Na noite de 4 de junho de 2020, um casal jogava videogame na sala do apartamento em Araricá, no Vale do Sinos, quando o local foi invadido por atiradores. Pouco mais de um mês depois, três pessoas foram encontradas mortas após um incêndio em Cruzeiro do Sul, no Vale do Taquari. A investigação acabaria indicando um triplo homicídio. Dez dias para frente, um adolescente de 15 anos foi executado em Santo Antônio da Patrulha, no Litoral Norte. Os três casos chegaram ao fim de 2020 com um fator em comum: ainda não foram esclarecidos.
Em dois dos crimes, o número de disparos e o tipo de armamento usado chamam atenção da polícia e indicam o envolvimento de grupos criminosos. Um é o que resultou na morte da blogueira Karuel Barbosa, 24 anos, e de Adair Silva, 31 anos. Foram quase 80 tiros dentro do apartamento, com armas de diversos calibres, inclusive fuzil. O crime aterrorizou vizinhos no município de cerca de 5 mil habitantes, mas ainda segue sem desfecho.
Desde o início, a polícia atribuiu possível ação do tráfico de drogas no crime e indicou que o alvo da execução seria o namorado da jovem. Karuel teria sido morta porque estava no apartamento dele naquele momento. O delegado Fernando Branco evita dar maior detalhes sobre a apuração:
— Continuamos trabalhando. Continuamos investigando. Ocorreram avanços, mas que não posso falar. Para não atrapalhar o andamento. Tenho confiança de que vai ser solucionado. É isso que eu posso falar.
Na madrugada de 19 de julho, Bruno Michaelsen da Silva, 15 anos, embarcou em um veículo em Gramado, na Serra, em uma esquina próxima de casa. O adolescente foi encontrado executado na manhã seguinte em Santo Antônio da Patrulha, no Litoral Norte. Foram disparados cerca de 120 tiros — eras pistolas de calibres 9 milímetros e .40, além de fuzil calibre 556.
Segundo o delegado regional do Litoral Norte, Heraldo Guerreiro, todas as pessoas que precisavam ser ouvidas já prestaram depoimento e que são aguardadas perícias que devem ajudar na elucidação. A polícia acredita que o adolescente foi levado até o local para ser executado — o celular dele não foi encontrado. A motivação ainda não foi apontada.
— Ele era da Serra, não tinha nenhum vínculo com Santo Antônio da Patrulha, nem familiar, nada. O local onde foi executado é ermo, e aqueles caminhos têm muitas ligações com a própria Serra. Sem dúvidas, pelo perfil do crime, há envolvimento com grupo criminoso. Quem faz esse tipo de execução é o tráfico de drogas — diz o policial.
Outro crime que segue sob investigação aconteceu no Vale do Taquari, em 9 de julho. O caseiro Sinésio Inácio Ghilardi, 29 anos, e o casal Leandro Arruda, 38 anos, e Mirela da Silva, 35 anos, foram encontrados mortos após um incêndio. A perícia localizou um projetil de arma de fogo na nuca da mulher e o caso passou a ser apurado como um triplo homicídio.
— O incêndio pode ter sido para ocultar os corpos ou mascarar a morte, tentar nos desviar do caminho. Temos suspeitos, sim, mas nada concreto que determine a prisão ou que possa ser divulgado — diz o delegado Humberto Messa Roehrig.
Casos elucidados
O dado mais recente indica que no mês de novembro 72,9% dos homicídios foram elucidados pela Polícia Civil do RS em 2020. A média nos nove meses — de acordo com os dados da própria Polícia Civil — foi de 73,6% dos homicídios elucidados. Nos latrocínios (roubos com morte), a taxa foi de 100% em novembro, e a média nos nove meses ficou em 88,1%. O dado do ano completo ainda não foi divulgado.
Os casos
Casal assassinado em apartamento em Araricá
Karuel Barbosa, 24 anos, vivia com os pais em Campo Bom, no Vale do Sinos, onde atuava como modelo e influenciadora digital. Na noite de 4 de junho, quando eles foram dormir, a jovem já estava de pijama no quarto dela. Horas depois, o casal despertou com o aviso de que o apartamento do namorado da filha Adair Silva, 31 anos, em Araricá, havia sido invadido. O primeiro ímpeto foi de acordar a filha, mas depararam com a mensagem que mudou a vida da família. Nela, Karuel avisava que tinha ido dormir no namorado. Os dois foram executados.
Ao longo dos últimos seis meses, Vilson Barbosa, 57 anos, fez visitas frequentes à polícia. Busca respostas para o crime bárbaro que provocou a morte da jovem.
— Toda semana vou lá, para saber. Ainda não prenderam ninguém, mas acredito que a polícia está fazendo o trabalho dela — diz o pai.
O casal namorava havia cerca de três anos, e Karuel costumava ir visitar Adair em Araricá, especialmente aos fins de semana. O rapaz também ia até a casa dos pais dela, mas com pouca frequência. Vilson e a esposa Isabel Felix, 42 anos, que tinha Karuel como única filha, seguem em acompanhamento psicológico, com uso de medicamentos.
— Só quem passou por isso para saber. É terrível — diz o pai.
Adolescente executado com 120 tiros
Morador de Gramado, na Serra, Jorge Correia da Silva, 59 anos, pediu mais de uma vez para que o filho Bruno não saísse de casa na noite de 18 de julho. O mesmo apelo foi feito pela mãe, a dona de casa Vera Cristina Michaelsen, 39 anos. Por volta da 1h30min, o pai ouviu a movimentação dentro de casa e o adolescente saiu pela porta. Os pais acreditaram que ele havia ido para a casa de um amigo, vizinho da família.
Quando o dia amanheceu, não encontraram Bruno em casa, e o celular dele não chamava. Naquela mesma manhã, o corpo dele foi localizado no interior de Santo Antônio da Patrulha, na localidade de Pinheirinhos. Setenta quilômetros distante dali, os pais reconheceram por fotos a tatuagem em uma das mãos. Bruno namorava uma adolescente e tinha o nome dela tatuado, junto de três estrelas.
O adolescente era o mais velho de uma família de quatro irmãos e vivia com os pais no bairro Jardim, numa casa humilde. Cinco meses após a perda, o pai está desolado e espera por alguma resposta sobre a morte do filho.
— Às vezes, estou sentado quieto, é muita dor por dentro. Muita tristeza. O filho da gente parece que é filho de bicho. Foi feito, mataram e ninguém resolveu. Voltar a gente sabe que não volta. Mas a gente fica com coração apertado. A gente gostaria de saber. Ficaria mais aliviado, sabendo que graças a Deus vão pagar pelo que fizeram — desabafa.
Três corpos encontrados após incêndio
Um caso que iniciou com um incêndio na localidade de Linha São Miguel, no interior de Cruzeiro do Sul, acabou revelando um triplo homicídio. O fogo atingiu um galpão da propriedade, onde morava o caseiro Sinésio Inácio Ghilardi, 29 anos. Cerca de uma semana antes, o casal Leandro Arruda, 38 anos, e Mirela Silva, 35 anos, havia se mudado para o local. Foi necessário realizar exame de DNA para confirmar a identidade das vítimas.
As chamas foram percebidas por vizinhos por volta das 16h30min de 9 de julho. Um menino de quatro anos, filho de Mirela e Leandro, que estava no local foi resgatado. A criança, dormia na casa da frente, onde vivia o caseiro, e teria acordado com o estalido provocado pelo fogo, mas não se feriu. Como a estrada de acesso à propriedade estava alagada, por conta da enchente que atingia a região, não foi possível chegar ao local no momento para combater o incêndio. Somente no dia seguinte foram descobertos os três corpos dentro do galpão.
A perícia encontrou um projétil de pistola calibre 380 na cervical da mulher — isso leva a polícia a concluir que ela foi morta com um tiro na nuca. Nos homens, não foi possível constatar a causa da morte nem saber se foram baleados, embora houvesse suspeita que um deles tivesse sido alvejado. A perícia apontou ainda que o incêndio foi provocado de forma intencional, com uso de algum combustível, e que as chamas começaram exatamente onde estavam os corpos, um indicativo de que alguém tentou escondê-los.
Além disso, em caso de acidente, segundo a polícia, não teria motivo para os três não conseguiram sair do galpão. Um veículo que estava no local também foi incendiado. Como o caso aconteceu em um período no qual a região enfrentava a cheia do Rio Taquari, além da dificuldade para chegar até a área, também pesou contra a investigação o fato de não ter testemunhas próximas. Os moradores estavam preocupados com a enchente, envolvidos no resgate de animais. A polícia aguarda uma perícia que deverá indicar se os três já estavam mortos antes do incêndio.
— Desde o início, trabalhamos com essa hipótese de homicídio, a possibilidade de acidente foi descartada — diz o delegado Humberto Messa.