
Para quem gosta de imaginar encontros no Além, é tentador pensar numa conversa entre Pepe Mujica e o papa Francisco. Com quase a mesma idade, vizinhos separados pelo Rio da Prata, o ex-presidente uruguaio e o papa morreram com poucos dias de diferença, numa dessas coincidências que nos fazem lembrar o que tinham em comum na quadra final de suas vidas, já que na juventude trilharam caminhos diferentes.
Jorge Mario Bergoglio escolheu a religião, José Mujica a política. A seu modo, cada um se rebelou contra a ditadura que assombrou a América Latina nos Anos de Chumbo.
Mujica foi guerrilheiro, mas quando chegou ao poder pelo voto mostrou-se um dos governantes mais pacíficos do planeta. Encerrado seu período de mandato, voltou para a chácara simples onde vivia como um simples camponês. Ali recebia quem quisesse algumas horas de prosa — e não foram poucos os simpatizantes de seu jeitão despojado que afundaram o caminho para conhecer pessoalmente uma das maiores lendas da política latino-americana.
No governo do Uruguai, nunca se deslumbrou com o poder. Tentou ser um presidente justo, que investiu em políticas sociais para tornar o país menos desigual. Sempre destacou que não precisava mais do que aquilo que tinha para viver. Até o carro, um velho Fusca fora de linha, combinava com as roupas e os sapatos gastos.
— Eu não sou pobre. Eu sou sóbrio, de bagagem leve. Vivo com apenas o suficiente para que as coisas não roubem minha liberdade — dizia.
Sabendo que seu estado era irreversível, fez dos últimos anos uma espécie de roteiro de despedida, semeando frases que se espalharam pelo continente e a ele foram atribuídas outras que nunca pronunciou. Em um dos discursos mais emocionantes, disse em 2024:
— Sou um velho partindo. Precisamos trabalhar pela esperança. Eu te entrego meu coração. Preciso agradecer à vida porque, quando estes braços partirem, haverá milhares de braços para me substituir.
Em 2020, cunhou outra frase que entrou para a sua biografia: “A política me encanta e não gostaria de ir, mas a vida me encanta mais”.