Era a bordo de um veículo roubado no Rio Grande do Sul que estavam os responsáveis pela execução de Douglas Gonçalves Romano dos Santos, 23 anos, em Balneário Camboriú, no litoral catarinense. Delator de uma facção com berço na zona leste de Porto Alegre, ele chegou a integrar programa de proteção a testemunhas, mas foi executado em 23 de fevereiro no Estado vizinho. A descoberta reforça a hipótese de que o ex-gerente do tráfico tenha sido assassinado pelo grupo do qual fez parte. Ele era testemunha em pelo menos 40 processos contra a organização criminosa.
O automóvel, um Sandero preto, foi abandonado na mesma noite do crime na Rua Venezuela, no bairro Nações. O ponto fica a pouco mais de um quilômetro do local onde Douglas foi assassinado, na Rua Justiniano Neves, no bairro Pioneiros. Ele desembarcou de um carro, onde havia pego uma corrida por aplicativo, e foi executado a tiros nas proximidades da casa onde estaria residindo há cerca de uma semana.
O carro, com as placas adulteradas, foi localizado pela Polícia Militar na quinta-feira, após o chamado de um morador. Ele estava intrigado com o fato de o veículo ter sido deixado estacionado na rua, com as portas destravadas. Uma testemunha contou à polícia que um homem deixou o Sandero no local e fugiu em outro veículo.
Segundo a Divisão de Investigações Criminais (DIC) de Balneário Camboriú, o carro foi levado durante assalto em Viamão, na Região Metropolitana, em 5 de fevereiro — 18 dias antes do assassinato. Junto ao veículo, em Santa Catarina, foi encontrada uma munição de pistola calibre 9 milímetros — mesmo tipo de arma usada na execução do delator.
— Esse foi o carro usado no crime. Foi feita perícia para coletar fragmento papilar (impressões digitais) — explicou o delegado Ícaro Malveira, titular da DIC.
O modo de ação dos criminosos é semelhante ao empregado em uma tentativa de homicídio sofrida pelo delator no início de fevereiro. Douglas havia se desligado voluntariamente do programa de proteção a testemunhas em 8 de janeiro. Menos de um mês depois, ele foi baleado em Camboriú durante um tiroteio em frente a uma festa. Segundo a Polícia Civil, esse ataque já havia sido planejado por criminosos da facção de Porto Alegre.
Naquele episódio, também foi usado um veículo roubado no RS. O Kia Soul foi levado em um assalto no bairro Itu Sabará e nele os atiradores seguiram até Santa Catarina. O paradeiro do delator teria sido descoberto pelos inimigos após ele mesmo fazer uma publicação no Facebook, onde indicava o local onde estava vivendo. Os bandidos teriam provocado uma confusão dentro do clube para que ele saísse para a rua. Baleado, ele chegou a ficar hospitalizado. Quando foi executado, ainda estava com a perna esquerda engessada.
A polícia catarinense está reunindo imagens de câmeras para tentar elucidar a autoria da execução. Nesta sexta-feira (28), os policiais ouviram o motorista de aplicativo que realizou a corrida para o delator. O condutor relatou que dois criminosos estariam envolvidos no crime. Um deles desembarcou do Sandero e atirou em Douglas, que foi alvejado quatro vezes na cabeça, enquanto outro permaneceu na direção do veículo.
O acordo
Ex-gerente do tráfico de uma facção com berço no bairro Bom Jesus, e integrante da célula do grupo no Mario Quintana, Douglas Gonçalves Romano dos Santos se tornou delator em fevereiro de 2017. Ele procurou a Polícia Civil da Capital disposto a falar o que sabia. Em março do ano passado, o delator afirmou em entrevista a GaúchaZH que após decidir deixar a facção, descobriu que estava sob risco. Por isso, procurou as autoridades.
Segundo a polícia, quando chegou à 5ª Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), relatou que tinha dois familiares desaparecidos. Mais tarde, descobriu que os dois foram assassinados pela facção. Ele detalhou aos policiais e ao Ministério Público uma série de crimes cometidos pelo grupo, como homicídios e lavagem de dinheiro. Confessou ter participado de execuções brutais, envolvendo esquartejamentos e indicou os mandantes dos delitos. O ex-gerente indicou ainda onde ficava um depósito de drogas e um cemitério clandestino usado pelo grupo.
Atualmente ele respondia 18 processos por homicídio e era testemunha em pelo 40 casos envolvendo a organização criminosa. Mais de 150 prisões preventivas foram obtidas pela polícia contra o grupo, após a delação. Lideranças do grupo também foram isoladas em penitenciárias federais. Mesmo com a morte do delator, segundo o Tribunal de Justiça do RS, os processos seguirão normalmente. Os relatos feitos por ele foram gravados.