Milena Borges Alves completou 45 anos no último dia 8. Apesar de não sentir mais animação para datas comemorativas, ela conta que ficou feliz com uma homenagem da irmã, que mandou um carro de som com uma mensagem que a definia como uma pessoa forte e guerreira.
O mês de seu aniversário é marcado pela lembrança triste de algo que ocorreu há dois anos. Em 19 de novembro de 2020, a cuidadora testemunhou as agressões que levaram à morte do marido, João Alberto Silveira Freitas, conhecido como Beto, então com 40 anos, no estacionamento do hipermercado Carrefour, no bairro Passo d’Areia, em Porto Alegre.
— A vida normal eu não consigo ainda. Fica muita lembrança — desabafa.
Sobre o andamento do caso na Justiça, Milena conta que liga para o advogado de vez em quando e pede atualizações. Nesta semana, em que a morte de João Alberto completa dois anos, a Justiça determinou que os seis réus pelo crime devem ir a júri popular. A decisão da juíza Lourdes Helena Pacheco da Silva, titular do 2º Juizado da 2ª Vara do Júri do Foro Central da Comarca da Capital, foi divulgada pelo Tribunal de Justiça do Estado (TJRS) nesta quinta-feira (17).
Durante a fase de audiências, a esposa de Beto prestou depoimento e pediu que os réus não estivessem presentes durante suas colocações. Ela também conta que nunca mais quis entrar no estabelecimento onde ocorreu o crime, apesar de ainda morar na região do IAPI, com a filha, de 22 anos:
— Ali eu não entro mais, não tenho mais condições psicológicas.
Milena diz que segue fazendo tratamento psiquiátrico semanalmente e toma medicação. As consultas são oferecidas pelo Carrefour, segundo ela. Apoiando-se na família, ela relata que ainda não consegue sair sozinha na rua, nem trabalhar como cuidadora de idosos.
— Eu sinto que tem muita perseguição de vizinhos. Eu já ouvi que o Beto batia em mim, isso não é verdade. A gente brigava, como um casal normal.
Perguntada sobre o que mais sente falta no marido, Milena afirma que frequentemente é tomada pelas memórias da rotina e dos lugares que os dois frequentavam:
— Sinto falta do companheirismo do dia a dia. Foram nove anos, né.
A esposa de Beto, para quem a morte do marido teve relação com o preconceito racial, diz esperar por Justiça, mas não acredita que a repercussão do caso possa mudar a sociedade:
— Para refletir até sim, mas se vai mudar (o racismo), não. Em pleno 2022, existe ainda. Isso nunca vai mudar. E nada justifica o que fizeram. As pessoas me olham, falam, comentam. O ser humano é difícil.
Após a ocorrência, em novembro de 2020, o Grupo Carrefour Brasil prestou auxílio financeiro e psiquiátrico aos familiares de João Alberto Freitas, disponibilizando, inclusive, uma assistente social e custeio de gastos do dia a dia (supermercados, aluguéis, transportes, educação, entre outros). Além disso, nove familiares (a viúva, o pai, a irmã, a enteada, a neta e os quatro filhos) foram indenizados. A empresa mantém o valor sob sigilo.