Incluído na pauta do Supremo Tribunal Federal (STF) pelo presidente da casa, Luiz Fux, o desfecho do julgamento sobre a soltura do traficante André Oliveira Macedo, conhecido como André do Rap, um dos líderes do Primeiro Comando da Capital (PCC), deve ser decidido nesta quarta-feira (14).
O traficante foi solto na manhã de sábado (10), após decisão do ministro Marco Aurélio Mello. Horas depois do criminoso ter deixado a prisão, Fux derrubou a liminar que concedia a soltura - portanto, André do Rap está foragido. Agora, o plenário irá decidir se mantém ou não a decisão do presidente. Entenda o vaivém das decisões e o que será julgado nesta quarta:
Autorização de soltura foi baseada no projeto anticrime
Considerado o responsável por escoar cocaína para diversos países, André do Rap foi preso no Rio em setembro do ano passado e condenado a penas que somam mais de 25 anos. Ele deixou a Penitenciária de Presidente Venceslau, no interior paulista, na manhã de sábado, após passar pouco mais de um ano sob custódia. O alvará de soltura foi expedido na última quinta-feira (8) pela Quinta Vara Federal da Subseção Judiciária de Santos.
A autorização veio de Marco Aurélio, que atendeu a um pedido da defesa. Na decisão, o ministro baseou-se em um trecho novo na legislação, aprovado em 2019 pelo Congresso e sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro no chamado pacote anticrime. De acordo com esse trecho, o Código de Processo Penal determina que a prisão preventiva seja reavaliada a cada 90 dias por um juiz, sob pena de se tornar ilegal. A prisão não teria sido analisada no caso de André do Rap.
"O paciente está preso, sem culpa formada, tendo sido a custódia mantida, em 25 de junho de 2020, no julgamento da apelação. Uma vez não constatado ato posterior sobre a indispensabilidade da medida, formalizado nos últimos 90 dias, tem-se desrespeitada a previsão legal, surgindo o excesso de prazo", escreveu o ministro na decisão de 1º de outubro.
Em nota, a Secretaria da Administração Penitenciária (SAP) informou "que deu cumprimento hoje (sábado), 10, ao alvará de soltura em favor do preso André Oliveira Macedo, por decisão judicial do Supremo Tribunal Federal. Ele saiu da Penitenciária II de Presidente Venceslau às 11h50 da manhã".
Alegando periculosidade de André, Fux derruba liminar
Horas após a soltura, o presidente do STF decidiu derrubar a liminar. Fux atendeu a um pedido apresentado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e determinou a volta "imediata" de André do Rap à prisão. No despacho, Fux afirma que a liberação do traficante "compromete a ordem e a segurança públicas".
"Paciente 1) de comprovada altíssima periculosidade, 2) com dupla condenação em segundo grau por tráfico transnacional de drogas, 3) investigado por participação de alto nível hierárquico em organização criminosa (Primeiro Comando da Capital - PCC), e 4) com histórico de foragido por mais de 5 anos", justificou o presidente do STF.
Entre os argumentos usados pela PGR para pedir ao Supremo o restabelecimento da prisão, esteve sobretudo o risco de que André do Rap pudesse retomar o comando da facção criminosa. "O crime organizado, nem mesmo com a prisão de seus líderes, é facilmente desmantelado. O que dizer com o retorno à liberdade de chefe de organização criminosa?", questionou a procuradoria.
Quando da decisão de Fux, no entanto, o líder da facção criminosa já havia sido liberado. André do Rap é tido como foragido pelas autoridades. No sábado, a polícia de São Paulo mandou às ruas uma operação destinada a recapturá-lo, sem sucesso.
O julgamento
O plenário irá decidir, na sessão desta quarta, se mantém ou não a decisão de Fux, que derrubou a liminar de soltura.
O julgamento deve esclarecer ainda divergências sobre os prazos e competência para decidir sobre as prisões preventivas. Há juristas, a exemplo do ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, que defendem que tribunais superiores se abstenham de decidir sobre a revisão de prisões preventivas decretadas em primeira instância. Na avaliação desta corrente, caso acionados, os tribunais devem provocar os juízos responsáveis por impor a cautelar a se manifestarem, em vez de decidirem por uma soltura "automática".
Críticas ao STF e reação de Marco Aurélio
O caso inflou as redes sociais desde sábado. O entendimento e a ordem expedida por Marco Aurélio geraram controvérsia em todo o país e atraíram críticas ao STF de ser condescendente com um criminoso proeminente do país.
À Rádio Gaúcha, Marco Aurélio afirmou que está sendo "crucificado", mas defendeu seu posicionamento. Segundo ele, "não estava em jogo a periculosidade do paciente" na análise do habeas corpus.
— Eu simplesmente acionei o Código de Processo Penal e implementei a soltura. O artigo que foi introduzido pelo Congresso é categórico: não havendo a renovação da prisão provisória (em 90 dias), tem-se a ilegalidade dessa prisão — disse.
Também já existem decisões nas Cortes superiores que divergem da posição de Mello. O ministro Edson Fachin, relator da Operação Lava-Jato no Supremo, negou em maio soltar um investigado que recorreu ao tribunal com o mesmo argumento de André do Rap.
Deputados querem voltar a discutir condenação em segunda instância
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), recebeu novo pedido para autorizar a retomada da comissão especial formada para discutir a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância. Os trabalhos do grupo foram suspensos em razão da pandemia da covid-19.
No pedido, parlamentares usam a soltura de André do Rap para justificar a necessidade de reinstalação da comissão. “É certo que se a PEC já tivesse sido votada e aprovada pelo parlamento brasileiro, situações como essa que envolve André Oliveira Macedo não ocorreriam”, diz trecho do requerimento.
A comissão já concluiu o relatório e, agora, está pendente a leitura do documento. Depois disso, o projeto precisa ser pautado e votado pelo plenário.
Comparsa de André do Rap pede liberdade
Na segunda-feira, a defesa do também traficante Gilcimar de Abreu, o Poocker, usou o caso de André como exemplo para pedir liberdade. Comparsas, Poocker e do Rap foram condenados na mesma ação. Pooker foi sentenciado a oito anos e dois meses em regime inicial fechado. O pedido de liberdade ainda não foi analisado.
Prisão de André do Rap ocorreu em mansão em Angra dos Reis
André do Rap foi preso pela Polícia Civil em setembro do ano passado em uma mansão em Angra dos Reis, no litoral do Rio de Janeiro. Ele era procurado desde 2014, sob acusação do Ministério Público Federal (MPF) de ser responsável por escoar cocaína para diversos países, via Porto de Santos (SP). Entre suas atribuições estaria a articulação de negócios entre o PCC e criminosos estrangeiros - incluindo a "Ndrangheta, grupo mafioso da Calábria, no sul da Itália, que recepcionava a droga para redistribuir na Europa".
Além da casa de luxo na qual foi preso, o traficante tinha um patrimônio estimado pelos investigadores em R$ 17 milhões. Segundo a Polícia Civil, ele levava uma vida confortável: promovia festas, vivia em mansões e viajava de helicóptero para participar de reuniões de negócios.