Levantamento realizado pelo Tribunal de Justiça (TJ) mostra que 28% dos presos soltos no Rio Grande do Sul entre 18 de março e 31 de maio deste ano pertencem ao grupo de risco de contaminação pela covid-19. Ao todo, 7,7 mil foram liberados, mas cerca de 2,2 mil deles ganharam liberdade provisória ou foram cumprir pena em casa para evitar possíveis surtos nas cadeias.
Enquanto que o reingresso neste período — pelo fato de cometerem novos delitos — foi de aproximadamente 3%, as polícias alegam que têm ocorrido retrabalho. Por mais que o impacto na segurança não se traduza em números, Polícia Civil e Brigada Militar (BM) entendem que precisam fiscalizar e recapturar aqueles que voltaram a cometer crimes, principalmente homicídios.
Segundo o juiz-corregedor do TJ, Alexandre Pacheco, os números de soltura de presos durante a pandemia ainda são inferiores ao mesmo período do ano passado. Se agora 7,7 mil ganharam o benefício, em 2019 foram 10,3 mil, o que representa redução de 25%. Ele lembra que os juízes tiveram de atender uma recomendação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para evitar riscos de contaminação no sistema penitenciário. Apesar disso, Pacheco destaca que todos os casos são avaliados também conforme a periculosidade do preso.
Os benefícios foram concedidos para casos de cumprimento de prisão e para apenados que já estavam no sistema prisional. De qualquer forma, os dados da Justiça revelam que o número de solturas foi maior no final de março e se estabilizou, dentro do que é considerado normal, em maio. De 18 a 31 de março a média foi de 69 solturas por dia, passando para 36 em todo o mês de abril e 18 em maio. Só para se ter como exemplo, em maio de 2019 ocorreram 20 liberações diárias.
Reingresso
Mesmo que o número de prisões também tenha diminuído em 25% nesse intervalo de tempo, de 10 mil para 7,4 mil, Pacheco destaca que o reingresso devido a novos crime tem se mantido semelhante a 2019. De 18 de março até 31 de maio, 226 presos que foram liberados retornaram ao sistema, o que representa 2,9% do total de solturas. No mesmo período do ano passado, foram 258 reingressos.
— As solturas sempre terão impacto na segurança, mas entendo que não seja na proporção que se acreditou nos primeiros meses de distanciamento social. Mesmo assim, o foco dessa questão não é a soltura de pessoas detidas, mas a efetividade da pena. A sociedade e o Estado deveriam se voltar para melhorar as condições do sistema carcerário com o objetivo de reduzir a criminalidade — explica Pacheco.
Em relação aos tipos de crimes mais cometidos por presos que ganharam benefício durante a pandemia, tráfico de drogas e furtos estão entre os recorrentes. Do total de 226 reingressos, 72 estavam vendendo drogas, 64 praticaram furtos e 27 outros tipos de delitos. Também houve 26 casos de roubos, 21 portes de arma, 11 situações de violência doméstica e cinco se envolveram em homicídios.
Retrabalho
A Polícia Civil informa que também tem atuado para fiscalizar e recapturar apenados que não estão cumprindo prisão domiciliar, como em Passo Fundo, e que muitos deles foram assassinados. Somente em abril deste ano, a instituição contabilizou 22 homicídios de pessoas que foram soltas durante o período da pandemia. Os dados de maio ainda estão sendo processados.
A chefe da Polícia Civil, delegada Nadine Anflor, ressalta que o impacto na segurança não se traduz em números, mas justamente no retrabalho policial. Segundo ela, além de o agente ter de fiscalizar e voltar a prender um criminoso, existe a abertura de inquérito e todo o processo de investigação.
— Além disso, o número de homicídios ligados a esse grupo de pessoas, que receberam soltura, está nos preocupando, tanto é que na terça-feira a cúpula da segurança do Estado vai se reunir para discutir provável tendência de elevação. Vamos aguardar, mas principalmente traficantes têm disputado pontos de drogas e se envolvido em assassinatos — explica Nadine.
A BM tem a mesma opinião. Por meio de nota, o comando da corporação informou que dados iniciais têm mostrado o envolvimento de presos liberados com assassinatos. Eles são tanto vítimas quanto executores. No entanto, números ainda não foram repassados a GaúchaZH. Segundo a nota, a BM tem reforçado cada vez mais o policiamento em áreas que a análise criminal indica ter maior probabilidade deste tipo de crime.
A Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) também enviou nota para explicar que apenas cabe ao órgão colocar e retirar presos do sistema, além de realizar a custódia, conforme determinação do Poder Judiciário. Sobre a situação das cadeias em relação à prevenção de possível contaminação, a Susepe ressalta que está seguindo todos os protocolos recomendados pela Secretaria Estadual da Saúde. Entre os 38,6 mil apenados — houve redução em relação a março deste ano — em presídios gaúchos, ocorreram apenas três casos confirmados de detentos que contraíram o coronavírus.
Referência
Especialista em segurança no Estado, o sociólgo Rodrigo Azevedo explica que a recomendação do CNJ — de solicitar a liberação de presos com doenças graves, mais de 60 anos e ainda gestantes — foi correta e serviu de referência para a Organização Mundial da Saúde (OMS). Segundo ele, foi uma das primeiras orientações oficiais em todo o mundo sobre como lidar com a pandemia no contexto penitenciário. No caso brasileiro, Azevedo ressalta que a situação poderia se complicar devido à superlotação, em torno de 1,8 preso em média por vaga no sistema. Sendo assim, seria complicado gerenciar uma possível contaminação.
— Mesmo confinados, que é o recomendado em tese sobre o coronavírus, os presos não dispõem de uma situação adequada de saneamento, higiene e acompanhamento na área da saúde. O que, para ocorrer um surto, poderia ter grandes proporções — ressalta Azevedo.
Para o sociólogo, os números de soltura e de reingresso no Estado não fogem do padrão dos últimos anos. Sobre os crimes que têm gerado o retorno dos presos ao sistema penitenciário, a maioria tráfico de drogas e furtos, ele ressalta que as causas são amplas e estruturais. Por isso, Azevedo diz que não se pode responsabilizar juízes por esses casos, principalmente porque as cadeias estão totalmente vinculadas à ação de facções criminosas. O especialista explica que, mais cedo ou mais tarde, conforme a Lei de Execução Penal, este apenado voltará as ruas e o objetivo deve estar voltado a buscar melhorias no sistema de ressocialização.