Passado mais de um ano de um triplo homicídio ser revelado depois de incêndio no interior de Cruzeiro do Sul, no Vale do Taquari, a Polícia Civil deve encerrar o inquérito sem chegar aos autores do crime. As vítimas são um caseiro da propriedade e um casal que havia se mudado para a localidade uma semana antes do crime. Em 9 de julho de 2020, chamas destruíram um galpão de alvenaria e madeira onde os corpos foram encontrados e no qual o casal morava.
Natural de Lajeado e conhecido em Linha São Miguel, Sinésio Inácio Ghilardi, 29 anos, residia em frente ao galpão com a esposa. Já o casal Leandro Arruda, 38, e Mireila Silva dos Santos, 35, era recém chegado na região. De Lajeado, ele era vendedor externo de uma padaria e a esposa, de Cachoeira do Sul, dona de casa.
Um projétil de pistola calibre 380 foi localizado na cervical da mulher, o que indica tiro na nuca. Nos outros corpos também foram localizados disparos. Para a polícia, o trio foi assassinado antes do incêndio em um crime planejada, mas os investigadores não sabem se os três eram alvos da ação criminosa ou o trio foi morto para não restarem testemunhas com vida.
Para a polícia, tudo indica que o fogo foi usado para apagar as provas. Quase 30 pessoas foram ouvidas ao longo do inquérito. O delegado de Cruzeiro do Sul Humberto Roehrig afirma que a apuração evoluiu em alguns pontos, mas não chegou à autoria.
— Estamos com dificuldade para apurar autoria. Não descobrimos. Mais alguns meses e vamos remeter ao Judiciário sem solução. Não gostamos de mandar inquérito de homicídio sem indiciamento, mas chega num ponto que não tem para onde progredir. Conforme vai passando o tempo, fica mais difícil se chegar a autoria, infelizmente —explica o delegado.
O próprio incêndio, em caso de indicação dos autores, qualificaria o homicídio e aumentaria a pena dos envolvidos. O laudo da morte apontou como causa anto os tiros quanto o fogo. Devido ao avançado estado de carbonização dos corpos, a necropsia não responde se foram as chamas ou os disparos que mataram as três vítimas.
— Se tivéssemos autoria, o incêndio seria um detalhe importante. Mas as próprias testemunhas não esclarecem muitos detalhes — afirma o delegado.
A propriedade fica em uma área que, na mesma época do crime, foi atingida pela cheia do Rio Taquari. Devido à enchente, o Corpo de Bombeiros não conseguiu chegar ao local enquanto o incêndio ainda acontecia. Os investigadores só foram conseguir acesso no dia seguinte, após a água baixar na estrada que leva até a casa.
O triplo homicídio aconteceu no começo da noite de uma quinta-feira, em 9 de julho, quando os moradores próximos estavam ocupados com a cheia do rio. As chácaras têm poucos moradores e os vizinhos mais próximos estão a 200 metros. No momento do sinistro, estavam preocupados com a enchente, deslocando animais.
— Isso nos chama atenção: o incêndio coincidentemente aconteceu junto à época de cheia. Por ser um crime bárbaro, acreditamos que tenha envolvimento de organização criminosa. E, por isso, é difícil produzir prova testemunhal. As pessoas têm medo de falar.
"Impera lei do silêncio", diz o delegado
Duas linhas de investigação são levantadas no inquérito: a primeira envolve a oferta de compra da propriedade feita antes do crime. Uma pessoa, não identificada, tentou adquirir áreas próximas e teria envolvimento com tráfico de drogas. A proprietária do terreno do sítio teria negado proposta de compra. Neste caso, as mortes estariam teriam ligação com crime organizado.
A segunda hipótese envolve Leandro Arruda, que tem antecedentes por crimes de estupro, em 2011 e 2012. Em 2014, chegou a ser condenado por uma das acusações. Em 2019, em um terceiro registro, um parente registrou queixa contra ele, afirmando que teria abusado de uma menina da família. Mireila e Sinésio não tinham antecedentes.
— Se fosse em relação a estupro, não teria matado os três. E se fosse vingança seria mais fácil de apurar. As pessoas não teriam receio de falar. Em caso que se envolve crime organizado, dificulta quando a testemunha não tem motivação para falar. Não tem interesse na solução do crime. Não foi um crime ocasional. Foi planejado e premeditado — afirma o delegado.
Dentro de um contexto de três execuções envolvendo crime organizado, a prova testemunhal é, no entendimento do delegado, fundamental para dar norte a investigação e excluir outras hipóteses:
— A contribuição das pessoas ajuda a reconstituir o fato, já que o fogo consumiu os vestígios. Os próprios familiares das vítimas não levantaram hipóteses contundentes. E as testemunhas são pessoas humildes e que moram em um local ermo. A maior dificuldade é que impera a lei do silêncio. Se alguém sabe de alguma coisa, não tem interesse em informar.