Aguardando sanção presidencial após passar pelo crivo do Congresso, o pacote anticrime traz avanços, mas continua com pontos que causam preocupação, segundo especialistas ouvidos pela reportagem de GaúchaZH. O texto aprovado pelo Legislativo desidrata o projeto do ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro, anexando propostas do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes.
Coordenadora da Câmara Criminal do Ministério Público Federal (MPF), Luiza Cristina Fonseca Frischeisen avalia que o pacote traz benefícios, como transformar em lei o acordo de não persecução penal, que permite trato entre acusação e defesa para encerrar o processo. A ferramenta, aplicada a infrações penais sem violência e com pena mínima menor do que quatro anos, agiliza o sistema, segundo Luiza Cristina.
— Isso é muito importante para todo o sistema de Justiça criminal federal. Ou seja, é menos inquérito para a polícia, menos audiências de instrução para os juízes e mais ressarcimento para a União e para os Estados — salienta a subprocuradora.
Aumento do tempo máximo de cumprimento de pena, de 30 para 40 anos, venda de bens apreendidos por órgãos de segurança pública e critérios mais rigorosos para progressão de regime estão entre os pontos mantidos no pacote. Por outro lado, o excludente de ilicitude e a prisão após condenação em segunda instância ficaram de fora.
Em relação ao processo de desidratação promovido pelos parlamentares no texto de Moro, Luiza Cristina afirma que “é do jogo democrático” e não significa que temas suprimidos não voltarão à discussão:
— O que saiu da Câmara é o possível. Melhor que saia assim do que fiquem discutindo eternamente. Depois, outros projetos serão apresentados certamente.
Na manhã desta quinta (12), em entrevista ao programa Timeline, da Rádio Gaúcha, o coordenador da força-tarefa da Lava-Jato, Deltan Dallagnol, criticou a desidratação do pacote anticrime e disse que as medidas não representam um avanço no combate à corrupção. Para Deltan, o pacote "começou forte" quando foi apresentado por Moro. Porém, as propostas acabaram sendo "esvaziadas ao longo da discussão no parlamento". O procurador reconheceu alguns ganhos com as medidas, apesar de afirmar que elas "não resolvem o problema".
— Para a Lava-Jato e para o combate à corrupção, praticamente não muda nada. Há pequenas melhorias pontuais e algumas pioras. (O pacote) não dá conta do problema que diagnosticamos. É a mesma coisa que dizer: "Você tem câncer, agora, toma aqui uma vitamina C" — disse Dallagnol.
Juiz de garantias gera preocupação
A coordenadora da Câmara Criminal do MPF reconhece que alguns pontos do pacote, como prazo para o magistrado ter de revisar a prisão preventiva e criação da figura do juiz de garantias, que será responsável por instruir, mas não julgar o processo, preocupam por aumento de burocracia e falta de clareza.
O presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Fernando Marcelo Mendes, afirma que o pacote pode parecer tímido se comparado à proposta global, mas apresenta avanços na regulamentação penal no país.
— Uma boa parte das propostas foi acolhida e isso para nós vai ter um efeito benéfico nessa questão da jurisdição penal.
Mendes lamenta pontos do pacote defendidos pela Ajufe que ficaram de fora, como o "plea bargain" — acordo penal em que o Ministério Público oferece ao réu pena mais branda em troca de confissão — e a possibilidade de prisão em segunda instância. O presidente da entidade também olha com desconfiança para a criação do juiz de garantias. Segundo ele, esse mecanismo enfrenta dificuldades de implantação por razões técnicas.
O professor da PUCRS e doutor em Direito Marcelo Peruchin acredita que a figura do juiz de garantias poderá ser barrada pelo presidente Jair Bolsonaro na hora de sancionar o texto.
— Apesar de ser uma figura salutar, na minha opinião, ela implica em um aumento de custo para o poder Judiciário, especialmente nas comarcas pequenas.
Peruchin afirma que o pacote aprovado pelo Congresso está distante do que foi apresentado pelo ministro Moro e tem caráter mais punitivo em relação às penas e não provoca grandes mudanças no âmbito dos processos.