Na próxima quarta-feira (26), um crime que chocou Porto Alegre completa dois anos. Rafael Zanetti Silva, 45 anos, a esposa Fabiana da Silveira Innocente Silva, 44, e o filho mais velho Gabriel da Silveira Innocente Silva, 20, foram mortos a tiros, durante briga de trânsito no bairro Lami, na Zona Sul. A família retornava de um aniversário, quando os três foram assassinados na frente do caçula, de oito anos, e da nora do casal, na época com 18. Réu, Dionathá Bitencourt Vidaletti, 26, segue preso, mas ainda não há data para o júri.
Em setembro, o juiz Roberto Coutinho Borba determinou que o caso seja decidido pelo Tribunal do Júri. No entanto, o Ministério Público, assim como a defesa, entrou com recurso, e o processo foi encaminhado ao Tribunal de Justiça, em 10 de janeiro. O réu responde por três homicídios triplamente qualificados, com os agravantes de motivo fútil, por ter sido "perpetrado ensejando perigo comum", em função do horário e do local do crime, e sem dar chance de defesa à vítima.
Além de Dionathá, a mãe dele Neuza Regina Bitencourt Vidaletti também havia sido denunciada pelo Ministério Público como coautora — ela não chegou a ser indiciada pela Polícia Civil. O entendimento da acusação foi de que ela também contribuiu para os assassinatos. Isso porque pegou a arma dentro do carro e efetuou um disparo, antes de o filho assassinar a família durante a briga de trânsito.
Dionathá tinha uma Ecosport vermelha, que estava estacionada em frente à casa da avó dele, em uma estrada do Lami, no extremo sul da Capital. Já a família Silva retornava de uma comemoração em um Aircross. O carro da família atingiu a Ecosport, e o Rafael, o motorista, não parou. Revoltado com a situação, Dionathá entrou no veículo e saiu em perseguição à família — a mãe dele também entrou no carro. Após alcançarem o Aircross, ambos motoristas pararam no acostamento, houve discussão e, durante a briga, Neuza pegou a arma no carro. Logo depois, o filho se apossou da pistola e disparou contra o casal e o filho deles.
No entanto, na sentença de setembro a Justiça definiu que Neuza não deve ser julgada pelos mesmos crimes que o filho. O entendimento é de que ela deve responder somente pelo tiro, pois não teria entregue voluntariamente a arma ao jovem. "Embora se possa cogitar que a acusada tenha exasperado o risco do resultado lesivo, quando pegou a pistola que estava no interior do automóvel e efetuou o disparo, não se pode olvidar de toda a sua conduta ao longo dos desdobramentos dos fatos", concluiu o juiz. O magistrado ainda ponderou que a mãe foi contra a perseguição realizada por Dionathá à família.
O juiz também definiu que o processo seja dividido, ainda assim, como houve recursos pelas duas partes, essa cisão não ocorreu até o momento. Primeiro é preciso aguardar a decisão do Tribunal de Justiça sobre o caso. Neste cenário, segundo informações da 1ª Vara do Júri ainda não é possível determinar quando o julgamento do réu deverá ocorrer, nem mesmo estimar se deve se dar ainda neste ano. Enquanto isso, Dionathá segue preso de forma preventiva — a mãe nunca chegou a ser detida.
"Estiquei os braços e atirei", narrou autor do crime
Dionathá e a mãe foram ouvidos durante o processo e ambos afirmaram que estavam na casa da família, quando ouviram o som da colisão. Disseram que, como Rafael não parou após o acidente, Dionathá decidiu ir atrás deles, e Neuza acompanhou o filho, tentando impedi-lo. Sobre a arma debaixo do banco, o réu alegou que havia pego a pistola ainda em casa porque na residência da avó sabia que estavam roubando gado nas proximidades. Mãe e filho alegaram que a arma era usada para proteção contra os assaltos no comércio da família. Neuza disse que só ficou sabendo da pistola dentro do carro durante a perseguição. Os dois alegaram que os tiros só foram dados porque foram agredidos pela família — as testemunhas não relatam isso.
— Um deles me derrubou. Daí, no momento que eles me derrubaram, eu virei de lado e tentei correr em direção que tem um bar lá, um boteco. Começaram a dar chute, soco. Daí foi o momento que eu escutei um disparo e o grito: "Larga meu filho". Que foi a hora que eu consegui olhar para trás e ver a mãe com a arma. Daí eu vi a mãe com a arma na mão — narrou Dionathá, conforme transcrição que consta no processo.
Neuza também afirmou que o filho foi agredido por Rafael e Gabriel, chegando a cair no chão. E que, por isso, ela teria decidido pegar a arma dentro do carro e dar um tiro para o alto.
— Só quero que o meu filho pague pelo que é certo, pelo que é justo, não quero que pague em cima de mentira. Eu não aguentei ver aquilo, já tinha visto que estava a arma dentro do carro ali. Fui e dei um disparo para cima. Está todo mundo dizendo que foi para baixo, não foi, foi para cima. Eles estavam chutando o meu filho no chão — defendeu-se.
Mãe e filho foram questionados sobre o fato de que nenhuma testemunha relatou que eles tenham sido agredidos, e responderam que essa parte foi omitida.
— Fica difícil para mim entender isso tudo que aconteceu. Eu entendo assim, que, se ninguém tivesse me tocado, eu tenho certeza de que ele não tinha feito o que fez — disse Neuza.
Depois disso, os dois narram que o jovem tentou tirar a arma da mãe e que ela se recusava a entregar. Dionathá afirmou que, após pegar a pistola, retirou o carregador que estava no bolso e municiou a arma. Disse que, na sequência, voltou para o carro, na tentativa de ir embora, mas que o veículo não pegou. Segundo o relato deles, Neuza teria voltado para o carro, mas, neste momento, teria sido agredida pelo casal.
— E nisso eles abriram a porta e pegaram a mãe. E a mãe deu um grunhido. E na hora eu já não pensei mais nada. Só fiz a volta por trás do carro e dei uns dois, três disparos. E daí nisso veio o Gabriel correndo também e já atirei no Gabriel. Simplesmente estiquei os braços e atirei. Eu só queria defender a minha mãe e mais nada. Eu jamais pensava que isso ia acontecer na minha vida — sustentou.
— Só escutei quatro estampidos. Quando escutei quatro estampidos, aí olhei meu filho já estava do meu lado sentado de novo. E ele disse: "Mãe, matei os três". Eu disse assim: "Como tu matou?". "Mãe, eu acho que eu matei os três". Aí eu disse para ele: "Só me tira daqui, meu filho. Só me tira daqui. Só isso que eu quero, só me tira daqui" — descreveu a mulher.
Menino e jovem presenciaram crime
Dionathá foi questionado pela Justiça se sabia que havia uma criança dentro do carro da família — o menino de oito anos presenciou o assassinato dos pais e do irmão. Ele admitiu que tinha conhecimento, mas negou ter apontado a arma na direção dele ou da namorada de Gabriel, que permaneceu no veículo. A jovem de 18 anos também foi ouvida no processo. Ela relatou que a família regressava pela estrada, quando, em uma curva, bateram contra a Ecosport, mas que Rafael decidiu não parar e que a batida não parecia grave.
Quando chegaram no asfalto, perceberam que o mesmo veículo estava perseguindo a família e que, dentro dele, havia um jovem e uma mulher muito exaltados. Rafael só teria parado o Aircross após Gabriel puxar o freio de mão, para que o pai estacionasse. Após descerem do veículo, Rafael teria se apresentado. A jovem disse que não conseguiu visualizar tudo o que acontecia, mas o namorado teria derrapado no chão — ela não soube informar se ele foi derrubado ou caiu sozinho.
— Só que quando quando eu olhei, o Dionathá já estava com a arma e eu não vi de onde surgiu, não vi se estava com ele ou ele pegou de dentro do carro. Foi aí que quando a Fabiana viu que tinha gente com a arma ela voltou para o carro, ali no carona, aonde estava eu e o (cita nome de menino) para pegar o telefone dela. Daí ela falou que ia ligar para a polícia. Ela ligou começou a dizer que tinha uma velha apontando a arma para ela e que ela tinha uma criança dentro do carro — descreveu.
Logo depois, Dionathá teria atirado contra os três e fugido do local. A jovem contou ainda que o namorado foi baleado mais de uma vez.
— O Gabriel eu acho que tinha levado uns três tiros, que foi o único que estava vivo, que eu cheguei perto. O Rafael levou um no pescoço, a Fabiana também, o Gabriel levou um na mão direita, um na cabeça e um no peito. E só o que eu vi — disse.
Contraponto
GZH entrou em contato com o advogado Cristiano da Rosa, que informou que só se manifestará após o julgamento do caso.