As circunstâncias da morte de Gabriel Marques Cavalheiro, 18 anos, em São Gabriel, na Fronteira Oeste, são investigadas em dois inquéritos que correm de forma simultânea. O jovem, que desapareceu após uma abordagem da Brigada Militar (BM) em 12 de agosto, teve o corpo encontrado em um açude uma semana depois, na última sexta-feira (19). Os três policiais militares responsáveis pela abordagem — os soldados Raul Veras Pedroso e Cléber Renato Ramos de Lima e o segundo-sargento Arleu Júnior Cardoso — foram presos preventivamente e colocados à disposição das apurações.
Das investigações em andamento, uma é conduzida pela BM, em um Inquérito Policial Militar (IPM) feito pela Corregedoria-Geral da corporação. A outra é realizada pela Polícia Civil, o inquérito policial.
A apuração da BM é aberta para que se investigue um crime praticado por militares e sua autoria. Neste caso, foi aberta porque envolve PMs em serviço, que terão suas condutas apuradas. Já a investigação da Polícia Civil irá apurar indícios do que ocorreu a Gabriel.
Ao final das apurações, enquanto o inquérito da BM é remetido à Justiça Militar, o da Civil vai para a Justiça comum estadual. É o resultado das investigações que irá definir em qual das esferas o caso será julgado, conforme o professor de processo penal da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Aury Lopes Júnior:
— Se a conclusão dos inquéritos for de que houve crime doloso contra a vida do civil, no caso o Gabriel, a competência é da Justiça comum estadual, porque é o que define a Constituição. Agora, se for concluído que os policiais não tiveram envolvimento, que a vítima morreu por outra causa que não tem relação com os PMs, pode-se entender que houve falha disciplinar, por exemplo. Aí não há crime e o caso vai para a Justiça Militar. Tudo vai depender da conclusão da apuração.
A definição se baseia no Artigo 125, parágrafo quarto, da Constituição Federal, que recebeu atualização em 2004, e diz que "compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças".
De acordo com o professor de Direito Penal e Processo Penal da Pontifícia Universidade Católica do RS (PUCRS) Marcelo Caetano Guazzelli Peruchin, os PMs podem ser transferidos para um presídio estadual ou permanecer em um presídio militar, dependendo da esfera em que ocorrer a decisão judicial.
— As esferas são independentes. Uma vez havendo o pedido de decretação de prisão preventiva, representação essa que pode vir tanto da Polícia Judiciária Civil quanto do Ministério público, o Judiciário Criminal irá analisar esse pedido e uma vez decretando essa prisão preventiva, provavelmente o juízo que determinar essa prisão irá determinar o recolhimento em local próprio. O juízo criminal que determinar a prisão preventiva tem competência para designar o local de cumprimento dessa pena e, se assim deliberar, eles poderão ser transferidos imediatamente — explica.
STJ decide em caso de divergência
Se a conclusão dos inquéritos apontar hipóteses diferentes, no entanto, pode ser necessário recorrer ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), que irá definir de quem é a competência para julgar o caso, explica Lopes.
— Só irá para o STJ se houver um conflito, ou seja, se o inquérito da Polícia Civil entender que houve crime doloso e, portanto, de competência da Justiça Estadual, enquanto o inquérito da BM entender que não é doloso e que a competência é da Justiça Militar — diz Lopes.
Um caso semelhante envolveu um policial que matou um colega de farda no bairro Sarandi, em Porto Alegre, em novembro de 2011. Na ocasião, os PMs não estavam em serviço. Naquele caso, o STJ definiu que a Polícia Civil deveria conduzir a investigação. Até o momento, as duas investigações ocorrem em paralelo.
Prisões
Na última sexta-feira, após um pedido de prisão preventiva feito à Justiça Militar, os três policiais militares suspeitos de envolvimento no caso foram detidos. Ao menos dois crimes teriam ocorrido, conforme o entendimento da juíza do Tribunal de Justiça Militar do RS (TJM-RS), Viviane de Freitas Pereira.
"Considerando que a apuração, e o que ocorreu com Gabriel, não foi efetivamente esclarecido, a magistrada entendeu que há prova de materialidade e indícios de autoria de pelo menos dois delitos: artigos 212 (abandono de pessoa que está sob seu cuidado, guarda ou vigilância) e 312 (falsidade ideológica) do CPM, sem prejuízo de outros que venham a ser apurados", pontuou o TJM-RS.
A magistrada também considerou a necessidade da preservação da prova que será produzida, "porquanto já existir indícios de alteração de documento público, bem como a necessidade de manutenção da disciplina, pois também existem indícios de que a guarnição de serviço quebrou regras atinentes ao seu dever funcional", informou o tribunal. A defesa dos policiais pediu a soltura, mas a decisão do desembargador Fernando Lemos, da Justiça Militar, determinou que eles devem continuar presos.
Nesta segunda-feira (22), a Polícia Civil de São Gabriel informou que irá pedir à Justiça Estadual a prisão preventiva dos três policiais envolvidos por homicídio doloso. Segundo a polícia, a investigação coletou elementos que sustentam que o jovem foi agredido no local da abordagem e que, ao ser levado para a viatura, já estava cambaleando, possivelmente devido à violência empregada pelos PMs.