Um caderno encontrado pela polícia dentro da casa onde vivia um homem preso por feminicídio em Santa Cruz do Sul é mais um indicativo de que o crime teria sido premeditado. Na última sexta-feira (8), Heide Juçara Priebe, 63 anos, morreu após ser atingida por dois disparos enquanto caminhava pela Travessa Tenente Barbosa, no Centro, no município do Vale do Rio Pardo. O ex-companheiro dela, Servo Tomé da Rosa, 69 anos, foi preso em flagrante no mesmo dia. Ouvido na segunda-feira (11), ele admitiu o crime, que foi registrado por câmeras de segurança da área central do município.
O material foi apreendido na sala da residência, na manhã desta quarta-feira (13), durante o cumprimento de mandado de busca. Servo vivia no mesmo condomínio onde morava a vítima, mas em casa separada. Os dois mantiveram relacionamento por cerca de três anos e haviam se separado em dezembro. Mas, conforme a polícia, ele não aceitava o fim da relação.
Ao ser interrogado na última segunda, segundo a delegada Raquel Schneider, da Delegacia da Mulher de Santa Cruz do Sul, Servo citou a existência de um caderno, mas não relatou que o crime teria sido premeditado.
— Ele disse que teria sido ameaçado por uma pessoa ligada a Heide para que parasse de perturbá-la e que anotou isso no caderno. Ali desconfiamos que poderia haver algo mais nesse caderno. Representamos por mandado de busca e hoje (quarta) fomos na casa dele e encontramos o caderno. Fica claro que ele premeditava esse crime há alguns dias — explica a delegada.
A primeira data anotada no caderno é 29 de janeiro, quando o ex-companheiro já culpa Heide por qualquer coisa que venha a lhe acontecer. Depois, em março, ele volta a escrever e, na sequência, há diversas folhas arrancadas. Em 17 de junho, recomeça a escrever e, conforme a delegada, cita que pretende matar a ex e se suicidar. Ao longo de vários dias continua escrevendo.
— No dia 7 (de julho) escreve que “hoje vai acabar tudo, infelizmente”. E coloca todo o planejamento. Depois diz que não deu certo e mais uma vez foi adiado. No outro dia, 8, quando efetivamente ocorre o crime, ele não escreve nada — narra a delegada.
O feminicídio aconteceu logo após ela deixar o trabalho, por volta das 17h, no momento em que caminhava até o local onde costumava deixar o carro estacionado. Ali, ela foi perseguida pelo ex, ainda tentou correr, mas foi atingida por dois disparos.
No caderno, ainda conforme a policial, Servo narra que estava deprimido e pede perdão aos familiares. Durante as escritas, ele comenta o fato de que a ex registrou ocorrência contra ele naquela semana e afirma que provará sua inocência.
— São mais de 20 folhas escritas. Ao mesmo tempo em que fala que iria matar e se matar, fala que é inocente, que estava envergonhado e ia comprovar que não era verdade. Ele premeditou, isso é fato. Ele planejou. Até então, não tínhamos essa certeza. Ele não relatou assim, mas o caderno deixa isso claro. Ele não aceitava o fim desse relacionamento — afirma a delegada.
Medida protetiva
No início da semana passada, na segunda-feira anterior ao crime, Heide chegou a ir até a delegacia e registrar ocorrência contra o ex. Segundo a delegada, foi a primeira vez que a mulher procurou a polícia para relatar o caso. Na mesma semana, ela chegou a obter medida protetiva, proibindo que ele se aproximasse ou fizesse contato.
— A Heide não sabia que ele já estava fazendo todo esse planejamento. Na ocorrência, ela não cita que ele estivesse fazendo ameaças de morte, por exemplo. Quando teve o descumprimento da medida, já foi no momento que ele foi até lá para cometer o homicídio. Ele conversava só com o caderno. Não chegou a falar para alguém, ao menos para ninguém que tenha chegado até nós — diz a delegada Raquel.
Quando foi interrogado na última segunda-feira, Servo ainda não sabia que a ex-companheira tinha morrido. Ele foi comunicado da morte dela pelos policiais. Heide foi atingida por dois disparos de revólver calibre 22. Um deles transfixou o braço e atingiu o pulmão, o que causou o óbito. Outro tiro atingiu a cabeça, mas o projétil não perfurou o crânio. Ela chegou a ser hospitalizada. Servo também atirou contra o próprio peito, mas foi socorrido e recebeu alta na segunda-feira. Depois, foi encaminhado ao Presídio Regional de Santa Cruz do Sul.
— As medidas protetivas tendem a ser efetivas, porém, uma vez deferida, tem de haver notícia do descumprimento para que possa se encaminhar pedido de prisão preventiva. Nesse caso não houve tempo. As mulheres precisam denunciar, precisam procurar a polícia, procurar ajuda. E outras pessoas que convivam com esse casal se tiverem conhecimento de algum fato, se perceberem mudança de comportamento, como nesse caso, que ele indicava estar deprimido, procurem a delegacia — afirma a delegada.
A polícia ainda pretende ouvir testemunhas para coletar mais informações sobre o crime e, na sequência, deve concluir a investigação.
Contraponto
Até a manhã desta quarta-feira (13), Servo ainda não havia apresentado advogado.
Onde pedir ajuda
Brigada Militar
- Telefone - 190
- Horário - 24 horas
- Serviço - atende emergências envolvendo violência doméstica em todos os municípios. Para as vítimas que já possuem medida protetiva, há a Patrulha Maria da Penha da BM, que fiscaliza o cumprimento. Patrulheiros fazem visitas periódicas à mulher e mantêm contato por telefone
Polícia Civil
- Endereço - Delegacia da Mulher de Porto Alegre (Rua Professor Freitas e Castro, junto ao Palácio da Polícia), bairro Azenha. As ocorrências também podem ser registradas em outras delegacias. Há DPs especializadas no Estado
- Telefone - (51) 3288-2173 ou 3288-2327 ou 3288-2172 ou 197 (emergências)
- Horário - 24 horas
- Serviço - registra ocorrências envolvendo violência contra mulheres, investiga os casos, pode solicitar a prisão do agressor, solicita medida protetiva para a vítima e encaminha para a rede de atendimento