A divisão imposta pelos grupos criminosos para a exploração do tráfico de drogas na Restinga, bairro no extremo sul de Porto Alegre, pode ser comparada a uma colcha de retalhos. Quando os ânimos entre essas quadrilhas se acalmam — por questões internas ou pela repressão policial — o cenário nas ruas se modifica. Em contrapartida, quando esses criminosos entram em conflito, a tensão se espalha. É o que tem acontecido nos últimos dois meses. Desde o início de novembro, 13 pessoas foram assassinadas no bairro.
— A Restinga é um pouco peculiar em relação ao resto da cidade. Ela tem diversas pequenas facções dentro do próprio bairro, que são diferentes das facções maiores — afirma o major Fabrício Rocha da Silveira, responsável pelo comando da Brigada Militar no bairro.
Até esta segunda-feira (30), foram nove casos de homicídios, que resultaram na morte de 11 homens e duas mulheres — em quatro situações, os criminosos executaram duas pessoas. Além desses, foram registrados mais quatro casos de tentativa de homicídio, dos quais 10 pessoas foram vítimas. Os dados são da 4ª Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), que investiga esses crimes. A Restinga é um bairro historicamente loteado por grupos vinculados ao tráfico. Em abril deste ano, o acirramento entre três dessas quadrilhas instaurou um clima de guerra. Escolas, creches e o posto de saúde fecharam as portas, após série de tiroteios. Até o fim de outubro, tinham sido registrados 25 assassinatos na região.
— A Restinga tem uma particularidade diferente dos outros bairros, pois ela tem um tamanho considerável com uma taxa populacional superior a muitos municípios e com diversas facções atuando próximas umas das outras o que facilita essas disputas — afirma delegado Rodrigo Pohlmann, titular da 4ª DHPP.
A polícia tenta compreender quais disputas estão por trás desse acirramento da violência nos últimos dois meses e quais grupos estão envolvidos nisso. Uma das linhas de investigação aponta que parte dos crimes poderia ter relação com ataques envolvendo uma facção com berço no bairro Bom Jesus, na zona leste da Capital. Somente em dezembro, foram nove execuções. Dos 13 assassinatos nos dois meses, pelo menos, 10 estariam vinculados ao tráfico.
— O que está acontecendo agora não se equipara ao que tínhamos ao longo de 2017, por exemplo. Era muito complexo. Mas tivemos um período de calmaria ali, então isso ressalta. Nessas regiões, a dificuldade é o silêncio. Muitas vezes pode ser um familiar, mas a pessoa não quer se envolver. Não fala nada porque tem medo. Nesse cenário, temos de fazer um trabalho de formiga para obter as informações. Até mesmo para entender quais são as disputas que estão gerando isso — diz Pohlmann.
No entendimento do major Silveira, qualquer movimento de saída da prisão ou captura de um líder de facção reflete em mudanças no cenário dentro do bairro.
— Quando há prisão de um grande líder, alguém vai querer o lugar dele. Isso gera conflito principalmente no momento em que ele retorna. Monitoramos essas questões em um canal direto com a Susepe. A maioria dos homicídios são relacionados a disputas territoriais —afirma o oficial da BM.
De acordo com o major, a Brigada tem atuado na região com reforço do Batalhão de Choque. Nesta segunda-feira (30), 12 viaturas do choque e helicóptero do Batalhão de Aviação faziam reforços no policiamento.
— Estamos trabalhando com saturação, que é colocar policiais militares dentro do bairro, nos horários mais críticos — explica.
Jovens
Os homicídios mais recentes aconteceram no último fim de semana, quando dois jovens, de 18 e 19 anos, foram executados a tiros em duas áreas do bairro. Um dos casos, no sábado (28), estaria vinculado à morte de um casal, executado dentro de uma casa nas proximidades, segundo informações do delegado. A pouca idade das vítimas é um dos fatores que desperta a atenção. Um dos mortos foi um adolescente, de 17 anos.
— O clima para as famílias que não são do tráfico é muito tenso. Na noite de Natal, meia-noite, tinha guri de 13, 14, 15 anos andando na rua, dando tiro de pistola e de 38 (revólver). Minha filha e meu genro, que não moram aqui, ficaram apavorados e saíram em seguida. Fiquei triste com isto — relata um morador, que prefere não ser identificado.
Vice-diretora da Escola Municipal de Ensino Fundamental Vereador Carlos Pessoa de Brum, Adriana Braga acredita que a falta de oportunidades é um dos fatores que deixa os adolescentes vulneráveis ao crime.
— Quando o Estado não dá conta, alguém vai dar conta. Acho que esse é o papel do Estado, de dar oportunidades, para que a criança vislumbre um futuro. Nós enquanto escola pública temos esse dever e essa responsabilidade com cada um dos nossos alunos. A violência atinge muitos dos nossos alunos. A gente sente muito por cada família que é atingida pela violência. Mas a gente segue porque somos uma escola preocupada com o todo — afirma.
A Restinga foi um dos cinco bairros selecionados em Porto Alegre pelo programa RS Seguro. A medida foi lançada em fevereiro pelo governo do Estado. Inicialmente, foram selecionados 18 municípios considerados mais violentos e, dentro deles, 52 bairros para receber ações na tentativa de reduzir a criminalidade. Foram elencadas 169 escolas, estaduais e municipais, para receberem programas do governo, de diferentes áreas, na tentativa, por exemplo, de reduzir a evasão escolar.