Setenta e nove dias depois, sendo 12 deles preso injustamente, quatro tiros pelo corpo, com duas balas ainda alojadas, e com a amiga, pretendente a namorada, morta a tiros, o angolano Gilberto Andrade de Casta Almeida, 26 anos, deixa o Rio Grande do Sul. Na manhã desta quinta-feira (29), ele voltou para Anápolis, em Goiás, onde mora.
Gilberto veio para o Estado em maio para conhecer a costureira Dorildes Laurindo, 56 anos, com quem conversava pela internet. O casal viajou para Tramandaí e, na volta, o motorista do carro pelo aplicativo Blablacar fugiu de uma abordagem da Brigada Militar. O condutor era um foragido da Justiça. Houve perseguição, os policiais encontraram o carro e acabaram matando Dorildes. Ainda feriram a tiros e prenderam o angolano, que não tinham a ver com o motorista, que foi detido. Os PMs declararam que houve tiros contra a guarnição, mas o MP diz não haver nenhuma prova disso.
O turista angolano já foi retirado do processo em que estava respondendo injustamente e não tem mais nenhum impedimento para viajar, segundo sua advogada, Ana Konrath. Agora, ele virou testemunha da morte de sua amiga e move um processo pelos danos causados contra o Estado.
Sem amigos no Rio Grande do Sul além de Dorildes, ele recebeu o apoio da Associação dos Angolanos. Uma casa do grupo, em Porto Alegre, foi a morada para Gilberto desde que ele saiu da Penitenciária Estadual de Canoas. Também teve atendimento psicológico providenciado pela Cruz Vermelha. De tudo que aconteceu, o que mais marcou ele foi a ajuda de quem estava próximo.
— Eu digo que eu só tô mais recuperado porque tive pessoas ao redor que ajudaram. A associação dos angolanos, os brasileiros que mandaram mensagem de solidariedade, a imprensa que teve um papel muito importante, a família da Dora. É isso que tiro de lição. Não tem lugar para acontecer as coisas ruins, mas quando há pessoas boas, solidárias, a gente consegue enfrentar os problemas — agradeceu Gilberto.
De volta a Goiás, Gilberto quer retornar ao trabalho como radiologista. Vai ter que esperar, antes, o período de recuperação ainda de sua perna — ele não consegue apoiá-la no chão devido aos tiros. Também vai voltar para junto de sua irmã, que mora com ele.
O plano de Gilberto é não ficar muito tempo no Brasil. Ele já tem viagem marcada para Portugal, em janeiro de 2021. O angolano foi aprovado para o mestrado em Ciências Biomédicas na Universidade Beira Interior, em Covilhã.
Ele levar consigo a saudade de Dora. A foto no WhatsApp e Facebook, ao lado dela na beira da praia, denuncia a falta que ele sente dela. Para Gilberto, a imagem fixa em suas redes é um ato de homenagem e protesto.
— Sinto muita saudade. Foi pouco tempo, mas conheci muito ela. Fazia rir, brincávamos, foi a pessoa que me mostrou um Rio Grande do Sul alegre. Enquanto não tiver um desfecho do inquérito, da história toda, vou continuar a falar, a postar, a bater na mesma tecla. Estamos num bom caminho, mas precisamos que a Justiça seja feita — expressou.
Apesar de tudo, Gilberto diz não guardar ressentimento do Rio Grande do Sul. Ele quer voltar. O sonho é terminar o trajeto interrompido pela ação policial e conhecer a cidade de Gramado, na Serra.
Inquérito da BM é aguardado
A Brigada Militar ainda não finalizou o inquérito policial militar (IPM) contra os três soldados que participaram da ação. A última informação da corporação é que ainda falta uma perícia.
GaúchaZH revelou que um dos três policiais, o soldado Regis Souza de Moura, foi condenado a sete meses de prisão por invasão de domicílio e agressão contra um adolescente em uma abordagem ocorrida em 2016, também em Gravataí. Os outros dois, são o sargento Marcelo Moreira Machado e o soldado Sandro Laureano Fernandes, que não possuem condenações.
O Ministério Público, através da Promotoria de Gravataí e da Promotoria Militar, também aguarda a resposta do IPM antes de oferecer, ou não, a denúncia.