A proposta de emenda à Constituição (PEC) do Estado que criou a Polícia Penal, aprovada em primeiro turno na Assembleia Legislativa, trouxe mudanças para o futuro da segurança e da administração das cadeias do Rio Grande do Sul. As modificações contêm passagens complexas, e os detalhes da atuação do policial penal ainda terão de ser esmiuçados em um projeto de lei complementar que irá regulamentar a nova instituição. Os efeitos práticos da PEC recebem três interpretações distintas: uma do governo, outra do sindicato da categoria e a derradeira, de parlamentares governistas.
O certo é que a Polícia Penal está em processo de fundação para substituir a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe). A instituição das polícias penais começou a partir de uma PEC federal sobre o tema e, agora, cabe aos Estados fazerem suas modificações legais no âmbito regional. A votação da PEC em segundo turno deverá ocorrer em agosto, após o recesso da Assembleia Legislativa.
O Palácio Piratini redigiu o texto original da PEC e a emenda 3 em conjunto com a categoria e deputados estaduais, e entende que todas as quatro classes de servidores da atual Susepe foram transferidas para dentro da Polícia Penal. O texto original tornava policiais penais somente os agentes penitenciários, aquele profissional que, no jargão, “bate o cadeado” das celas e das galerias. Mas a emenda, atendendo a apelos, incluiu outras três classes minoritárias no guarda-chuva da Polícia Penal: os agentes penitenciários administrativos, que fazem registros oficiais e burocráticos dos presos no sistema Infopen; os técnicos superiores penitenciários, como psicólogos e assistentes sociais que prestam atendimento ao apenado; e os monitores, uma categoria em extinção.
Embora avalie que a PEC incluiu todos na Polícia Penal, o chefe da Casa Civil, Artur Lemos, ressalta que o texto estabelece diferenças de classe entre os servidores. O principal objetivo, diz Lemos, foi distinguir dos demais, para fins de benefícios e direitos, a figura do agente penitenciário.
— A emenda 3 deixa claro que, em que pese sejam eles compreendidos como Polícia Penal, dentro da categoria temos os que são efetivamente agentes penitenciários. E temos os servidores de outros perfis, como os técnicos e administrativos. Esses últimos não terão a condição de alcançar os mesmos benefícios dos agentes penitenciários — afirma Lemos.
Essa linha traçada pelo governo estadual tem a intenção de indicar que aposentadoria especial e porte de arma continuarão sendo direitos somente dos agentes penitenciários, e não dos demais.
Já a Amapergs Sindicato entende que, sendo todos integrantes da mesma Polícia Penal, poderão os seus servidores administrativos e técnicos desfrutarem dos mesmos benefícios, sobretudo por atuarem dentro das cadeias, do mesmo modo que os agentes penitenciários.
— A PEC criou as condições para que todos estejam dentro da Polícia Penal. Uma questão é a aposentadoria especial, e a outra é o porte de arma. Isso vai depender da regulamentação. Vamos postular, sim, que todos sejam equiparados, respeitando as especificidades de cada função — diz Saulo Felipe Basso dos Santos, presidente da Amapergs Sindicato.
A PEC criou as condições para que todos estejam dentro da Polícia Penal. Uma questão é a aposentadoria especial, e a outra é o porte de arma. Isso vai depender da regulamentação. Vamos postular, sim, que todos sejam equiparados, respeitando as especificidades de cada função
SAULO FELIPE BASSO DOS SANTOS
Presidente da Amapergs Sindicato
A terceira linha de interpretação, partilhada pelo líder do governo, Mateus Wesp (PSDB), e pelo ex-líder do governo Frederico Antunes (PP), é de que a PEC abriu a possibilidade de todos os servidores da atual Susepe serem qualificados como policiais penais, mas que isso dependerá de uma aprovação posterior de projeto de lei complementar para detalhar atribuições e diferenciações.
— Estágios terão de ser cumpridos. Na minha avaliação, para que todas as quatro categorias entrem na Polícia Penal, terá de ser regulamentado depois — diz Antunes.
O segundo item se refere às atividades da Polícia Penal nas cadeias. O texto original do governo entregava à Polícia Penal a segurança das prisões, ou seja, a função do agente penitenciário, cargo que não pode ser privatizado por força de norma federal. Por esse texto, todas as demais funções poderiam ser terceirizadas à iniciativa privada.
Já a emenda do deputado Tenente-coronel Zucco (Republicanos) foi considerada um óbice às parcerias público-privadas (PPPs) porque, na interpretação que prevaleceu, o parlamentar queria determinar que até mesmo funções secundárias, como limpeza, alimentação e hotelaria, deveriam ser feitas por servidores concursados da Polícia Penal. Zucco avaliou que a crítica tinha plausibilidade e concordou com a construção de uma emenda alternativa em parceria com o governo: a Polícia Penal será responsável pela segurança e administração dos presídios. Ficou esclarecido no texto aprovado que as funções de limpeza, alimentação, manutenção e hotelaria, entre outras que não são da atividade-fim, poderão ser entregues à iniciativa privada.
Eu entendo que o pessoal administrativo, como o psicólogo, poderá ser concedido. O sindicato avalia que não. É uma discussão jurídica. Isso vai ficar para a regulamentação
MATEUS WESP
Deputado pelo PSDB
A direção dos presídios caberá a um policial penal concursado exclusivamente, mas a divergência reside nos cargos técnicos e administrativos. Governistas entendem que eles poderão ser terceirizados, enquanto o sindicato e Zucco avaliam que necessitam ser ocupados por servidores de carreira da Polícia Penal.
— Eu entendo que o pessoal administrativo, como o psicólogo, poderá ser concedido. O sindicato avalia que não. É uma discussão jurídica. Isso vai ficar para a regulamentação — diz Wesp, líder do governo.
Avaliação diferente tem Zucco.
— Deixamos claro na emenda que os policiais penais, dos agentes penitenciários aos técnicos e administrativos, não poderão ser terceirizados — opina o parlamentar.
O secretário de Parcerias, Leonardo Busatto, que está conduzindo projetos de terceirização em penitenciárias, é enfático ao assegurar que trabalhadores da iniciativa privada, com a aprovação da PEC, poderão realizar atividades dentro dos presídios. Ele se refere a atribuições que, atualmente, são exclusivas dos servidores de carreira administrativos e técnicos superiores.
— Tudo que envolver repressão e uso de força é atuação exclusiva do Estado, da Polícia Penal. O diretor da prisão é policial penal. Mas atividades de monitoria, como levar para visitação, banho de sol ou audiência em vídeo, o dentista, o médico, não serão mais exercidas por concursados. Serão monitores contratados pelas concessionárias — diz Busatto.
A aprovação da PEC não impacta financeiramente. Não há discussão, na atual etapa, sobre questões de remuneração e de plano de carreira.
Na avaliação de Zucco, apesar das divergências interpretativas, a redação final do texto ficou adequada por fazer um meio termo entre as pretensões originais do governo e dos servidores.
— Os principais anseios foram atingidos. Foi positivo — avalia o parlamentar.
Ao menos uma parcela dos servidores penitenciários já usa uniforme com a inscrição Polícia Penal, apesar de estar pendente a votação da PEC em segundo turno e o projeto de lei complementar. O mesmo ocorre em algumas viaturas e em imóveis da instituição. Chefe da Casa Civil, Lemos diz que o correto seria o quadro funcional ter aguardado toda a tramitação da mudança, mas avalia que “não vai ser esse detalhe que vai causar alguma anomalia”.
Novas atribuições
Relevante discussão do projeto de lei complementar será definir as eventuais novas atribuições dos servidores da Polícia Penal, sobretudo dos agentes penitenciários. A Amapergs Sindicato defende a ampliação de competências.
Com o manto da nomenclatura “polícia”, a agremiação deseja que os agentes penitenciários possam registrar boletins de ocorrência de dentro dos presídios quando flagrarem drogas ou celulares nas celas, por exemplo. Atualmente, os servidores precisam se deslocar até uma delegacia.
Outra intenção é atribuir aos policiais penais a recaptura de presos em um raio pré-estabelecido em torno das penitenciárias. A justificativa é de que os agentes penitenciários conhecem melhor o perfil físico e psicológico dos presos, o que poderia auxiliar na busca. Chefe da Casa Civil, Artur Lemos diz que os itens são pleitos sindicais e que o debate é precipitado.
— Essa discussão precisará ser feita com a sociedade e com os parlamentares. Isso terá de ser regulamentado também no projeto de lei complementar. Inicialmente, os agentes penitenciários seguem com as mesmas atribuições de antes — afirma Lemos.
Susepe/Polícia Penal em números
- 4.746 agentes penitenciários ativos
- 984 agentes penitenciários administrativos e técnicos superiores penitenciários ativos
Fonte: Susepe