O conselheiro tutelar que deveria ter verificado a situação da família de Mirella Dias Franco, morta aos três anos, em Alvorada, conversou com GZH e afirmou não se sentir culpado pelo o que ocorreu. Leandro da Silva Brandão, investigado e afastado das funções por supostamente ter forjado um documento de atendimento, nega a falsidade. O conselheiro cobra o fato de outras pessoas nunca terem denunciado que viam Mirella machucada, inclusive, hospitais que a atenderam. O Hospital Cristo Redentor recebeu a menina em 6 de janeiro com fratura no punho esquerdo, levada pelo avô. A assistente social, ao constatar que em setembro Mirella havia passado por outro hospital do grupo com lesões de pele, decidiu alertar o Conselho Tutelar, o que foi feito por telefone no mesmo dia. Em 10 de janeiro, um ofício foi enviado ao órgão formalizando o pedido de averiguação sobre a família da criança. O conselheiro tutelar afirmou que mesmo provando sua inocência, vai renunciar ao mandato. A investigação da morte da menina deve ser concluída esta semana. Leia a entrevista:
Como foi o contato do Hospital Cristo Redentor com o Conselho Tutelar?
Foi por telefone com o conselheiro (cita o nome de um colega, que não é investigado). Disseram que tinha uma menina, que já estava em tratamento no hospital de Viamão por membro do corpo quebrado, e que agora tinha caído de uma bicicleta, e pediram para fazer essa averiguação. Que o avô que levou, que a mãe não estava. A primeira determinação do Conselho Tutelar foi para essa criança ficar com o avô, que saísse com o avô e que depois fosse mandado esse e-mail para fazermos apuração. Já fica evidenciado nesse primeiro momento que não havia mais risco, que a criança foi entregue para o avô em ambiente de proteção.
No documento do hospital que o senhor nos apresentou, está registrado que o Conselho Tutelar devia realizar "busca ativa da família para avaliar a situação e acompanhar, descartando riscos de violência física ou negligência".
O hospital nem fez guia do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), que é a declaração quando há maus-tratos ou violência. Para entender bem, é como se um paciente fosse para a triagem para classificação de risco: vermelho todos agem imediatamente, verde ou azul, vai ser atendido, mas não tem risco de vida iminente, e era o caso da Mirella com esse relatório do hospital.
Quem recebeu o e-mail com as informações do hospital?
Caiu na caixa do conselho tutelar, para ser distribuído no outro dia.
Quem abre essa caixa de e-mails, os conselheiros ou funcionários administrativos?
Para fazer a distribuição, quem abre são os funcionários administrativos.
Como foi o trâmite desse e-mail do hospital dentro do Conselho Tutelar?
No dia 11, o administrativo analisou o documento e mandou normalmente para distribuição. Outro filtro de que não havia o risco, pois quando há risco, vai para o o conselheiro que é do dia e que sai para cumprir as demandas de rua. Se o administrativo recebe e tem risco, não manda para o rotativo normal, manda para o conselheiro que está na rua para apurar imediatamente.
E esse caso foi para distribuição normal? Como o senhor recebeu?
Mandaram para meu e-mail e fizeram a distribuição no livro de ocorrências normal. Mas eu não era o responsável.
Por quê?
Porque são três escalas: de plantão, de rua e de atendimento na sede. E no dia 11, eu estava na sede, atendendo quem chegava no conselho. Estava lotado. Para ter uma ideia, em 2021, o Conselho Tutelar fez 4 mil atendimentos.
Quando o senhor foi conferir o caso?
Em fevereiro fui lá, porque não tinha uma emergência. Não tinha formulário que apontasse o risco. Só pedia verificação. Eu sei que fui no endereço. Não lembro como fui, se foi com meu carro ou com motorista (do Conselho Tutelar). Nesse período, tínhamos só um carro no Conselho Tutelar. Acontecia de os conselheiros irem com o carro próprio. Não lembro, mas é provável que tenha ido com meu carro.
Que dia o senhor foi?
Não sei.
Não está anotado no seu relatório?
Não. Eu estive lá, fiz um relatório básico. Quando vamos para diligência não temos computador, tablet, é tudo à mão. Às vezes, fica maior o relatório, porque a gente falou com a pessoa. Neste caso, eu não tinha informações porque não achei pessoas em casa.
Quando o senhor volta da rua com esse relatório, qual o caminho dele?
Eu deixo num escaninho para o administrativo, geralmente a gente deixa bilhete “abrir pasta e devolver para o conselheiro”. Quem faz isso é o administrativo. Deixei com pedido para ser aberta a pasta. Não tinha urgência, segui fazendo meu trabalho. Até que dia 31, a gente se depara com essa situação que aconteceu com a Mirella.
Se essa pasta tivesse sido aberta, o senhor teria voltado ao endereço?
Com certeza, ainda mais se houvesse reiteradas denúncias. Se tivesse documento apontando risco, ficaria um alerta. Se tem mais denúncias, tu ficas mais atento, como a classificação do risco no hospital. Mas não teve. A polícia diz que a criança sofreu por dois anos, mas nós fizemos busca nos arquivos, nunca houve uma ligação a respeito, nem antes nem depois da morte. E esse procedimento do hospital não foi uma denúncia de maus-tratos.
Por que colegas seus disseram que o senhor fez o relatório depois da morte da criança, fazendo a polícia a entender que o senhor mentiu e falsificou documento?
No dia 31, a gente não lembrava o nome da mãe. Foi verificado que tinha tido esse e-mail e feita a distribuição para mim, e eu tinha cópia do meu relatório, pois fazia pouco tempo que tinha começado no conselho, os casos que eu atendia eu tirava cópia. Daí foi constatado que a pasta não tinha sido aberta, determinei que abrissem, pois teríamos outras diligências a partir da morte, tinha a irmã da Mirella para ser tirada de casa. Assim que abriram a pasta, peguei a cópia do meu relatório e juntei.
O senhor disse que não voltou a verificar o caso porque a pasta não foi aberta em fevereiro, mas o senhor guardava consigo cópia dos relatórios dos seus casos. Essa cópia não serviria para isso, para lembrá-lo? Ficou guardada?
Eu tinha uma pasta com vários documentos, era um arquivo, tu não olhas todo o dia. Só fica ali para algum momento que precise, como precisei nesse caso aí. Todo mundo que está dizendo que a menina tinha maus-tratos é porque via e não denunciou. Não tinha denúncia na polícia, não tinha e-mail dos hospitais.
O senhor havia assumido no conselho poucos dias antes deste contato do hospital. Qual sua formação e o que fez o senhor querer ser conselheiro?
Eu assumi em 28 de dezembro. Sou técnico em publicidade e propaganda e estou no 5º semestre de Pedagogia. Eu disputei (eleição para o conselho) porque sou pai de quatro filhos e tenho uma criança especial, com síndrome de Down, e olhando nossa cidade, do quanto precisávamos ter esse trabalho. É um trabalho muito digno, de muita responsabilidade e que precisa de pessoas comprometidas. Não me considero uma pessoa não comprometida com meu trabalho. Ano passado, o conselho tutelar atendeu 4 mil pessoas. A gente está sujeito a falhas. Não considero uma falha minha, pessoal. Todo o processo é viciado neste caso. Já não vem com documento correto do hospital, não tem outras ocorrências de denúncias.
O senhor não se sente culpado?
Eu não sou o assassino da Mirella, isso que estou deixando muito claro, eu não sou o assassino, não fui eu que tirei a vida da Mirella. Sou um pai, um trabalhador, gente que vem da luta dessa cidade. O conselheiro tutelar entra em tudo que é lugar, dentro das possibilidades dele. Não temos colete à prova de bala, segurança.
O que aconteceu depois que o conselho tutelar foi chamado na unidade de saúde em que Mirella estava morta, no dia 31?
Fizemos busca pelo nome da mãe, não achamos nada. O administrativo então localizou o e-mail do hospital e eu determinei que uma pasta fosse aberta. Havia outras providências a serem adotadas, como retirar a irmã da Mirella de casa.
Como senhor se sente?
Como toda a sociedade, transtornado por uma vida de três anos não estar mais na Terra. Mas do jeito que a imprensa vem tratando o caso, parece que vão liberar a mãe e o padrasto e o Conselho Tutelar que é culpado pela morte da menina. Eu não sou assassino, não fui eu que tirei essa vida.
O senhor acredita que vai provar que não falsificou documento?
Nós vamos provar que não falsifiquei, mas, psicologicamente, não tenho condições de exercer o mandato. Mesmo sabendo que não foi culpa minha o que aconteceu, vou renunciar ao mandato.
Por que o seu relatório não estava dentro desta pasta que foi para a polícia?
O administrativo que tem que justificar.