá desistir de pelo menos uma das oitivas. Depois disso, na quinta, o júri deve entrar na fase de interrogatórios dos réus. Logo depois, serão realizados os debates entre acusação e defesa. O julgamento pode se estender até sexta-feira (31).
Contrapontos
O que diz a defesa de Israel Andreotti da Silva
Os advogados José Paulo Schneider dos Santos, Matheus da Silva Antunes e João Augusto Ribeiro Kovalski enviaram nota, na qual sustentam a inocência do cliente e alegam que Israel nunca teve posição de liderança nesses grupos neonazistas. A defesa sustenta que o réu chegou a integrar um grupo, mas se retirou antes de 2005. Confira a nota:
"A defesa de Israel Andreotti da Silva aguarda há quase 18 anos o desfecho deste injusto processo. Adverte-se que, durante o julgamento, serão apresentadas provas da inocência de Israel, sobretudo os áudios constantes no processo, que explicam, de maneira detalhada, a dinâmica e quem foram os verdadeiros responsáveis deste bárbaro crime. Será demonstrando, ainda, que Israel jamais exerceu liderança nos grupos investigados, sendo que a própria denúncia não lhe atribui tal fato. Ademais, será provado que, à época dos fatos, Israel não possuía qualquer tipo de contato ou ligação com as pessoas investigadas. Por fim, esta defesa confia nos Jurados e Juradas do Porto Alegre/RS que, com tranquilidade, responsabilidade e coerência irão desfazer aquele que é o maior e mais longo erro da história do judiciário gaúcho".
O que diz a defesa de Valmir Dias da Silva Machado Júnior
Os advogados Manoel Pedro Castanheira e Gustavo Gemignani enviaram nota, na qual também afirmam a inocência do cliente. Confira:
"A defesa de Valmir Dias da Silva Machado Júnior, por seus procuradores Manoel Pedro Castanheira e Gustavo Gemignani, afirma que será, na defesa em plenário, que se comprovará a total inocência de seu cliente, com a prova já apresentada no processo, desde seu início. Reafirma a total confiança de que será feita a justiça a Valmir."
O que diz a defesa de Leandro Maurício Patino Braun
Procurado, o advogado Rodrigo de Lima Noble optou por não se manifestar sobre o caso.
Outros julgamentos
- Em 15 de setembro de 2018, Thiago Araújo da Silva e Laureano Vieira Toscani foram condenados por tentativa de homicídio e duas lesões corporais a 13 anos de prisão, e Fábio Roberto Sturm, a 12 anos e oito meses.
- Em 23 de março de 2019, Daniel Vieira Sperk e Leandro Comaru Jachetti foram sentenciados a 14 anos de prisão. O mesmo Conselho de Sentença desclassificou a tentativa de homicídio imputada a um sexto réu para lesões corporais e foi declarada extinta a punibilidade do crime por prescrição.
- Cinco réus não foram pronunciados pela tentativa de homicídio e, portanto, não serão julgados pelo Tribunal do Júri.