A Polícia Civil indiciou por homicídio triplamente qualificado os três policiais militares presos por suspeita de envolvimento na morte de Gabriel Marques Cavalheiro, 18 anos, em São Gabriel, na Fronteira Oeste. Os soldados Cléber Renato Ramos de Lima, Raul Veras Pedroso e o segundo-sargento Arleu Júnior Cardoso Jacobsen estão detidos preventivamente no Presídio Militar de Porto Alegre.
As três qualificadoras atribuídas ao crime são motivo fútil, emprego de tortura e uso, por parte dos PMs, de recurso que impossibilitou a defesa da vítima.
O relatório final do inquérito que investigou a morte foi divulgado na tarde desta quinta-feira (1º). O delegado José Soares Bastos, de São Gabriel, que conduziu a investigação, apresentou os detalhes em entrevista na sede do Palácio da Polícia, em Porto Alegre. Participaram da coletiva ainda o delegado regional de São Gabriel, Luís Eduardo Benites, o subchefe de polícia, Vladimir Urach, o chefe de polícia, Fábio Motta Lopes, e o diretor do Departamento de Polícia do Interior, Nedson Ramos de Oliveira.
Gabriel desapareceu no dia 12 de agosto quando foi visto pela última vez sendo colocado dentro de uma viatura da Brigada Militar após abordagem no bairro Independência, em São Gabriel, na Fronteira Oeste. O corpo do jovem foi encontrado na localidade de Lava Pé, cerca de dois quilômetros do local da abordagem.
O laudo de necropsia constatou que Gabriel morreu por hemorragia interna causada por agressão na coluna cervical. Ele também tinha marcas de agressão na cabeça.
O delegado Bastos falou sobre a ação de cada um dos PMs na ação. Segundo ele, enquanto um dos policiais teria cometido as agressões contra o jovem, o outro fazia a identificação de Gabriel. O terceiro, segundo o delegado, falava com a moradora que solicitou a viatura, por meio de telefone 190.
— Temos elementos que mostram que o Gabriel foi agredido com um tapa, caiu e bateu com a cabeça em um paralelepípedo. Depois foi agredido com um cassetete. Ele foi posto contra a vontade na viatura. Essas agressões relatadas pelas testemunhas estão muito bem concatenadas pela perícia e resultaram na morte dele — detalhou Bastos.
Conforme o delegado, a abordagem no local durou cerca de 10 minutos. Apesar de, ao menos naquele momento, apenas um dos PMs ter cometido as agressões, a Polícia Civil entende que os três são responsáveis pela ação que resultou na morte de Gabriel.
Não há nenhum indício de que qualquer um deles tenha discordado da agressão e da decisão de levá-lo ao local ermo, onde foi deixado. Em nenhum momento houve ação contrária por parte dos outros dois policiais durante a abordagem.
JOSÉ SOARES BASTOS
Delegado de São Gabriel
— A abordagem no local é feita pelos três. Temos convicção de que todos ali aderiram a conduta do PM que agrediu e algemou o jovem. Eles prestaram apoio, inclusive moral, e conta também o fato de que estavam em maior número. Não há nenhum indício de que qualquer um deles tenha discordado da agressão e da decisão de levá-lo ao local ermo, onde foi deixado. Em nenhum momento houve ação contrária por parte dos outros dois policiais durante a abordagem — destaca Bastos.
Em relação a uma possível motivação para a violência da ação, o delegado afirma que ela pode ter se iniciado porque Gabriel teria, segundo relato de uma testemunha, chamado um dos PMs de "fraco". Neste momento, ainda conforme a testemunha, ele acabou agredido com um tapa tão forte que o derrubou e, enquanto estava caído, teria levado três golpes de cassetete na cabeça.
— A motivação seria porque Gabriel estaria em situação de embriaguez. Ele também teria se dirigido a um policial o chamando de fraco. A partir daí teriam se desencadeado as agressões — explica Bastos.
Além disso, o Bastos afirma que um suposto pedido de Gabriel para que fosse deixado na localidade de Lava Pé, conforme dito pelos PMs, não se comprovou em nenhum outro elemento da investigação:
— Essa versão de que ele mesmo teria pedido para ficar ali vem da fala dos PMs. Não há nenhum outro elemento que indique esse pedido.
Conforme a polícia, a pena para homicídio qualificado, em caso de condenação, varia de 12 a 30 anos de prisão, podendo aumentar se as qualificadoras forem aceitas pelo Tribunal do Júri.
Ainda conforme a Polícia Civil, a investigação sobre um possível crime de ocultação de cadáver é de responsabilidade do inquérito policial militar (IGP), realizado pela BM. Em casos envolvendo militares, esse tipo de delito é de competência da Justiça Militar, e não da Justiça comum, para onde é remetido o inquérito da Polícia Civil. A separação ocorre conforme previsto na Constituição Federal.
Dessa forma, os três PMs já haviam sido indiciados, na segunda-feira (29), pela Corregedoria-Geral da Brigada Militar por ocultação de cadáver e também pelos crimes de homicídio e falsidade ideológica.
É justamente essa a questão que não foi esclarecida até o momento: como o corpo de Gabriel foi encontrado no açude, sendo que teria sido deixado em uma estrada rural pelos PMs. Gabriel foi localizado na água, em 19 de agosto, uma semana após desaparecer. De acordo com a perícia, ele já estava morto quando foi colocado na água.
— Também não sabemos se o jovem Gabriel morreu na viatura, se foi depois de ser deixado na localidade, por exemplo. O que sabemos é que ele morreu em decorrência dessas agressões. Portanto, o homicídio qualificado — disse o chefe de Polícia Civil.
Na visão de Motta, o contexto do caso e a violência empregada "choca" e "houve excesso" dos policiais:
— É um fato que acaba chocando a sociedade gaúcha, a exemplo de outras situações similares que já vivenciamos. Qualquer ação policial que cause esse tipo de resultado, com uma abordagem que não é técnica, que extrapola limites legais e acaba sendo violenta, vitimando alguém nesse contexto, merece repressão rápida e investigação célere, para dar respostas. Não pode ser algo admitido por parte de agentes públicos.
A Polícia Civil destacou ainda que pretende fazer, com o Instituto-Geral de Perícias (IGP), a reprodução simulada dos fatos. Mais resultados de perícias também são aguardados pelas equipes.
Sangue em viatura
Nesta quinta-feira (1º), o Jornal do Almoço revelou que a perícia encontrou sangue humano no porta-malas de uma viatura da Brigada Militar (BM) que estava em serviço na noite do desaparecimento. O veículo estava sendo usado pela equipe da patrulha ambiental de São Gabriel na madrugada de 13 de agosto, quando houve a abordagem a Gabriel.
A perícia já havia encontrado sangue humano na viatura em que estavam os três policiais que abordaram Gabriel. As duas amostras vão ser confrontadas com o material genético de Gabriel para saber se o sangue é dele. Ainda estão sendo periciados os telefones celulares apreendidos com os investigados. Segundo a Polícia Civil, se mais PMs tiverem auxiliado no crime de ocultação de cadáver, eles devem ser apontados pelo inquérito da BM e julgados pela Justiça Militar.
Relembre o caso
Natural de Guaíba, Gabriel — que tinha se mudado havia apenas 15 dias — foi abordado no começo da madrugada de 13 de agosto, no bairro Independência, em São Gabriel. Após ser levado na viatura pelos três PMs, não foi mais visto. Uma semana depois, o corpo dele foi encontrado a dois quilômetros de onde ocorreu a abordagem, dentro de um açude.
Na ocorrência, os policiais haviam registrado que revistaram Gabriel e o liberaram. Com o sumiço, foram ouvidos em inquérito policial militar e admitiram ter levado o jovem para a localidade de Lava Pé. Alegando inocência, as defesas disseram que foi ele quem pediu para ser deixado naquele local, pois estaria procurando a casa de familiares.
Contrapontos
O que diz a defesa do segundo-sargento Arleu Júnior Cardoso Jacobsen
O advogado Ivandro Bitencourt Feijó enviou nota para a reportagem:
"Jamais em processo penal devemos ter açodamento nas conclusões investigativas complexas. Infelizmente muitas perguntas ainda aguardam respostas das autoridades. Iremos demonstrar que o Sgt. Jacobsen é inocente das acusações e que as ilações produzidas nestas investigações, inclusive da Brigada Militar, foram equivocadas e injustas. Encerrou o inquérito policial sem encerrar, esperamos que não seja uma velha artimanha processual para desopilar as cobranças políticas e sociais".
O que diz a defesa dos soldados Raul Veras Pedroso e Cléber Renato Ramos de Lima
A advogada Vânia Barreto não respondeu as tentativas de contato até a publicação desta reportagem. Nos últimos dias, ela reforçou a inocência dos seus clientes.