A Justiça mandou arquivar o procedimento de investigação contra os três policiais envolvidos na morte do engenheiro Gustavo dos Santos Amaral, de 28 anos, em Marau, no norte do Estado, em abril de 2020. O rapaz estava indo trabalhar quando foi morto em uma barreira da Brigada Militar, que procurava assaltantes de carro na RS-324.
Os agentes relataram, durante a apuração, que confundiram Gustavo com o criminoso responsável pelo roubo. O policial que atirou disse que confundiu o celular do jovem com uma arma e, por isso, abriu fogo.
No indiciamento da Polícia Civil, o delegado Norberto Rodrigues afirmou que o caso é classificado como legítima defesa putativa, ou seja, imaginária, já que a roupa do engenheiro também era parecida com a do criminoso. O delegado também observou que houve "coincidências infelizes", como o trajeto semelhante que o bandido e a vítima fizeram.
O inquérito ficou parado na delegacia por 42 dias e foi levado ao Ministério Público após reportagem de GZH mostrar que não houve andamento no processo. A Polícia Civil explicou, à época, que havia uma fila de casos físicos que não tinham sido entregues no fórum em função da pandemia, apesar de o juiz diretor do fórum de Marau, Marcel Andreata de Miranda, afirmar que a delegacia chegou a agendar a data para a entrega, mas desmarcou.
Quando o inquérito chegou ao Ministério Público (MP), o promotor de Marau, Bruno Bonamente, entendeu que o policial que atirou incorreu em legítima defesa subjetiva. Os outros dois policiais, no entendimento do promotor, não "concorreram para o fato".
Nesta quarta-feira (9), a juíza Margot Cristina Agostini concordou com o pedido do MP e mandou arquivar o processo. Na prática, os policiais são inocentados. Em sua decisão, ela justificou o entendimento:
"Assim, pela dinâmica dos fatos, é de concluir que o policial apenas efetuou os disparos contra a vítima Gustavo, pois acreditou tratar-se de um dos assaltantes e, principalmente, que ele podia estar armado, já que estava portando em uma das mãos um telefone celular e não obedeceu a ordem de rendição".
A juíza ainda disse que "na verdade, no momento em que foi solicitado para parar e deitar o ofendido fez movimento com o braço para o lado, tencionando apontar um objeto para o policial, fazendo-o de fato crer que aquilo poderia ser uma arma de fogo (quando na verdade era um celular)".
"Logo, acreditando estar em perigo iminente, o policial efetuou o disparo de arma de fogo que culminou com a morte de Gustavo", conclui.
Família questiona arquivamento
Irmão gêmeo de Gustavo, Guilherme Amaral, também engenheiro eletricista, não consegue entender o arquivamento do processo:
— Meu irmão perdeu a vida e ainda está sendo culpado pela própria morte por segurar um celular. A verdade é que isso é resultado de um erro, um erro grotesco de treinamento das forças de segurança.
Revoltado, o irmão da vítima afirma que o caso "é um absurdo" e abre um "precedente perigoso para que outras pessoas sejam mortas".
O advogado da família, Daniel Tonetto, informou que ainda não foi intimado e que vai analisar a viabilidade de recorrer da decisão.
Advogados de defesa dos policiais militares emitiram nota dizendo que recebem com "tranquilidade" o arquivamento do processo. "Frisa-se que três instituições do Estado (Polícia Civil, Ministério Público e Judiciário) entenderam, após justa e profunda análise, pela presença da excludente de ilicitude (legítima defesa putativa) na ação policial".
"Não há nada que possa alterar a trágica realidade e o sofrimento pela perda de um ente querido. Porém, a lisura e correção da apuração dos fatos traz a certeza de que Gustavo não foi vítima de execução e que não houve abuso por parte dos Policiais Militares. Acontece que a dinâmica e infelizes coincidências levaram ao desfecho desse lamentável episódio", completa o texto.
Protestos e ida ao governador
Após a morte, parentes do engenheiro passaram a fazer protestos pedindo por Justiça e chegaram a reunir-se com o governador, Eduardo Leite, que prometeu encaminhar a criação de um grupo de trabalho para debater questões relacionadas à população negra.
A deputada Luciana Genro (PSOL), da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, lamentou o arquivamento do processo. A parlamentar acompanhou a família durante esse período de investigação e protocolou um projeto de lei com o nome de Gustavo, em que requer a instalação de câmeras com GPS em viaturas e nos uniformes dos profissionais da segurança pública.
— Lamentamos esta decisão, pois ela não possibilita à família saber de fato o que ocorreu.
Confira a íntegra da nota da defesa dos policiais
É com respeito e tranquilidade que a defesa recebe a decisão de arquivamento das investigações que apuraram a morte do Engenheiro Gustavo dos Santos Amaral.
A decisão traz para a sociedade gaúcha o que realmente aconteceu naquele fático 19 de abril. É de se registrar que as autoridades envolvidas trabalharam de forma célere e técnica, elucidando o ocorrido sem levar em conta o clamor público inflamado por prematuras e inverídicas informações.
Frisa-se que três instituições do Estado (Polícia Civil, Ministério Público e Judiciário) entenderam, após justa e profunda análise, pela presença da excludente de ilicitude (legítima defesa putativa) na ação policial.
Não há nada que possa alterar a trágica realidade e o sofrimento pela perda de um ente querido. Porém, a lisura e correção da apuração dos fatos traz a certeza de que Gustavo não foi vítima de execução e que não houve abuso por parte dos Policiais Militares. Acontece que a dinâmica e infelizes coincidências levaram ao desfecho desse lamentável episódio.
Registra-se, por fim, que a resposta do Judiciário traz um alento para toda a classe castrense, que foi atacada e teve o seu profissionalismo e atuação injustamente questionados. Não se desconhece a existência de erros e abusos praticados por agentes do Estado. No entanto, no caso em análise restou comprovado que os agentes envolvidos atuaram tecnicamente e de acordo com a lei.
Ricardo de Oliveira de Almeida
OAB/RS 104.666
José Paulo Schneider
OAB/RS 102.244
Escritório Zimmermann Almeida
OAB/RS 6.292
ABAMF/RS"