Mãe de três filhos, Heide Juçara Priebe, 63 anos, era uma mulher cheia de vida, que costumava preencher os ambientes por onde passava. No trabalho na 13ª Coordenadoria Regional de Saúde, no qual atuou por cerca de 20 anos, em Santa Cruz do Sul, buscava ser ágil para auxiliar os pacientes que necessitavam de leitos e era apegada aos colegas. Na última sexta-feira (8), a trajetória dela foi interrompida de forma trágica. Heide foi assassinada a tiros quando retornava do trabalho. O ex-companheiro, Servo Thomé da Rosa, 69, foi preso e admitiu o crime, flagrado por câmeras de segurança.
Filha de agricultores, Heide cresceu na área rural de Candelária, também no Vale do Rio Pardo, na localidade de Linha do Rio. Morou lá até a adolescência, quando se mudou com os pais para Santa Cruz do Sul. Na cidade, concluiu os estudos numa escola particular, o Colégio Mauá. Quando jovem, trabalhou no comércio, como atendente em algumas lojas da cidade. Depois, já casada, passou a se dedicar à criação dos três filhos: Aline, Franklin e Jean.
Com os filhos já crescidos, conseguiu ser aprovada em concurso público para trabalhar na 13ª Coordenadoria Regional de Saúde, em Santa Cruz do Sul. Ali atuou na área administrativa, onde desempenhou diferentes funções. A mais recente envolvia a regulação de leitos para pacientes da região.
— Ela gostava muito de ajudar as pessoas. Tinha muita empatia. E era dedicada aos pacientes — recorda a filha mais velha Aline Fetzer, 43 anos.
Heide foi casada ao longo de cerca de 26 anos com Elimar Fetzer, pai dos três filhos, mas se separou havia cerca de 20 anos. Há 12 anos ela adquiriu a própria casa num condomínio onde residia até então. Bastante dedicada à família, era ela quem ajudava a cuidar dos pais Ilca Arnilda Priebe, 90, e Hardi Carlos Priebe, 87.
— Cuidava deles, dos remédios, tratamentos. Vinha todos os dias aqui na casa deles. Meus avós estão sofrendo muito. Eles choram e pedem por ela. Somos uma família muito unida — diz a filha.
Em abril, Heide ajudou nos preparativos do aniversário de 90 anos da mãe, que foi a última festa em família. Simpática, ela também adorava sair com as amigas e dançar. Vaidosa, gostava de se maquiar, escolher roupas e sapatos, pintar as unhas e escovar os cabelos. Em casa, entretinha-se também com trabalhos artesanais, enfeitava a casa para o Natal e era a responsável por confeccionar enfeites para os colegas.
— Ela tinha ligação muito forte com os colegas. A coordenadoria deu a independência financeira dela. A casa que ela comprou foi uma conquista. Queria muito ter a casa dela. E ela gostava de trabalhar com a comunidade, sempre ajudando — recorda Aline.
Após a perda, os filhos se apegam nas lembranças, como as viagens em família e as confraternizações. No início de junho, Heide foi com os filhos e a única neta para Pelotas, para visitar a Fenadoce. Adorou a festa, embora sua paixão mesmo fosse a Oktoberbest de Santa Cruz do Sul. Já estava se programando para confeccionar um novo traje típico para a festa. Um dos últimos que vestiu era rosa, sua cor favorita.
Na manhã de sexta-feira (8), antes de sair para o trabalho, Heide se despediu do filho Franklin, com quem dividia a moradia.
— Tchau, mano – disse.
— Tchau, mãe – respondeu Franklin, nas últimas palavras que trocou com ela.
— Ela adorava a vida e o trabalho dela. Tinha orgulho do trabalho. Fazia de tudo para que se agilizasse, para que as pessoas doentes não sofressem tanto. A mãe foi fenomenal. Tinha amor pela família, pelos pais. A mãe era um exemplo. Deixa um legado muito bom. Ela tinha um brilho, um dom, uma bondade. Não tinha maldade. A mãe só queria ser amada. Entendeu que talvez aquela pessoa poderia dar amor. E infelizmente aconteceu isso. Minha mãe não morreu. Ela foi assassinada — desabafa o filho Franklin, que mandou cobrir o caixão com rosas numa última homenagem.
Perseguição e medo
Heide conheceu Servo no condomínio onde eles residiam – ele trabalhava como pedreiro no local. Durante o relacionamento, que durou cerca de três anos, o homem frequentou as confraternizações da família e não demonstrava agressividade. Ao longo da relação, ele teria começado a controlar sempre que a companheira usava o celular. Em um desses episódios, Heide relatou que ele lhe empurrou sobre a cama. Naquele momento, decidiu dar fim ao relacionamento, mas ele não aceitava. Após a separação, em dezembro de 2021, a situação, segundo os filhos, passou a se complicar.
— Ele a perseguia no condomínio, queria saber onde andava. Fez algumas ameaças. Não deixava ela em paz. Não aceitava o fim. Ele sabia como era o dia a dia dela — relata Aline.
No dia 4 de julho, o ex-companheiro chegou a ir até a janela da casa de Heide, enquanto ela dormia de madrugada. Naquele dia, ela contou ao filho Franklin Fetzer, 40 anos, que estava apavorada com a perseguição e que sabia que o ex mantinha uma arma em casa. Neste momento o filho convenceu a mãe e foi com ela até a polícia.
— Ela vinha sofrendo ameaças há um bom tempo. Ele rondava, ficava perseguindo. Se atirou na frente do carro dela. Ele tinha obsessão. Fez o inferno na vida dela. Ela estava com muito medo. Não dormia mais. Estava se vigiando. Ela não queria ir para nenhum lugar. Ela nunca tinha me falado que ele tinha uma arma — conta o filho.
No boletim de ocorrência, Heide indicou que o ex tinha "rompantes de agressividade" e que temia por sua integridade por não saber do que ele seria capaz e porque ele possuía arma de fogo. Depois do registro, Heide obteve no mesmo dia medida protetiva, que determinava que o ex não poderia se aproximar dela, e de seus familiares, nem manter contato. Quatro dias depois, ela foi assassinada a tiros, com o revólver de calibre 22 que ele mantinha em casa.
— Por que não retiraram a arma dele de imediato? Ela respondeu um questionário, onde indicava que ele tinha arma. Se a mulher está com medo, é porque algo está errado. Talvez se não fosse com essa arma, ele teria arranjado outra. Mas poderia ter sido evitado — lamenta Franklin.
A Polícia Civil afirma que no boletim, que foi o primeiro registro, Heide não chegou a relatar ameaças e que não houve solicitação da prisão preventiva antes do fato porque não houve descumprimento da medida protetiva. O autor confesso, que admitiu o crime em depoimento, está detido no Presídio Regional de Santa Cruz do Sul.
Manifestação
A família realizará uma caminhada em protesto pelo crime no próximo domingo (17). A saída está prevista para ocorrer às 14h, Praça Getúlio Vargas. Os manifestantes devem seguir em direção à 13ª Coordenadoria Regional de Saúde, onde ela trabalhava, e depois até o local onde Heide foi assassinada, na Travessa Tenente Barbosa.
Onde pedir ajuda
Brigada Militar
- Telefone - 190
- Horário - 24 horas
- Serviço - atende emergências envolvendo violência doméstica em todos os municípios. Para as vítimas que já possuem medida protetiva, há a Patrulha Maria da Penha da BM, que fiscaliza o cumprimento. Patrulheiros fazem visitas periódicas à mulher e mantêm contato por telefone
Polícia Civil
- Endereço - Delegacia da Mulher de Porto Alegre (Rua Professor Freitas e Castro, junto ao Palácio da Polícia), bairro Azenha. As ocorrências também podem ser registradas em outras delegacias. Há DPs especializadas no Estado
- Telefone - (51) 3288-2173 ou 3288-2327 ou 3288-2172 ou 197 (emergências)
- Horário - 24 horas
- Serviço - registra ocorrências envolvendo violência contra mulheres, investiga os casos, pode solicitar a prisão do agressor, solicita medida protetiva para a vítima e encaminha para a rede de atendimento