A Polícia Civil afirma que o local onde ocorreu a morte de Fábio Zortea, 59 anos, em Torres, foi desfeito e que isso impediu a realização da perícia de local de crime. Dentro do escopo da investigação, o delegado Juliano Aguiar quer entender por que o ambiente da discussão e dos disparos foi alterado.
O policial rodoviário aposentado foi morto na madrugada da última segunda-feira (23), com tiros no tórax e na cabeça, durante uma abordagem da Brigada Militar aos filhos dele, na calçada em frente ao apartamento da família, na área central da cidade do Litoral Norte.
O Gol branco que os irmãos Fábio, 37 anos, e Luca Zortea, 33 anos, dirigiram até iniciar a discussão foi retirado do local e levado para delegacia, o que impede a análise da posição do veículo. Além disso, as manchas de sangue na calçada foram limpas, e o vidro quebrado na agência do Sine, que funciona no térreo do prédio, foi trocado horas depois. Também não há informações sobre recolhimento dos projéteis para identificar quantos tiros foram disparados.
— Claro que se socorrem as vítimas, mas o local deveria ter sido mantido, isolado para aguardar a perícia. É um procedimento padrão. A Polícia Civil chegou no amanhecer do dia, com o local já desfeito — afirma o delegado.
A família Zortea gravou o Corpo de Bombeiros lavando a calçada com uma mangueira na manhã da segunda-feira. GZH teve acesso às imagens. Segundo registro de ocorrência dos bombeiros, a limpeza foi feita às 8h57min a pedido do capitão João Cesar Verde Selva, da BM. Procurado pela reportagem, o capitão preferiu não se manifestar.
— Foi solicitado pela BM para tirar a imagem ruim que ia ficar naquele ambiente, que já tinha sido liberado pela Polícia Civil. Da parte dos bombeiros, foi uma solicitação da BM — explica o comandante dos Bombeiros em Torres, tenente Fabricio de Freitas de Oliveira.
Com isso, a apuração não contará com um laudo importante em investigações de homicídio: a perícia de local de crime.
Dentro do inquérito, cinco policiais são investigados, dois deles por homicídio doloso — quando há intenção de matar. Os filhos de Zortea também são investigados.
Na manhã desta quinta-feira (26), a polícia ouviu a viúva do aposentado. Na quarta, a filha dele prestou depoimento.
Também foram ouvidas as versões de testemunhas que gravaram a confusão. Um vigilante, que nos vídeos aparece de capacete, foi ouvido e terá conduta avaliada. Os cinco policiais militares investigados no inquérito serão ouvidos por último. Está sendo verificado ainda se houve ligação para o 190 antes da abordagem.
A polícia está analisando imagens de câmeras de segurança de uma loja de departamento na esquina das avenidas José Bonifácio e Barão do Rio Branco para verificar se os irmãos Fábio e Luca foram abordados inicialmente ali pela viatura da BM enquanto mexiam nas lixeiras da calçada.
— Queremos entender se ali já mandaram eles parar. Se teve ordem de parada e se houve fuga da abordagem. O fato de abordar carro suspeito de madrugada é algo normal. A abordagem em si de um carro semelhante que eles já buscaram não há problema — explica o delegado.
Naquela madrugada, a guarnição da BM já buscava um Gol branco com um trio que havia chegado alterado em uma padaria 24 horas, instantes antes. Um dos homens entrou no local sem máscara, foi orientado a ficar do lado de fora e foi grosseiro com o atendente. Os três compraram 15 latões de cerveja e saíram em alta velocidade com o veículo. Imagens de câmeras da padaria comprovam que o trio não era os irmãos Zortea.
— Nosso caminho é encontrar verdade dos fatos e apurar todas circunstâncias. Era madrugada, queremos saber se a abordagem foi feita em virtude da padaria ou foi abordagem de rotina. Estamos remontando o fato desde antes da confusão para verificar responsabilidades. Não se trata só de análise de imagens, mas considerar o antes, durante e depois e como se procedeu com o local de crime — afirma Aguiar.
O delegado também pediu um relatório do plantão de atendimento, para verificar como foi apresentada a ocorrência na madrugada do crime. O histórico militar dos cinco policias também foi solicitado.
O inquérito está sendo acompanhado de perto pelo Ministério Público. Por enquanto, não há representação para prisão dos suspeitos. Internamente, essa possibilidade ainda é avaliada e depende do andamento da apuração, de coleta de informações e do resultado do laudo provisório do corpo da vítima, que deve ser entregue ao delegado até a próxima segunda-feira (30). Na hipótese de haver alguma prisão, a Polícia Civil tem 10 dias para concluir o inquérito a partir do cumprimento do mandado.
Contraponto
A Comunicação Social da BM afirmou que, como o caso está em investigação, na própria corporação e na Polícia Civil, irá aguardar que os fatos seja esclarecidos de forma detalhada para se manifestar. "No momento não podemos opinar, temos que aguardas investigações, as provas ainda estão sendo coletadas, após a conclusão será adequado fazer manifestações", disse o tenente-coronel Cilon Freitas da Silva.
A defesa de um dos policiais militares enviou nota a GZH informando que "provas obtidas até o presente momento demonstram que houve, sim, preservação do local da ocorrência." O texto segue afirmando que "documentos operacionais e também imagens que demonstram que foram observados os procedimentos técnicos para a preservação do local dos fatos".
Confira a íntegra da nota da defesa de um dos PMs
"A defesa de um dos Policiais Militares que participaram da Ocorrência Policial na Cidade de Torres/RS, vem apresentar o seu contraponto em relação a alegada alteração do local do fato:
Esclarece-se, em primeiro lugar, que as informações e provas obtidas até o presente momento demonstram que houve, sim, preservação do local da ocorrência.
Há, nesse sentido, documentos operacionais e também imagens que demonstram que foram observados os procedimentos técnicos para a preservação do local dos fatos.
Explica-se, ainda, que o deslocamento dos feridos ao hospital teve como objetivo a preservação da vida, não podendo jamais tal conduta ser interpretada como uma ação para impedir uma futura análise pericial. Entre uma vida e o formalismo de um procedimento legal, obviamente se escolhe a vida.
Além disso, inúmeras são as possibilidades de prova técnica sobre os fatos, como, por exemplo, a perícia indireta com base nos documentos produzidos pelas instituições ou reprodução simulada dos fatos pelas autoridades encarregadas."
Por outro lado, os vídeos do momento do ocorrido têm significativo valor probatório para a compreensão da real dinâmica dos fatos e permitem a realização de laudo pericial indireto.
Espera-se, por fim, que as investigações transcorram em um ambiente de legalidade e, ao final, entreguem à sociedade gaúcha as respostas que tanto espera.
José Paulo Schneider
OAB/RS 102.244
Ricardo de Oliveira de Almeida
OAB/RS 104.666
Escritório Zimmermann Almeida Advogados
OAB/RS 6.292