Em agosto de 2018, no domingo do Dia dos Pais, Francine Rocha Ribeiro, 24 anos, saiu de casa para uma caminhada no Lago Dourado, ponto turístico de Santa Cruz do Sul, no Vale do Rio Pardo, e não retornou. O sumiço culminaria com a descoberta de um crime brutal. A jovem foi estuprada, espancada e asfixiada até a morte, nos arredores da pista onde se exercitava. Preso preventivamente há quatro anos, Jair Menezes Rosa, 62 anos, retornou à cidade nesta sexta-feira (18) para ser julgado pelo feminicídio.
O réu, que é mantido no Presídio Estadual de Candelária, município a cerca de 40 quilômetros dali, chegou ao Fórum de Santa Cruz do Sul por volta das 9h, escoltado pela equipe da Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe). A sessão teve início às 9h30min, com o sorteio dos jurados que integrariam o Conselho de Sentença. Quatro homens e três mulheres compõem o júri que decidirá se o réu é ou não culpado pelo crime.
Os pais de Francine preferiram não acompanhar a sessão, para evitar reviverem mais uma vez a tragédia. A mãe, Eronilda Machado, que até hoje mantém intactos os pertences da filha, contou que decidiu aguardar pelo desfecho do júri em casa. Até aquele domingo de agosto, mãe e filha e dividiam inclusive a cama, onde dormiam juntas.
— A gente optou por não ir. Para não ver tudo que aconteceu com ela — disse.
Embora na época o crime tenha provocado manifestações no município, nesta sexta-feira não houve protestos nos arredores do Fórum. Mas familiares de outra vítima de feminícidio, que também consternou Santa Cruz do Sul recentemente, acompanharam a sessão. Heide Juçara Priebe, 63 anos, foi morta a tiros logo após sair do trabalho, em julho deste ano. O ex dela, que não aceitava o fim do relacionamento, foi preso e confessou o assassinato, flagrado por câmeras. Por se tratar do mesmo tipo de crime, contra mulheres, dois filhos de Heide estiveram no julgamento como forma de prestar apoio à família de Francine.
Emoção
Irmã da vítima, Franciele Rocha Ribeiro, 28, chegou ao julgamento acompanhada de familiares. Testemunha de acusação, a gêmea de Francine foi a primeira a ser ouvida. Emocionada, fez seguidas pausas durante o depoimento e chorou ao recordar o momento em que localizaram o corpo da irmã, na manhã seguinte ao sumiço. Neste momento, precisou receber um copo de água, antes de seguir com a fala.
A professora falou sobre a descoberta do assassinato, sobre como era Francine e como a perda dela afetou os familiares. Disse que a jovem vivia o melhor momento de sua vida, quando foi morta. Contou ainda que hoje é mãe de um menino de três anos, que tem os olhos idênticos ao de Francine.
— Dói ver que ele não pôde conviver com a tia dele — lamentou.
Advogado de defesa do réu, o criminalista Mateus Porto, decidiu não fazer perguntas para a irmã da vítima.
Investigação
Logo depois, passou a ser ouvida a delegada Lisandra de Castro de Carvalho, que era titular da Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam) quando o crime aconteceu. Ao responder questões da juíza Márcia Inês Doebber Wrasse e do promotor Flávio Eduardo de Lima Passos, relembrou como foi a apuração do caso e as hipóteses investigadas. Contou que dois caçadores apontaram inicialmente o nome de Jair, como a pessoa vista saindo do matagal em horário compatível com a do crime.
A defesa do réu fez questionamentos sobre a coleta da amostra de material genético de Jair para o exame de DNA. Essa perícia técnica foi considerada essencial pela investigação para apontar o suspeito como autor do crime. A delegada reiterou a confiança no resultado da análise pericial. Lisandra relembrou ainda que o réu chegou a dizer aos policiais que havia material genético dele no corpo da jovem porque tinha sido obrigado por outro homem a manter relações com a vítima. Essa versão que não convenceu os investigadores.
Delegado regional, que também conduziu a apuração do caso, Luciano Menezes foi ouvido na sequência. Assim como a delegada, narrou como se deu a ação da polícia. Durante a investigação, os agentes chegaram a suspeitar de outro homem, que tinha histórico por estupro, e mantinha familiares no bairro Várzea, que dá acesso ao lago. Mas a apuração acabou afastando a possibilidade de envolvimento dele no crime. Também foi realizada coleta de DNA desse suspeito, que não foi compatível com a retirada do corpo da vítima.
Réu nega crime
No início da tarde, após uma hora de intervalo para almoço, passou a ser interrogado o réu, que mais uma vez negou ter sido o autor do crime. Jair alegou que, enquanto pescava nas proximidades do lago, deparou com um homem armado que teria rendido Francine, e que ele lhe obrigou a seguir com os dois até outro ponto. Ele narrou que esse homem teria imobilizado e espancado a jovem, com chutes. Disse ainda que foi esse mesmo criminoso que teria lhe obrigado a se masturbar próximo da vítima, o que, na versão dele, explicaria a presença de material genético.
— Esse material que dizem que encontraram talvez no chão, isso concordo — disse.
Indagado pela juíza, confirmou que costumava frequentar o matagal, mas que não ia até as proximidades do Lago Dourado com frequência.
— Tenho três filhas. Jamais faria isso — alegou.
A mesma versão, de que o réu é inocente, deve ser sustentada pela defesa durante os debates, fase que teve início logo após o interrogatório. Cada parte tem uma hora e meia para apresentar seus argumentos, iniciando pelo Ministério Público e o assistente de acusação, o advogado Roberto Alves de Oliveira.
Caso haja pedido de réplica e de tréplica, tanto acusação como defesa terão mais uma hora. Por último, os jurados se reúnem em sala reservada e decidem se o réu é ou não culpado. A expectativa é de que a sentença seja conhecida por volta de 21h desta sexta-feira.
Os crimes
Jair responde por homicídio qualificado, pelo meio cruel, pelo uso de recurso que dificultou a defesa da vítima, em razão de ter cometido homicídio para ocultar outro crime, no caso o estupro, e pelo feminicídio. O réu também é acusado do estupro e de furto, já que teria, segundo a acusação, levado da vítima celular, óculos de grau e uma blusa.